sábado, 29 de junho de 2013

O Dia do Papa


O Dia do Papa 




Para os católicos da Igreja de Roma, o último Domingo do mês de junho é sempre considerado o Dia do Papa. Colocado à frente do Rebanho do Senhor como chefe visível da unidade dos cristãos católicos, Pedro é a figura de maior destaque na Festa dos Apóstolos Pedro e Paulo. De fato, foi a ele que Cristo disse: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Hades [as potências do mal] nunca prevalecerão contra ela” (Mt 16,18); “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21,16.17). 


De espírito arrebatador e exaltado, impulsivo e extrovertido, disposto, inclusive, a dar a sua vida por Cristo, quando todos o abandonariam na noite da traição e do julgamento, negou conhecer Jesus no momento grave e histórico de sua condenação. E fê-lo diante de duas criadas e de outras pessoas que estavam lá: “Não sei o que dizes”; “Não conheço esse homem” (Mt 26,69-74). Traiu-o, manifestando a frieza própria dos homens na hora da perseguição e do medo. Depois, arrependido, chorou amargamente, tendo cantado o galo (Mt 26,75), como havia predito o próprio Cristo: “Em verdade te digo que esta noite, antes que o galo cante, me negarás três vezes” (Mt 26,34). Mas, retomando o esforço do caminho de seu amadurecimento na fé, atingindo também o coroamento do martírio pelo testemunho mais radical do amor ao Mestre de Nazaré, entregou-se, generosamente, à causa do projeto de seu Senhor. Assim, vendo o balanço interior de Pedro no momento da provação, quem de nós poderia colocar-se fora da estranha força da inquietação que nos assalta na hora crucial da verdade da nossa fé? Na hora de encararmos os riscos que a adesão a Cristo comporta na exigência do seguimento fiel e incondicional aos seus apelos de generosidade e entrega pessoal? Quem não carrega dentro de si um “Pedro”, vacilante e medroso, hesitante e até covarde, em determinadas circunstâncias do “sim” que Cristo nos pede quando nos convida: “Segue-me!”? 


Hoje, Pedro se chama Francisco. É o Papa Francisco, que, depois de tempos turbulentos e revoltos e de águas profundamente agitadas – “acolhendo” a renúncia de seu predecessor, o Papa Bento XVI – assumiu a responsabilidade do timoneiro da barca de Pedro, que é a verdadeira Igreja de Cristo. Passam-se os papas, mas a Igreja do Senhor permanece firme, inabalável na imensidão de suas águas profundas, singrando vagas impetuosas, em direção ao porto seguro da eternidade, onde seu dono a espera na plenitude da Igreja triunfante, nos céus. 



Deus abençoe o Papa Francisco, concedendo-lhe firmeza e coragem para confirmar o rebanho na fé e apascentar as ovelhas do Senhor ainda peregrinas e dispersas pelo mundo inteiro.










quarta-feira, 26 de junho de 2013

São José na Liturgia da Igreja Católica


São José na Liturgia da Igreja Católica 




Sempre pensei que a menção do nome de São José, o esposo de Maria, a mãe de Jesus, fazia falta na Liturgia da Igreja. Com efeito, apesar da discrição com ele é apresentado nas narrativas dos evangelhos de Mateus e Lucas, sua figura não deixou de ser importante no seio da Sagrada Família de Nazaré. Silencioso, nunca disse nada, nenhuma só palavra foi dita por ele no contexto em que ele aparece envolvido no mistério da encarnação do Filho de Deus, Jesus, cuja paternidade humana, mesmo se putativa, fora-lhe confiada.

Não que a Igreja nunca tenha se interessado pelo alcance do testemunho espiritual de homem “justo [e santo]”, como destaca o próprio evangelista Mateus (cf. 1,19). Ou seja: “Por causa desta relação especial com Jesus e Maria, José sempre foi muito venerado na Igreja. Pio IX, resumindo a herança dessa grande tradição, proclamou-o patrono da Igreja Universal, e Leão XIII o indicava como modelo de todas as famílias cristãs. Bento XV escreveu: ‘A casa divina, que José governou... continha os princípios da Igreja nascente... Como consequência disto o santo patriarca deve sentir como confiada a si, por especial razão, toda a multidão dos cristãos’” (Enrico Peppe). E ainda: “Pio XII o propôs como modelo par todos os trabalhadores e fixou o dia 1º de maio como festa de São José Trabalhador, que ‘enobreceu o trabalho humano, sustentado e animado pela convivência de Jesus e Maria’ e ‘exercendo sua arte com empenho e virtudes admiráveis, tornou-se o mestre de trabalho do Cristo Senhor que não desdenhou ser chamado filho do carpinteiro’” (Enrico Peppe). 

 


Seu nome é citado 35 vezes em todo o Novo Testamento. Mas, claro que se trata também de outros Josés, como José, irmão de Tiago (Mt 27,56) e José de Arimateia (Mt 27,57; Mc 15,43.45). No entanto, na grande maioria das citações, faz referência a “José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus chamado Cristo” (Mt 1,16). Com efeito, já são quase dois milênios de história do Cristianismo, e, somente agora, no dia 20 de junho de 2013, por meio de um Decreto, emitido pela Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, o seu nome foi inserido nas orações eucarísticas II, III e IV do Missal Romano. A nota é da própria Congregação: “Pelo seu lugar singular na economia da salvação como pai de Jesus, São José de Nazaré, colocado à frente da Família do Senhor, contribuiu generosamente à missão recebida na graça e, aderindo plenamente ao início dos mistérios da salvação humana, tornou-se modelo exemplar de generosa humildade, que os cristãos têm em grande estima, testemunhando aquela virtude comum, humana e simples, sempre necessária para que os homens sejam bons e fiéis seguidores de Cristo. Deste modo, este Justo, que amorosamente cuidou da Mãe de Deus e se dedicou com alegre empenho na educação de Jesus Cristo, tornou-se guarda dos preciosos tesouros de Deus Pai e foi incansavelmente venerado através dos séculos pelo povo de Deus como protetor do corpo místico que é a Igreja”.

E a mesma nota continua: “Na Igreja Católica os fiéis, de modo ininterrupto, manifestaram sempre uma especial devoção a São José honrando solenemente a memória do castíssimo Esposo da Mãe de Deus como Patrono celeste de toda a Igreja; de tal modo que o Beato João XXIII, durante o Concílio Ecumênico Vaticano II, decretou que no antiquíssimo Cânone Romano fosse acrescentado o seu nome. O Sumo Pontífice Bento XVI acolheu e quis aprovar tal iniciativa manifestando-o várias vezes, e que agora o Sumo Pontífice Francisco confirmou, considerando a plena comunhão dos Santos que, tendo sido peregrinos conosco neste mundo, nos conduzem a Cristo e nos unem a Ele”.

Por fim, a mesma nota encerra sua argumentação, afirmando: “Considerando o exposto, esta Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, em virtude das faculdades concedidas pelo Sumo Pontífice Francisco, de bom grado decreta que o nome de São José, esposo da Bem-aventurada Virgem Maria, seja, a partir de agora, acrescentado na Oração Eucarística II, III e IV da terceira edição típica do Missal Romano. O mesmo deve ser colocado depois do nome da Bem-aventurada Virgem Maria como se segue: na Oração Eucarística II: “ut cum beata Dei Genetrice Virgine Maria, beato Ioseph, eius Sponso, beatis Apostolis”; na Oração Eucarística III: “cum beatissima Virgine, Dei Genetrice, Maria, cum beato Ioseph, eius Sponso, cum beatis Apostolis”; na Oração Eucarística IV: “cum beata Virgine, Dei Genetrice, Maria, cum beato Ioseph, eius Sponso, cum Apostolis”. 




Por conseguinte, para todos os cristãos católicos isso deve ser motivo de muita alegria, especialmente, para os homens que foram considerados dignos de carregar consigo o homônimo de tão insigne defensor da Família de Nazaré. 

 


terça-feira, 18 de junho de 2013

Março de 2005, entre Roma e Jerusalém


Março de 2005, Entre Roma e Jerusalém 

 



Estou na portaria do Pontifício Colégio Pio Brasileiro, e espero alguém que me vem buscar. É uma quarta-feira, e são 16h30min. O coração bate forte. A ansiedade sufoca a lentidão da espera, mas, o tempo passa rápido, e eis que aparece o esperado professor de Teologia Bíblica da Pontifícia Universidade Gregoriana, Pe. Mássimo Grilli, decano do departamento dessa disciplina, que nos conduzirá ao Aeroporto. No carro, já estão dois colegas do Colégio Internacional “Maria Mater Ecclesiae”. O sol brilha forte sobre o horizonte da “Cidade Eterna”. A primavera se anuncia, embora com lampejos de verão. Roupas menos pesadas, ar menos frio, alegria rebenta nos lábios de sorrisos festivos. Estamos indo a Jerusalém. Vamos “subir” à Cidade Santa de Jerusalém que, profetizada, lamentada, destruída, chorada, reconstruída, “cercada de montanhas”, vai ser visitada por mais um grupo de estudantes de Teologia Bíblica da sobredita Universidade e, entre eles, há um carirense. Pouco tempo depois de termos deixado o Pio Brasileiro, encontramo-nos no Aeroporto Fiumicino, de Roma, onde outros amigos nos aguardam. Finalmente, todos juntos, num total de 11 pessoas, preparamo-nos para o controle de passagens e passa-portes e, de igual modo, para o embarque. O vôo de número 0A 240, da Companhia Aérea Olimpic, levar-nos-á a Atenas, sede dos Jogos Olímpicos de 2004, vista e contemplada pelos olhos do mundo inteiro que se voltava para o brilho das competições e das medalhas. 

 


Pontualmente, às 19h29min, o avião decola, chegando a Atenas às 21h04min. Nessa cidade, tivemos um tempo de espera até o próximo vôo, que estava previsto para 1h15min, horário local, pois, com a nossa chegada de Roma, avançamos o ponteiro do relógio em uma hora. Passeando pelo Aeroporto, vimos letreiros em grego e inglês, e a sensação é a de que o mundo inteiro parece igual. Os homens são os mesmos em qualquer lugar. Contudo, a “babilônia” causada com a confusão das línguas, provocou a dispersão dos humanos que se encontram sem se reconhecerem e, assim, tentam se sobrepor uns aos outros. Ainda bem que a morte coloca todos no mesmo pé de igualdade. A morte é o mais forte princípio de igualdade entre todas as diferenças antropológico-culturais de todas as civilizações e em todos os tempos. Todavia, nossa viagem não se detém nos reflexos arrancados da situação do momento. Assim, tendo encontrado o nosso guia, Cesare Geroldi, um sacerdote jesuíta, que vinha de Milão, devemos subir à Jerusalém, depois de gritarmos: “Terra à vista!”

Atenas, 1h43min, o vôo 0A 301, da mesma Olimpic, leva-nos ao Aeroporto Davi Ben Gurion, de Tel Aviv, onde aterrissa às 3h16min. Ao mesmo tempo que o avião vai diminuindo a velocidade, cresce e aumenta a expectativa agradável e esperançosa dos belos dias vividos no real sonho de Jerusalém, o que começa no alvorecer de um novo dia.

Do momento da chegada até sair do aeroporto, devo confessar que experimentei uma ligeira frustração. Por causa de informações que me deram sobre o rigoroso controle dos passageiros, viajei com o coração apreensivo e angustiado, quando, na realidade, não aconteceu nada de grave. Apenas algumas brevíssimas perguntas, e saí do aeroporto sem dificuldades. Mas não aconteceu o mesmo com um amigo venezuelano. Tinha autorização para entrar no país e não havia nada registrado nos computadores locais. Um problema! Depois de muita espera, quando todos já estávamos do outro lado do controle de ingresso dos turistas, a situação foi remediada. 

 


Então, sim, algum tempo depois, pudemos contemplar Jerusalém a olhos nus. Chegamos ao Pontifício Instituto Bíblico, onde ficamos hospedados, às 5h30min, depois de viajarmos mais ou menos 40 minutos do aeroporto. A noite se fez breve, e percebemos despontar no céu de Jerusalém a luminosidade radiante de um novo amanhecer, enquanto a mente, ritmada pelo coração, reza, serenamente, o “Benedictus Dominus Deus Israel qui visitavit et fecit redemptionem plebi suae et erexit cornu salutis nobis in domo David pueri sui” (Lc 1,68-79). É uma das mais belas metáforas de Jesus, a Luz do Mundo, “o sol nascente que nos veio visitar para iluminar a quantos jazem entre as trevas e na sombra da morte estão sentados, e para dirigir os nossos, guiando-os no caminho da paz”. É o eco profundo destas palavras que desperta e acorda nossos sentimentos para a experiência a ser vivida na Terra de Jesus, “a começar por Jerusalém” (Lc 24,47). Já são 6h30min, o Sol brilha esplendoroso sobre a Cidade Santa de Jerusalém. Porém, mereço um breve repouso, pois, às 9h30min, teremos nosso primeiro encontro e, assim, não posso repousar muito.

A luz do sol imponente que brilha sobre Jerusalém é de um esplendor extraordinário e misterioso! É como se o Sol não existisse, e a sua luminosidade tivesse outra origem. São 9h30min, e o nosso guia, Cesare Geroldi, conduz-nos a um lugar estratégico da cidade turística e, dali, vamos vislumbrar, tentando satisfazer a curiosidade de alguma pergunta, a textura estranha das complexidades históricas e culturais que acobertam a Jerusalém de hoje, mas cujo véu, tecido de inextrincáveis fios de civilizações e culturas, vem estampado da coloração de um passado que remota aos tempos de outrora.

 


Estamos sobre a Torre de Davi, o museu histórico da Cidade Santa, que figura entre os sítios arqueológicos e históricos mais importantes de Jerusalém, e simboliza a velha cidade, antiga e adormecida nas noites perdidas de seu tempo. Seu passado glorioso e intrigante encontra aqui a força expressiva de sua escalada histórica, e parece despertar aos olhos do turista a “inibidora sensação” de que a Jerusalém da fantasia, buscada e sonhada pelo desejo de conhecê-la é mais atraente e fascinante do que aquela contemplada, agora, com os olhos embaçados de tanta confusão. Todavia, querer compreender a complexidade insolvente de suas conjunturas e vicissitudes atuais seria mais do que uma inatingível presunção, já iniciada com a derrota. Não posso esquecer a frase curiosa e provocante que li numa revista missionária francesa, “Peuples du Monde”, sobre Jerusalém: “Quando se passa um dia em Jerusalém, escreve-se um livro; um mês, um artigo; um ano, não se pode escrever mais nada, de tão grande que é a confusão”.

É, pois, isso o que os nossos olhos, quase angustiados, veem aqui. A Cidade está dividida em 4 bairros: o Bairro Cristão, o Armênio, o Judeu e o Mulçumano. Para chegar à compreensão do que influenciou e determinou essa divisão, seria necessário descer os degraus da história para, depois, grimpá-los através dos vários mosaicos da exposição cronológica dos fatos que provocaram a constituição da Jerusalém hodierna. Na verdade, uma tarefa para muitas páginas de leitura da história, lida e relida, do complexo universo cultural que acolheu, entre nós, a chegada do próprio Filho de Deus.