quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

 

Virando a página do tempo

 


Réveillon. É a palavra dos tempos atuais. Mas qual a origem e o sentido de sua conotação para o novo ano que se aproxima? Tradicionalmente, o vocábulo ficou conhecido como “virada do ano”! Ou será que não? Com a proximidade do Natal e das festas de final de ano, o mundo inteiro fica eufórico. Novo tempo parece desabotoar e manifestar as forças da esperança. Se o ano que passou não foi tão bom assim, com perdas de todo tipo, mas também com agrados de realização, resta-nos torcer para que, “virando a página do tempo”, algo melhor rebente nossos desejos de plenitude.

Já na iminência de 2022, papai Noel, o bom velhinho, que trouxe a concretude de tantos sonhos adormecidos nas crianças e nos adolescentes, mas também nos adultos, ficou para trás, deixando então a lembrança do que nos golpeou do presente recebido. Pelo menos, para aqueles que receberam algum regalo. Com efeito, nem todos os anelos do coração se realizam na magia da boa vontade do velhinho. São momentos transitórios que plantam na alegria das festividades o toque sublime da generosidade de muitas pessoas. E isso faz bem ao espírito desse instante. Mas não é tudo! Também, talvez de maneira mais obscura, sobretudo nos veículos de comunicação de propaganda mercantil, e até mesmo no seio de alguns cristãos, o Menino-Jesus teve seu papel de figura discreta, no entanto, vibrante, trazendo a todos a luz que emana de sua manjedoura e permanece mais duradoura do que papai Noel. Afinal de contas, Ele é o Salvador, mesmo para aqueles que pensam que não! Contudo, o tempo é o senhor de quem todos nós somos escravos. Isso mesmo: ESCRAVOS! Apenas aqueles que já estão fora dele, no caso, os mortos, não se sujeitam mais aos ditames de sua brava tirania. Quanto aos pobres mortais, que perambulam pela noite escura do universo macroscópico, material e imaterial, imanente e transcendente, físico e espiritual, todos somos, inevitavelmente, prisioneiros de suas armadilhas.

Os anos recentemente passados, 2020 e 2021, foram terrivelmente marcados pelo monstro da pandemia que, não obstante todo o esforço de superação mundial, ainda continua nos assombrando. Vidas se perderam, familiares, amigos e parentes desapareceram do nosso meio. No dia primeiro de novembro de 2021, o mundo registrava mais de cinco milhões de mortos por covid-19. A marca de uma tragédia humanitária sem precedentes! E as nações ainda seguem desorientadas, com a possiblidade de agravamento da situação, trazida à baila mediante o advento da variante ômicron. E, no dia 27 de dezembro, agorinha, enquanto escrevo esse texto, mais de dois mil voos foram suspensos no mundo inteiro por causa dela. Ainda não nos sentimos seguros! Contudo, a vida deve continuar. “O tempo não para”, já dizia a música de Cazuza, e a nossa vida segue dentro de sua dinâmica cronológica, até o fim da biocronologia de cada um dos viventes. Portanto, é nessa perspectiva que devemos enfrentar o “réveillon”, que significa “despertar”. Porém, “despertar” para quê? Acordar para quê?

Despertar para a sublimidade da vida, enquanto ainda estamos aqui. Às vezes, parece que vivemos sonolentos demais a quotidianidade que nos assalta do nascer ao pôr do sol. A agitação do mundo moderno, a pressurosidade dos afazeres, dos trabalhos e dos negócios; as demandas existenciais de todo tipo, nas idas e vindas da geografia do eu mais profundo, etc., tudo isso pode nos distanciar da essência da beleza que é a própria vida em si mesma, o milagre do momento presente que nos escapa, fugidio, como as torrentes dos mananciais que descem do topo da montanha para encher os leitos da extensão do existir. Por isso, precisamos ir “virando a página do tempo”. Santo Agostinho já asseverava: “É bom que esse tempo passe, senão, não teremos outro tempo para viver”. Por conseguinte, a vida é essa espiral de gratuidades e de bonanças, que independe da direção dextrogira ou sinostrogira, mas que focaliza o centro vital do que somos e da felicidade que buscamos.

Do original francês, o termo réveillon se desprende do verbo révellier, que significa “acordar”, “despertar”; “tirar do sono” (“tirer du sommeil”). Metaforicamente, quer dizer também “chamar à consciência”, “trazer à vida”. Seria como o despertar interiormente para o clarão da existência que nos espera, a cada amanhecer, devolvendo-nos o brilho da esperança em dias melhores, de consolação, de boas energias, de conquistas, vitórias, mas também de lutas, de apego à própria essência de nós mesmos, de superação. Portanto, é nessa direção que devemos apostar com o dealbar do ano novo, da chegada de 2022.

Então, acordemos da letargia dos dias ruins, dos movimentos tristes da alma, dos pesares enfadonhos do que ficou para trás. A vida está diante de nós. Vamos sonhar mais, abraçar mais, sorrir mais, confiar mais, trabalhar mais, etc., a fim de que os sonhos que embalam o nosso espírito não permaneçam adormecidos no castelo interior da acomodação. Vencer é próprio de quem luta! Ou seja: vire, sabiamente, a página do tempo! Agora, vá! Levante-se! Tenha coragem, pois a vida nos espera sobejamente prenhe de coisas boas, alvissareiras de felicidade. Feliz 2022! 

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

 

Desculpe-me pelo atraso...



O discurso foi breve, ligeiro, rápido, tranchant: “O curso acabou para mim. Apresentei o TCC ontem. Só falta pegar o Diploma. Sou Bacharel em Direito. Finalmente.” Era o meu amigo Robson, derramando sentimentos de conquista, de vitória e de euforia no canteiro das palavras. Deixou o recado completo! Mas as palavras também escondem aquilo que não dizemos, ou guardamos no movimento das emoções. A luta diária de quem esteve ao seu lado sabe o que isso significa: um gosto quase secreto de que tentar realizar os desejos da formação acadêmica custa desafios, suor, energia, lágrimas, acordar cedo e não saber bem em que direção olhar, etc. Mas são as exigências da vida que demonstram a grandeza de um homem.

Não desistir nunca, não se acomodar aos ditames das condições não favoráveis, resistir às tempestades ferozes da imprevisibilidade do caminho, tirar forças de onde parece não haver, buscar soluções imediatas no solavanco das intuições, tudo isso faz parte do processo. Mas, “desculpe-me pelo atraso...” Pelo atraso de quê? Por quê? Seria pela demora de minha resposta à dimensão emergencial de seu desejo de partilhar uma alegria que conquistamos juntos. Vidas paralelas, separadas pelo cordão cronológico da biografia individual, se cruzam nos ambientes sociais da coletividade, porém, cada um no contexto de seu próprio existir. Então, fiz do “desculpe-me pelo atraso” uma metáfora de reflexão sobre a vida, toda vida, qualquer vida humana.

Ninguém deve pedir desculpas pelo atraso. Não, pelo atraso da vida, porque ninguém atrasa na vida! Na verdade, é ela que nos leva por outros caminhos: pelos caminhos das incertezas, das inseguranças, do medo invisível que nos assalta, das portas quase fechadas ao imprevisível! Mas a teimosia dos sonhos, da busca da realização dos ideais, da esperança alimentada pelos horizontes interiores do coração, tudo isso vence a insuficiência dos recursos, a letargia do espírito desanimado, sem motivação, em virtude do esforço de sobrevivência, que não nos permite desistir jamais. Cada um no seu tempo, com seus limites, com sua determinação e vontade de vencer; cada um com seus desafios; cada um com sua história; cada um com as labutas próprias da sobrevivência humana, que exige provas de superação e vontade de ir sempre mais adiante, não obstante todos as adversidades do percurso realizado. Mas olhamos para trás contentes e agradecidos. De fato, “O retrovisor da história é um espelho que nos mostra um pouco do que somos. Evidentemente, essa perspectiva é limitada pela parcialidade com que vemos as coisas e as pessoas. Com efeito, a luminosidade de uma existência é bem maior do que as sombras eventuais que acobertam e escondem a plenitude da singularidade de cada ser humano”. (Santos).

Uns mais jovens, outros mais velhos, mais avançados nos anos, "os patinhos feios" da universidade também vencem o preconceito, a indiferença dos bastardos megalomaníacos do meio acadêmico, a hipocrisia do sistema, a pobreza de alma e da estatura tacanha dos fidalgos, "filhinhos de papai", que atravessam os olhos, querendo impedir o sucesso dos aparentemente mais fracos, desprotegidos, como se "a paridade de armas" não fosse um direito da justiça social equânime, que deveria se derramar também sobre os que ela pune já no nascimento, e até mesmo antes de serem concebidos. Nos cantos escuros da alma, a luz da esperança se acende com mais intensidade diante dos obstáculos, das intempéries da peleja, dos contratempos da quotidianidade. Na percepção de Ihering, “A defesa do direito é portanto um dever da própria conservação moral; o abandono completo, hoje impossível, mas possível em época já passada, é um suicídio moral”.

Estudar direito, como também tantas outras áreas do conhecimento, é um bom acinte para os gigantes, porque a ciência alimenta o sonho de todos os espíritos. Contudo, a cosmovisão do universo jurídico é ampliada pelo emaranhado de leis e vicissitudes sociais que, dia após dia, estende ainda mais as provocações das conquistas legais na defesa dos direitos e garantias fundamentais de todos. Desconhecer a Lei não significa estarmos privados dos direitos que ela nos impõe pela exigência irrenunciável de sua aplicação e eficácia, derramando-se igualmente sobre os deveres de fazer o bem e evitar o mal. Ou seja: “comissão” e “omissão” fazem parte da mesma moeda legal, cujos valores são impingidos para acobertar a dignidade humana de cada indivíduo na sua singularidade e de todas as nações no abraço de sua coletividade.

Na história pessoal de cada um, o preço dos louros é a força bruta das energias gastas no combate desigual. A solidão das inquietações existenciais, os dramas vividos ao sabor das sadias altercações jurídicas da academia, o acolhimento dos amigos, a compreensão dos colegas, a frieza da indiferença, tudo isso ainda concorre para as alegrias da vitória. A presença em sala de aula, a festividade dos encontros, os olhares desconfiados dos calouros ou da empatia dos veteranos, o auxílio necessário dos funcionários, a simpatia, a competência e amizade dos professores, de igual maneira, foram fundamentais para os passos que fizemos durante o curso. Também os goles inebriantes da convivência jurídica através das atividades acadêmicas, dos impasses, da indecisão do comprometimento com o grupo, foram essenciais na formação. A camaradagem nos botecos do saber, nas pesquisas acadêmicas, na gestação, pré-natal e nascimento dos TCC’s – ou de artigos científicos – agora estampam a gratidão da memória pelo que vivemos juntos.

Amigos se perderam no caminho ou morreram. Depois, veio a pandemia que nos roubou ainda mais uns dos outros, e veio também o desafio das aulas à distância, online. O mundo ficou de pernas para o ar, e cada um no seu canto, do seu jeito, com suas lamúrias, tentou encontrar a maneira certa para seguir, sobrevivendo ao caos sanitário que golpeou a humanidade, enquanto muitos desapareceram do planeta Terra. Ficaram a lembrança, a saudade doída pelo mal causado pela perda, a vontade de encontrar novas luzes para resistir ao que estava por vir. Mas vencemos! Estamos vivos!

Hoje, meu amigo é Bacharel em Direito, e, logo, logo, será chamado de Doutor, com a aprovação no exame e ingresso na OAB. Outros de seu tempo de universidade chegaram depois, mas a ninguém devem pedir “desculpas pelo atraso”, porque cada um é senhor de seu momento, de suas circunstâncias, de suas vitórias. O importante é não parar de lutar, porque o curso universitário da vida se fecha e se conclui somente na morte. (PGRS).

 

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

 

Natal ou lero-lero?


 

Segundo uma frase atribuída a Santo Agostinho, “a ignorância é a mãe da admiração”. Certamente, assim, ele quis dizer que, quando, por alguma eventualidade da satisfação de nossa curiosidade, descobrimos uma novidade, o sentimento do espírito é de espanto, de fascínio ou de admiração. Em grego, a palavra certa seria “thambos”, uma estupefação. Trata-se, na verdade, do assombro que nos desconcerta diante do inevitável desconhecido que assoma no horizonte de nossa percepção e intelectualidade.

Infelizmente, no mundo pluricultural em que nos encontramos e vivemos, nem sempre o sentido dos acontecimentos encontram respaldo e apoio em nossas afirmações. Existe, de fato, o Natal? A quem ele serve como luz de inspiração e motivação para mudança de vida? Quais seriam os elementos ou ingredientes que poderiam nos conduzir à consciência de seu verdadeiro sentido, não apenas como propaganda de uma religião, mas, sobretudo, e soteriologicamente, como a fonte da dimensão mais profunda da salvação do homem, que não se delimita ao horizonte poeirento da terra? Com efeito, não somos apenas um ser imanente, cuja vida se rasteja no agora destrutível da transitoriedade do tempo, mas finca suas raízes na perene transcendência do eterno. Como diria Marie-Louise Guitton: “A vida passa, mas a eternidade permanece!” Tão triste seria se, de veras, toda a sublimidade da nossa vida na terra se fechasse na pobreza da materialidade que nos constrange à desilusão e à crença da tendência da finitude orientada para o caos, para o nada existencial da potência criacional divina! A expressão é da orelha de uma obra de Gizelda Morais (1939-2015), “A um passo do esquecimento” (2015), imortal da Academia Sergipana de Letras: “tudo criado jamais volta a ser nada”. Assim também é a criatura humana, obra-prima da criação.

Por conseguinte, diferentemente dos animais irracionais, mesmo se dotados de seus instintos e de sua maneira de percepção sensitiva, nossa vida – que, na realidade, está ligada à essência do eu mais profundo – se sobrepõe ao mero acaso da instantaneidade e se projeta no além transcendental. E é por causa dessa transcendência exponencial da criatura humana que o Natal tem sentido, que o Natal incide sobre a necessidade que todos nós temos de um Salvador. Até os ateus, ou agnósticos, ou descrentes, ou todos aqueles que se debatem na incongruência de suas especulações sobre o sentido do homem e do mundo, também eles precisam de um Salvador.

Basta, então, percebemos os sentimentos que nos invadem o espírito quando o medo da finitude nos assusta! Quanto tudo aquilo em que julgávamos acreditar esvanece e rui por terra no vislumbre de nossas aparentes seguranças ou certezas. Como acontecera com aquele teólogo protestante, que passou a vida inteira falando de Deus e das coisas do céu, mas que, na hora da morte, disse à sua esposa: “Passei toda a minha vida refletindo sobre Deus e sobre o além. Agora, porém, não sei mais nada! Exceto que, até na morte, estarei seguro”. De fato, é no momento extremo da morte que todas as nossas presunções caem por terra, no chão profundo das incertezas.

Depois desses tempos sombrios, dos quais ainda não nos libertamos, com o advento de novas variantes do coronavírus – agora, estamos sendo acometidos pelo ômicron, cujo nome é atribuído à 15ª letra do alfabeto grego, a fim de evitar confusões e preconceitos em relação às letras precedentes. Valeria a pena investigar a curiosidade dessa descoberta! De qualquer modo, o fato é que, voltando aos trilhos da reflexão natalina, não obstante todos os desafios das mortes, da saúde, da superação da pandemia, etc. etc., o mundo ainda segue adormecido, letargicamente mergulhado no nirvana entorpecente de suas presunções egoístas diante das maravilhas do Pai Criador. Ele é e sempre continuará sendo a Esperança radical de que precisamos para superar todos os males que nos afligem, também o da pandemia. Mas preferimos olhar de lado e seguir indiferentes aos apelos de conversão ao Menino-Deus. Mesmo assim, com toda a nossa indiferença, o Natal não é lero-lero!

Essa expressão – lero-lero – é muito usada no português vulgar, para nos referir a discursos do tipo “conversa-fiada”, sem muita credibilidade. No entanto, nem desconfiamos de que sua origem rebenta no vocabulário helênico e está presente no Novo Testamento quando do anúncio feito pelas mulheres na madrugada da Ressurreição de Cristo. Encontramos no Evangelho de São Lucas, no contexto da aparição do Senhor aos discípulos de Emaús: “Ao voltarem do túmulo, anunciaram tudo isso aos Onze, bem como a todos os outros. Eram Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago. As outras mulheres que estavam com elas disseram-no também aos apóstolos: essas palavras, porém, lhes pareceram desvario [do original grego: lero, que significa tolice, tagarelice, conversa fiada], e não lhes deram crédito”. (Lc 24,9-11). Trata-se, pois, da ação do verbo grego lereu, isto é, desparatar, dizer tolices. O contexto também esconde o pano de fundo cultural da época, em que as mulheres, as crianças e os escravos não possuíam valor social, de modo que, assim, não eram levados muito a sério. Enfim, “não lhes deram crédito!” (Lc 24,11). No entanto, precisou de tempo, para que os acontecimentos fossem empurrando a alegria da novidade da ressurreição de Cristo no coração dos discípulos. E eles acreditaram: “Vimos o Senhor!” (Jo 20,25). Não era lero-lero daquelas mulheres eufóricas diante da inaudito mistério do Ressuscitado. Portanto, o Natal do Senhor também não é lero-lero. É Deus, sempre de novo, perseverantemente, batendo à porta do mundo e do nosso coração com desejo de se fazer presença, consolação, esperança e, sobretudo, salvação. Porque Ele é o Salvador!

Olhemos para as necessidades da nossa alma, para as carências do nosso espírito, do espírito do nosso tempo, dos anseios da humanidade cansada de tatear em vão as satisfações mais intrínsecas e espirituais de seu ser mais profundo. Olhemos para as perdas cotidianas de pessoas, de amigos, de empregos, de dignidade humana, de sonhos, de ideais, de realizações...

Olhemos para a pobreza da manjedoura de Belém onde nasce para todos nós a grandeza da Salvação na vulnerabilidade de um infante, impotente, dependente, mas que é o Senhor Todo-Poderoso, Criador e Salvador do Céu e da Terra, de tudo o que existe. Amém. (PGRS).

domingo, 26 de setembro de 2021

 

A morte do meu amigo cardeal Freire Falcão

 


(1925-2021)

Na passagem pela vida, também juntamos amigos e conquistamos amizades, de modo que, durante a temporada em Brasília, uma das figuras de quem me aproximei bastante foi a do Cardeal Dom José Freire Falcão (1925-2021). Foi mais um que perdemos por causa das complicações com a Covid-19. Que ironia! Viver, viver, para morrer em razão dessa pandemia triste! Aparentemente tímido como uma criança, era mais lúcido do que muitas inteligências juntas. Raramente ele ia ao seminário, mas cada vez que ia, levava novidades do Vaticano e refletia sobre acontecimentos pontuais da vida da Igreja. Muito espontâneo e espirituoso, dava seus recados diretamente, sem tergiversação. Também era amigo de Dom Luciano Duarte. Certa ocasião, os dois foram convidados pelo Cardeal francês, Paul Poupard, para uma conferência em seu apartamento onde se hospedaram por alguns dias. No final, Dom Falcão recebeu um pacote, pensando que fosse um presente, e se dirigiu a Dom Luciano, dizendo ter ganhado um presente do cardeal francês. Então, Dom Luciano foi taxativo: “Aprenda uma coisa Dom Falcão: francês não dá presente a ninguém”. Quando Dom Falcão abriu o pacote, encontrou a conta da hospedagem para pagar, o que, depois, virou motivo de galhofa.

Em Brasília, Dom Falcão me conferiu o ministério de Leitor, no dia 23 de março de 1997, na capela de sua casa, no Lago Sul, onde morava. Sempre muito bem disposto e acolhedor, também era muito desconfiado com tudo. Recebi o referido ministério durante a celebração de uma missa, na presença de seminaristas, amigos e outros convidados. Dom Falcão mo conferiu com a devida autorização de Dom Luciano Duarte, que lhe enviou a chamada “carta dimissória”. Naquele dia, um amigo se colocou debaixo da imagem de São José, de quem o Cardeal era muito devoto. Mas assim que ele adentrou no recinto e o viu, gritou: “Hei, você, cuidado com o meu São José! Saia, saia daí!”. Ao que o meu colega se defendeu, dizendo: “Eu também sou devoto, Dom Facão!”. E o Cardeal disparou: “Pior! Pior ainda!”.

Certa ocasião, ele foi presidir a uma missa no mosteiro de São Bento, também no Lago Sul, e pensava em permanecer para o jantar. No entanto, escutei-o de dentro de uma cabine telefônica, dizendo: “É da polícia? Aqui é o Cardeal Dom Falcão. Por favor, venham me buscar, porque estão querendo me matar!”. Logo depois, ele foi embora escoltado pela polícia. Algum tempo depois, eu precisei ir à sua casa, com a intenção de organizar a missa durante a qual ele me conferiria o ministério de leitor. Então, ao se aproximar da janela de seu quarto, no primeiro andar, ao me avistar, ele me perguntou: “Era você que estava querendo me matar?”. Claro que se tratava de uma brincadeira aquela pergunta, mas respondi que não: “Imagina! Eu, querer matar um cardeal?”. E, assim, na tranquilidade do expediente recreativo, ele me recebeu para conversarmos. Mas, de fato, depois eu conheci um padre brasileiro, recém-chegado à Arquidiocese de Brasília, com tonsura na cabeça, à moda dos filmes americanos quando tratam de religiosos. Acabara de chegar da Suíça e possuía um sotaque carregadamente marcado por acento francês, e era ele quem queria, a todo custo, ser recebido pelo cardeal na arquidiocese. Como o cardeal não o conhecia, certamente, não se sentiu à vontade para acolhê-lo. Daí a confusão, mas ele parecia muito estranho e não se parecia comigo.

As curvas da vida nos fazem refletir sobre o nosso próprio destino de reencontros e amizades. Muito tempo depois de já ordenado sacerdote, morando em Roma, minha amizade com Dom Falcão se fortaleceu, de modo que, mesmo se tornando emérito, sempre me recebeu em sua casa para refeições, ao sabor de um bom vinho importado. Um dia, quando acabou o almoço, ele chamou o motorista e disse: “Vá levá-lo em casa, senão ele fica para o jantar!”. “Cardeal sovina”, eu dizia, “negando jantar a um padre!” Todos ríamos, mas essa era a sua espontaneidade. E eu também me sentia muito à vontade com ele. Na ocasião em que recebeu o governador do DF, no finalzinho de uma tarde, despediu-o desse modo: “Está na hora de eu rezar as vésperas. Vocês precisam ir embora!”. Era uma espontaneidade sadia, não ofendia nem feria ninguém, e todos o entendiam.

No embalo de nossas conversas, um dia, eu quis saber sobre seus livros, porque não era escritor – ele, que escrevia tão bem no folheto “Povo de Deus”, o folheto das celebrações litúrgicas da Arquidiocese – e ele me revelou algo que considerei fantástico. Seu primeiro livro fora publicado com o pseudônimo de Sacerdos O Homem integral e o Estado integral (uma introdução à filosofia de Plínio Salgado), porque tinha medo se ser acusado de integralista, na época da ditadura no Brasil, e ser preso. Essa descoberta me custou dinheiro, porque, depois, para comprovar o fato, eu comprei toda a coleção de três volumes de filosofia no Brasil, de autoria de Jorge Jaime (da Academia Brasileira de Filosofia), Volume 2, 2ª. Edição, publicado pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Centro UNISAL) e pelas Vozes, do ano de 1997. Esse autor fazia um comentário, considerando a obra o melhor resumo jamais lido sobre o pensamento integralista de Plínio Salgado, e, numa nota de rodapé, se perguntava sobre a probabilidade de o livro ser de autoria de Dom Helder Câmara (1909-1999). Embora o questionamento seja procedente, agora o fato merece a devida referência autoral. Espero que a história faça justiça à memória do verdadeiro autor: Dom José Freire Falcão.

Falei a Dom Falcão que iria procurar o autor da obra filosófica ou a editora para registrar e corrigir a dúvida ou o equívoco da referência. E ele, rápido na intuição como sempre, desferiu: “Não, não! Eu não morri ainda não!”. Como se quisesse dizer: “Só depois que eu morrer!”. Na verdade, o pensamento da morte sempre o afligia, mas ele o aceitava de maneira espirituosa. Amiúde, ele dizia que estava entre aqueles de quem Cristo dizia: “Alguns dos que aqui estão não provarão a morte até que vejam o Filho do Homem vindo em seu Reino”. (Mt 17,28). E eu afirmava, no mesmo ritmo: “Vá pensando, Dom Falcão, que eu irei junto com o senhor. Não vá embora sozinho, não!”. No seminário maior, vez por outra, ele confessava aos seminaristas: “Meus amigos estão morrendo todos, e eu estou ficando com medo!”.

Muitas histórias engraçadas, ditas com a já mencionada espontaneidade que lhe era peculiar, eu ouvi de Dom Falcão nas rodas de conversas em Roma e em sua própria casa. Eu morria de rir, e os seus amigos, que o acompanhavam diziam: “Esse padre é doido? Está mangando do cardeal”. Ele ria comigo, e eu afirmava: “Não se preocupem! O Cardeal é meu amigo, e já me conhece há muito tempo”. Em 2005, quando morreu São João Paulo II, que o fizera cardeal, ele fora chamado para o conclave que elegeu o Papa Bento XVI. No dia do funeral de João Paulo II, 8 de abril daquele ano, eu estava chegando de Israel, depois de passar o dia visitando a acrópole de Atenas, na Grécia. A cidade havia sido tomada por milhares e milhares de pessoas do mundo inteiro, de autoridades políticas e religiosas, que vieram se despedir do Magnus Papa. Havia chovido muito, mas, à noite, muitos visitantes já haviam deixado a Cidade Eterna. A urbe estava tranquila, e, ao me aproximar do Colégio Pio Brasileiro, onde eu morava desde agosto de 2002, Dom Falcão foi a primeira pessoa que encontrei no portão da casa. Ele também estava recém chegado de Israel para o conclave. Depois das emoções da eleição de Bento XVI, os cardeais que estavam presentes no Colégio Pio Brasileiro, entre os quais estava o meu amigo cardeal, se apresentaram para uma conferência, com o propósito de que cada um expusesse suas impressões, seu ponto de vista. Dom Falcão, direto e tranchant como sempre se demonstrou, falou pouco, mas disse: “Eu não queria que o papa morresse, não. Mas, se eu morresse sem participar de um conclave, eu iria morrer muito frustrado!”. Algum tempo antes, ele já havia dito que, no ocasião em que fora feito cardeal, em 1988 – quando eu era apenas um jovem seminarista menor, e nem o conhecia ainda – o chefe das cerimônias pontifícias asseverara o seguinte: “Vocês, novos cardeais, nem pensem em participar de um conclave, porque esse papa, aí, vai longe! Ele vai conduzir a Igreja até depois da virada do milênio”. E concluiu: “Ele quase acertou!”.

Na verdade, com a idade limite de 80 anos para ter direito a voto no conclave, Dom Falcão já estava com 79 anos e seis meses. Ou seja, estava quase no prazo de validade! Faltavam seis meses apenas. Mas que bom que ele conseguiu. Inclusive, em Roma, uma jornalista lhe perguntou se ele não seria candidato ao papado. Sua resposta ferina e imediata não poderia ter sido mais clara e virulenta do que a própria perguntada da repórter: “Pois é, não é? Todos os cardeais do conclave somos candidatos!”. Uma resposta fina para uma jornalista imprevisível.


Sobre a sua nomeação para ser arcebispo da Arquidiocese de Brasília, entra em cena a história de um “visionário”, que o profetizara. Ele contou que sabia do fato de que, um cidadão do interior do Ceará, dizia tê-lo como o candidato mais provável para suceder Dom José Newton em frente ao pastoreio da Capital Federal. E o próprio Dom Falcão reconhecia não estar entre os mais cotados. Todavia, segundo a afirmação do visionário, seria ele mesmo, porque o então mais cotado estava muito doente e iria “morrer louco”, isto é, sem o devido domínio das faculdades da razão. Dom Falcão sabia da existência do vaticinador, soube do relato – também não sei quem lho contara – e, a partir daquela ciência, declarou que gostaria de, um dia, encontrar-se com o sonhador. Algum tempo depois, ele teve a oportunidade do encontro, embora o sujeito já se encontrasse cego. Por ocasião da visita, nas palavras do próprio Dom Falcão, “ele me reconheceu como sendo aquele da visão”. Era um homem simples, piedoso, que fora tomado por aquela percepção interior sem ter maiores explicações para tal fenômeno. Para Dom Falcão, tratava-se de um “santo”, daqueles que, como na expressão de Jacques Maritain, “nunca seriam oficialmente canonizados”. No entanto, Dom Falcão contou-nos outro fato curioso sobre a morte desse cidadão. Ele gostaria de ser enterrado na sua terra natal, mas era muito pobre e não teria condições de realizar o desejo post-mortem.

Alguém levou seu codicilo ao conhecimento de Dom Falcão, que prontamente se responsabilizou pelas despesas na ocasião do velório e do enterro ainda por virem. No entanto, tudo combinado, aquele que recebera a incumbência da inumação foi, fez tudo segundo a vontade do morto, mas, voltando para casa, no mesmo dia, sofreu um acidente e morreu, de modo que Dom Falcão não soube mais onde o vidente fora sepultado. Ao narrar-nos o acontecido, Dom Falcão externou o seguinte anelo: “Eu gostaria que ele me visitasse num sonho, para me dizer onde foi enterrado, e eu poder visitar o seu túmulo”. Do jeito que Dom Falcão tinha medo da morte e dos mortos, eu gritei: “Não chame, não, Dom Falcão, que ele vem. E o senhor morre só de medo!”. De fato, grande era a sua consideração e estima pelo suposto vidente que se escondeu do mundo sem dar ao arcebispo a localidade de onde repousam seus restos mortais.

Dom Falcão parecia uma criança contando suas peripécias aos amiguinhos. De uma naturalidade tão espontânea, que poderíamos confundir entre ingenuidade e simplicidade mesmo. Quando, por exemplo, Bento XVI quis visitar a Turquia, em 2006, Dom Falcão esteve em Roma e disse: “Ele é muito corajoso! Se eu fosse ele, eu não iria não. Lá no Brasil, os videntes estão dizendo que ele pode ser assassinado”. De fato, a conjuntura sócio-política não parecia favorável à sua presença no país naquele momento, sobretudo, porque ele, ainda cardeal, se declarara contra o ingresso da Turquia na Comunidade Europeia. Talvez, desejando desfazer o mal-entendido, assim que chegou em Ancara, ainda no aeroporto, fez questão de afirmar que estaria totalmente de acordo em relação à entrada do país de maioria muçulmana na União Europeia. Todavia, Dom Falcão foi tirar sua dúvida sobre a iminência do que preanunciavam os videntes brasileiros num túmulo que, segundo ele, começava a gotejar se, porventura, o papa estivesse perto de morrer. Parece hilariante – realmente eu ri bastantes também – mas o meu amigo Cardeal se saiu com essa: “Na Basílica de São João do Latão, há um túmulo de onde começa a escorrer água quando o papa está perto de morrer. Eu fui lá, passei a mão, e estava tudo enxutinho, enxutinho!”. E eu brincava com ele, dizendo: “Nosso amigo cardeal é supersticioso”. Era o modo divertido de como ele sempre se demonstrava brincalhão diante de coisas sérias para as quais o espírito humano, frequentemente, não consegue se adequar para a serenidade luminosa de sua autoconsciência. Com efeito, na bruma das nossas certezas, o fenômeno da morte “é o mistério que abraça a nossa consciência e nos confere o selo radical da nossa solidão mais profunda. Cada um vive a sua própria morte como fonte de transformação, na esperança da imortalidade”. (Santos). Descanse na Paz do Senhor, meu amigo!  (PGRS). 

 

 

 

sábado, 21 de agosto de 2021

 

Pe. Luiz Lemper e o sonho Missionário


(1937-2020)

Ninguém sabia, mas eu vou dizer: Eu teria sido o primeiro vigário paroquial do Pe. Luiz Lemper, assim que fui ordenado sacerdote em 1998. Digo isso para recordar, com gratidão a Deus o dom de sua existência no primeiro ano de seu falecimento. Na verdade, aportando em terras brasileiras em 1974, quando eu tinha apenas 4 anos de idade, vindo da Alemanha, seu apostolado se desenvolveu na grande e imensa dimensão territorial da Arquidiocese de Aracaju, que se estendia desde a Praia 13 de julho à região sul da Capital, como Atalaia, Farolândia, Santa Tereza, Santa Maria, Mosqueiro, Robalo, Terra Dura, entre outras naquela direção. Era a Igreja menina da Arquidiocese que se tornava mãe de muitas paróquias sob o olhar sereno e evangelizador de seu pastoreio. Desse modo, foi que aquelas freguesias de sua missão se tornaram também focos de evangelização e centros comunitários de experiências eclesiais.

O fato é que as vicissitudes da Igreja particular de Aracaju havia inicialmente me indicado para ser o seu vigário paroquial. Contudo, os ventos da história fizeram-me desembarcar em Rosário do Catete. Na ponta daqueles acontecimentos estava o então pároco da catedral, o Pe. Gilson Garcia, que era o elo mais imediato da comunicação arquidiocesana, porque o summus episcopus estava viajando. De fato, eu ainda era diácono e, um dia, fui à Catedral Metropolitana para participar da Santa Missa, que seria presidida pelo, então, Cônego Gilson Garcia de Melo. Na catedral, na hora do abraço da paz, ele se dirigiu a mim e me disse, sem cerimônia: “Paz de Cristo, meu Pároco!”. Claro que entendi o recado, e pensei: “Ele é filho de Rosário do Catete. Logo, não seria novidade nenhuma eu ir trabalhar naquela cidade do interior do Estado”. Evidentemente, essa ideia me veio porque, em outra ocasião, ele me havia feito um questionamento suspeito, a pedido do Arcebispo, que se encontrava na Europa e lhe pediu que me consultasse: “O que você acharia se fosse trabalhar numa pequena cidade do interior do Estado? Ou será que você só poderia se sentir bem no meio da intelectualidade?”. Sobre o ambiente “da intelectualidade”, compreendi que ele se referia ao Seminário Maior, que deveria ser um ambiente de cultura, um laboratório de intelectualidades, enquanto casa de formação, onde eu havia morado durante onze anos, quatro em Aracaju e sete em Brasília, antes de tornar-me sacerdote. Dentro do espaço dialético, aconteceu um fato curioso: o Chanceler do Arcebispado telefonou-me para dizer que eu não iria mais para a Terra Dura, conforme a solicitação do Arcebispo. Destarte, mesmo ciente de que não iria mais para aquela localidade, fui conversar com o Padre Luiz Lemper para ver as questões sobre o dia da apresentação e dos trabalhos na Paróquia. Isso aconteceu pelo fato de que ele era membro do Conselho Presbiteral da Arquidiocese e não sabia das mudanças acontecidas nem eu poderia contar-lhe, a fim de evitar desnecessários aborrecimentos. Diante das novas conjunturas daquele momento, no dia 21 de fevereiro, fui empossado em Rosário do Catete.

Em Aracaju, existe um conjunto com o seu nome: Conjunto Padre Luiz Lemper. Trata-se de uma digna homenagem ao grande empreendedor da evangelização numa vasta região da arquidiocese.

Segundo o Pe. Videlson Teles, o sonho missionário do Pe. Luiz Lemper nasceu com a ordenação sacerdotal, por influência de uma amigo franciscano, Frei Afonso Schumaker, também sacerdote, que viria às Terras de Santa Cruz. Filhos da mesma cidade e povoado germânico. No entanto, por exigência do seu bispo, a concretização aconteceu dez anos depois, quando, enfim, ele pôde aportar em terras latino-americanas. Veio, então, para o Brasil, vivendo as estações missionárias em Aracaju. Chegou de navio, ao Rio de Janeiro. Aqui fora acolhido por Dom Luciano Duarte (1925-2018), que possuía uma visão eclesiológica mais universal dos desafios pastorais. Ao chegar, assumiu a Igreja São Pedro e São Paulo, no Bairro Praia 13 de Julho. Como missionário, abriu o caminho das paróquias abraçadas pela extensão territorial até o Mosqueiro, que hodiernamente contempla muitas paróquias. Trabalhou também para os pobres, construindo casas; contribuiu na formação de leigos e leigas, sobretudo catequistas; edificou a casa de retiro da Santíssima Trindade no Povoado Areia Branca, onde são realizados encontros de formação e retiro espiritual para vários grupos eclesiais. Ao longo desse tempo, demonstrou-se incansável no pastoreio por onde passava. Para muito do sonho missionário de construção e edificações de capelas e igrejas, ele contou com a ajuda de recursos financeiros trazidos da Europa. Foi um homem de Deus, de oração, bastante presente na vida das comunidades. No final dos seus dias, foi transferido para sua terra natal, em 2014, onde viveu a última etapa de sua vida terrestre. Faleceu, portanto, em 2020.

Na verdade, a Igreja no Brasil sempre foi muito bem assistida e favorecida com a presença de muitos sacerdotes estrangeiros, num tempo em que as vocações sacerdotais e religiosas eram escassas, também na Arquidiocese de Aracaju. Esses homens, com tantas mulheres também generosas no âmbito da missão, precisam ser lembrados pela generosidade com que entregaram sua vida às comunidades cristãs católicas. A memória deve ser um tributo da consciência ao mérito dos aventureiros da cristandade. Mas infelizmente nos esquecemos disso com facilidade. Inúmeros missionários na arquidiocese deram a vida pelo chão batido da incipiência evangelizadora. Hoje, olhando o horizonte eclesial que nos golpeia, não podemos nos esquecer de que seus albores não foram frutos da nossa boa vontade ou doação exclusiva. A história é um crescendo pela qual passamos, talvez, semeando a nossa colaboração, mas ela segue adiante, vinda do ontem, contemplada no agora, que escoa para os atos constitutivos do futuro. Ela não é mérito somente nosso. Seria egoísmo demais pensar assim. Os ciclos avançam linearmente na cronologia dos fatos, mas, cada um, ao seu modo, ao nível de sua generosidade, põe os tijolos efetivos da construção material e espiritual da Igreja viva do Senhor.

O Pe. Luiz Lemper é apenas um modelo, um exemplo, de tantos outros, italianos, franceses, belgas, austríacos, espanhóis et alii, que chegaram até nós atravessando por mares “nunca d’antes navegados”. Aqui, eles plantaram a marca da sua doação, da sua entrega ao serviço discreto da evangelização. A todos, enfim, na pessoa do sacerdote de quem fazemos tempestiva memória, o tributo de nossa gratidão, do nosso reconhecimento. (PGRS).

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

 

No dia do Padre, lembramos o Pe. Gilson Garcia 

História que não é contada também pode não se tornar conhecida. É, pois, com esse sentimento de investigador que eu gostaria de apresentar ao ilustre leitor traços da personalidade e da existência do Padre Gilson Garcia de Melo (1936-2020), sacerdote, filho de Rosário do Catete, em Sergipe, e, portanto, da Arquidiocese de Aracaju, onde exerceu a maior parte do ministério sacerdotal.

O retrovisor da história é um espelho biocronológico que nos mostra um pouco de quem somos. Evidentemente, essa perspectiva é limitada pela parcialidade com que vemos as coisas e as pessoas. Com efeito, a luminosidade de uma existência é bem maior do que as sombras eventuais que acobertam e escondem a plenitude da singularidade de cada ser humano. Desse modo, com a possibilidade da interpretação dos eventos históricos e, por isso mesmo, dos fatos propriamente humanos, podemos correr o risco das incertezas, das informações penetradas por brechas incompreensíveis da totalidade do indivíduo, o que, de alguma maneira, poderia ainda nos deixar à margem do que, de verdade, intencionamos dizer ou abordar da vida e da existência do homenageado. Mas a vida é sempre maior do que ela mesma, sobretudo, no sentido do que conseguimos abraçar da sua substância no jardim das palavras, no canteiro das emoções vistas por terceiros e, também, pela superfície que o horizonte de nossas percepções pode atingir ou alcançar. Contudo, não obstante o véu temporal que nos limita as fronteiras do conhecimento do outro, isso não nos impede o ensaio ou o esforço de recordação das folhas caídas de sua vida. Mais do que isso: de fato, nossa intenção mais premente é também orientada pelo desejo de não abandonar ao esquecimento vulnerável da nossa memória a envergadura de uma das personalidades da Igreja em Sergipe, de trânsito livre pelas dioceses da Província Eclesiástica de Aracaju – Dioceses de Propriá e Estância – inclusive, muito consultado e recorrido para tradução de bulas e textos latinos, por causa da formação linguística que possuía.

Desse modo, a concretização do pensamento, passando por estágios de elaboração e envolvimento existencial, quer trazer também perspectivas filosóficas e antropológicas próprias da essência humana. Nesse contexto, a morte é apenas o pano de fundo que reflete a hermenêutica da argumentação, porquanto o sentido da morte, ou o que nos espera depois dela, pode ser contextualizado somente por figuras ou imagens sombrias, não muito compreensíveis na sua totalidade, como num quadro escuro sombreado de luz, que mais esconde do que nos revela a consciência temporal do nosso ser. Esse é um dos aspectos da reflexão panegírica, mas não o único. Por isso, numa dimensão mais misteriosa do ponto de vista do âmago do sacerdócio, que transcende as barreiras do aparentemente perceptível às nossas emoções, também gostaríamos de adentrar no mérito da grandeza do ser sacerdotal, como quis e o desejou o próprio Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote. Eterno Sacerdote e Eterna Vítima.

Portanto, o texto quer ser também uma oportunidade de reflexão e amadurecimento eclesial sobre a figura do sacerdote, que não é anjo, nem santo, nem demônio – na verdade, um pecador entre os pecadores – mas que está revestido da caridade de Cristo – Caritas Christi – para o bem do povo de Deus. Com efeito, é a Palavra de Deus que o afirma: “Porquanto todo sumo sacerdote, tirado do meio do homens, é constituído por Deus em favor dos homens em suas relações com Deus. A sua função é oferecer dons e sacrifícios pelos pecados”. (Hb 5,1-2). Infelizmente, muitas vezes, essa percepção é obscurecida por vislumbres humanos, que parecem falar mais alto, enfraquecendo a plenitude do dom sacerdotal.

O zelo pastoral, por exemplo, com que o pastor das ovelhas deve conduzir o rebanho, é uma dimensão importantíssima, especialmente, quando vivemos num mundo pluricultural em que, muitas vezes, vozes dissonantes da verdade do Evangelho tentam contradizer a profundidade do seu fundamento e da sua vinculação à vivência cristã. Por isso, a centralidade da luz de Cristo ganha força e exigências inescusáveis diante do papel do pregador. A expressão é do Papa Bento XVI: “Sem a luz de Cristo, a luz da razão não é suficiente para iluminar a humanidade e o mundo”. (Apud Rowland, 2013, p. 36). O papa tem consciência de que, sem Cristo, o caminho da humanidade é marcado por tragédias e barbáries que descaracterizam, ao extremo, a sublimidade da pessoa humana e da sua dignidade, porque Ele deve ser o centro gravitacional de toda aspiração quanto às realizações também humanas.

Antes de concluir as páginas que intitulei de Mors principium immortalitatisa morte é o princípio da imortalidade – inspirado num pensamento de Maximilien de Robespierre, teci alguns comentários sobre a realidade efêmera da vida humana, isto é, a transitoriedade de tudo que passa no escoadouro do cronos. Assim, talvez o fio esgarçado do tempo cure as feridas da saudade. E “A saudade é o rosto da eternidade refletido no rio do tempo”. (Alves, 2011, p. 146). Saudade do que não vivemos em plenitude! Saudade que nos devolve, no sentimento da gratidão, a grandeza da existência humana na terra, que transcende para a eternidade.

 

 

segunda-feira, 19 de julho de 2021

 Ela tinha o rosto simples da caridade...

 



 

Hoje, nossa celebração é para lembrar a vida e a memória da senhora Josefa Elvira de Jesus – carinhosamente conhecida como Dona Zelita (1931-2021) – com sentimento de louvor e gratidão a Deus pelo dom da sua existência. E nada mais significativo e grandioso do que estarmos aqui, na Igreja Jesus Ressuscitado, que ela ajudou a construir, com a sua família, e à qual ela também serviu como Ministra Extraordinária da Eucaristia, tocando o corpo do Senhor, sobretudo quando para entregá-Lo aos irmãos da comunidade paroquial. Enquanto pôde, sempre esteve presente nas atividades eclesiais e além fronteiras, em grupos de oração, na edificação espiritual e material de espaços para a evangelização, no serviço aos pobres e na transmissão da fé pelo testemunho de sua presença fiel e discreta por onde se encontrava.

O tempo e a idade são desgastes naturais por que todos devemos passar, alguns com mais vigor físico e espiritual, outros com a carência própria das forças vitais que ainda albergam o seu corpo. Mas os sinais do espírito e a sensibilidade da alma, especialmente nos meandros da psicologia humana, são fortalezas que carregamos conosco até o fim dos dias. Tal clarividência ou constatação seguiu nossa amiga até seus últimos dias. Pela longevidade dos dias, dos meses e dos anos, trata-se de uma graça especial de que poucos são dotados pela benemerência sobrenatural, divina. O esvair-se da condição corpórea da humanidade é uma questão que sempre nos faz pensar e refletir sobre a brevidade da existência, por mais duradoura que seja a chama bruxuleante da sua vulnerabilidade.

É o salmista quem nos ensina, com lucidez e convicção profundas:

O homem! ... seus dias são como a erva: ele floresce como a flor do campo; roça-lhe um vento e desaparece; e ninguém mais reconhece o seu lugar. (Sl 103,15-16).

A bondade é uma virtude dos corações generosos, abnegados e desprendidos diante das necessidades do próximo. Se o resumo de uma vida se fecha no horizonte da morte, igualmente faz resplandecer nas entranhas do mundo o altruísmo e a brandura de suas ações entre os vivos. Assim foi a passagem de Dona Zelita no meio de nós, cujo testemunho de amor e de fé, sombreado pela caridade fraterna, se derrama sobejamente no canteiro florido de seus gestos, deixando um bonito legado para muitas gerações. Aparentemente pequena na estrutura física, discreta, demonstrava-se gigante na compreensão dos valores cristãos e evangélicos quanto ao serviço dos irmãos. Baluarte da firmeza matriarcal, mãe da comunidade, sensível às carências materiais de muitos, alimentou a muitos colaborando com o Pe. Ednaldo no "banquete dos pobres". Ajudou a construir a Igreja de seu bairro, Jesus Ressuscitado, patrocinou eventos alhures e cultivou um carinho especial pelos padres que conheceu. De fato, ele teve um irmão padre, o Mons. Juarez, de quem se recordava com distinção e apreço. Aliás, ela sempre demonstrou um carinho, qual dom de gratuidade, por todos os padres que conheceu durante sua história eclesial.

Ouvi uma frase num filme que dizia, mais ou menos, assim: "entre o começo e o fim da existência, entre a data do nascimento e da morte, existe um traço e é justamente esse traço o que faz a vida valer a pena". E poderíamos dizer que, filosoficamente, ele comporta todo o conteúdo da essência de quem fomos e de quem seremos na memória dos vivos. Assim também foi com Dona Zelita! Sua vida foi vivida como uma vida que valeu a pena ser vivida! Não obstante a redundância ou o pleonasmo vocabular, a frase expressa outra dimensão do significado da vida e da morte de um ser humano, segundo a sabedoria bíblica que afirma: “Mais vale a fama do que o óleo fino; o dia da morte [mais] do que o dia do nascimento”. (Eclo 7,1).

Na compreensão de Wiersbe, um estudioso da Sagrada Escritura, “A ideia de Salomão era que o nome que você recebe quando nasce é como um unguento perfumado, e você deve mantê-lo assim até o dia de sua morte. Quando você nasceu e recebeu um nome, ninguém sabia o que você faria com ele; porém, ao chegar o momento da morte, esse nome é repleto de perfume ou de mau cheiro. Se é repleto de perfume, as pessoas têm motivo para se alegrar, pois, após a morte, não há nada que mude essa boa fama. Assim, para uma pessoa de boa fama, o dia da morte é melhor do que o dia do nascimento”.

Diante das tempestades da vida, como das perdas que se abateram sobre a sua família, às vezes, de maneira precoce e inesperada, ela sempre se segurou firme na fé para superar os embates próprios da existência e permanecer firme na trajetória de sua missão matriarcal. Dores, sofrimentos e lágrimas, certamente fizeram parte da pluralidade de seus dias. Mas a esperança não cansa o que têm os olhos fixos em Deus. Porque ele é a fonte inexaurível das consolações perenes para o “vale de lágrimas” que atravessamos no deserto existencial. Todavia, como diria Epicuro de Samos (341-270 a.C.), filosofo da literatura clássica grega, “Os grandes navegadores devem sua reputação aos temporais e às tempestades”.

Hoje, nossa oração e o nosso louvor são gratidão a Deus, por nos fazer participantes do mistério da vida em plenitude, que Ele reserva para os justos no céu, e cujo mérito se desprende do Altar da Cruz, de sua Paixão, Morte e Ressurreição: únicas garantias da nossa futura ressurreição e participação plena na vida do Reino. Com efeito, “Se temos esperança em Cristo somente para esta vida, somos os mais dignos de compaixão de todos os homens. Mas não! Cristo Ressuscitou dos mortos primícias dos que adormeceram [n’Ele]”. (1Cor 15,19-20).

Se o manto da morte nos cobre de tristeza, de silêncio e de saudade, também nos permite viver a esperança de uma vida feliz na presença eterna do Criador, onde o sol não se põe, a festa não se acaba e a alegria do divino Esposo supera todas as carências da alma. Por isso, “A morte do cristão não é um momento no fim do seu caminho terreno, um ponto isolado do resto da vida. A vida terrena é preparação para a do céu, nela estamos como criancinhas no seio materno: nossa vida na terra é um período de formação, de luta, de primeiras opções. Ao morrer, o homem se encontrará diante de tudo o que constituiu o objeto das suas aspirações mais profundas: encontrar-se-á diante de Cristo e será a opção definitiva, construída por todas as opções parciais desta terra. (Missal Cotidiano).

Deus conceda a Dona Zelita a graça da beatificação, usufruindo da presença de Deus no céu e, a todos nós, familiares e amigos, a consolação de nos reencontrarmos um dia diante d’Ele no tempo sem tempo da eternidade.

Enfim, reconhecendo que ela possuía o rosto simples da caridade e as mãos generosas da partilha, para todos nós, o tempo de agora é somente de saudade e boas recordações por tudo o que pudemos experienciar juntos. Louvado Seja Deus! (PGRS).

quinta-feira, 22 de abril de 2021

 

Unit: Gratidão e Tributo

 

 

Em 2017, resolvi voltar à Universidade para estudar Direito. Como costumo dizer, “a porta do conhecimento não se fecha nunca”. Assim, num breve histórico, gostaria de manifestar gratidão a todas as pessoas que, mais de perto, me proporcionaram essa possibilidade. Quando a vida começa a degringolar em determinadas conjunturas, é preciso abrir-se a novos horizontes, a fim de não ficarmos prisioneiros nem reféns de estradas que parecem nos levar a lugar nenhum, do mesmo modo como, quando as nuvens plúmbeas da existência se tornam densas e obscuras, faz-se necessário encontrar novas luzes. Foi o que tentei fazer com as portas que se me abriram.

Até os quarenta e seis anos de idade, nunca havia me passado pela cabeça, nem de longe, pelos espaços siderais da estratosfera intelectual, a ideia de estudar Direito. Mas aconteceu que, um dia, a amiga da Academia Sergipana de Letras, Ana Maria Fonseca Medina – com quem tive muitas oportunidade de me encontrar, em seus penates, inclusive para refeições no seio da sua família, ao lado se seu esposo, o Senhor Alair Jorge Decker Medina, e tantos outros familiares, onde também tínhamos o nosso “recreio cultural” – depois de muita insistência e boa vontade, conseguiu convencer-me de que eu poderia fazer parte do Movimento Cultural Antônio Garcia Filho, da mesma Academia Sergipana de Letras. Já fazia alguns anos que ela me abordara sobre a possibilidade, mesmo antes de 2014, quando me mudei para Jerusalém onde fui estudar como bolsista, agraciado pela Comunidade das Irmãs de Sion, residentes em Paris. Todavia, o feito se realizou apenas depois que voltei. Mais uma vez, no regresso, ela me questionou sobre minha disposição em ir participar do referido Movimento Cultural. Dei meu assentimento, e, algum tempo depois, ela apresentou meu Curriculum Vitae ao sodalício para estudo de possível aprovação do meu nome. Mas no meio daquela plêiade de intelectuais, composto por homens e mulheres elitizados pela competência magistral de sua veia literária, poética, cultural e histórica, estava alguém que se interessou vivamente pelo meu curriculum vitae, e disse que gostaria de me conhecer.

Tratava-se, então, do Fundador da UNIT, Jouberto Uchôa de Mendonça. Sabendo do ocorrido, não perdi tempo, e fui atrás da realização de mais um sonho acadêmico. Um pastor evangélico, americano, que aprendi a admirá-lo lendo seus livros de teologia bíblica, afirmou o seguinte: “Uma das agonias do inferno será a lembrança das oportunidades desperdiçadas”. (Wiersbe). Então, para não correr o risco, resolvi escrever uma carta endereçada ao Senhor Jouberto Uchôa, com o seguinte teor:

“Itabaiana, 2 de dezembro de 2016. Sou o Padre Gilvan Rodrigues dos Santos, da Arquidiocese de Aracaju, formado com licenciatura em Filosofia, curso reconhecido pela Unit, e mestrado em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma, conforme o Curriculum apresentado. No momento, gostaria de poder aprofundar meus conhecimentos através do Direito, desejando realizá-lo na honrosa Universidade Tiradentes (Unit), a partir de 2017, no campus de Itabaiana onde moro atualmente. Na verdade, seria uma possibilidade para ver o mundo pelos óculos do Direito. Para tanto, gostaria de, se possível, solicitar uma bolsa de estudos que me permitisse ajudar nos custos. Com estima, admiração e reconhecimento, muitíssimo grato!”

Não demorou quinze dias para que a resposta chegasse por meio da secretária do Departamento de Assuntos Acadêmicos (DAA) da Unit da Farolândia. Uma voz feminina me dizia que telefonava da parte do Senhor Uchôa, afirmando que eu fora autorizado a fazer a matrícula na Universidade; que eu poderia concluir o curso – “mas nem comecei?” – devendo apenas pagar a matrícula no início de cada período.

Aquele foi um dos dias mais felizes da minha vida naquela época. Senti-me aéreo, flutuando dentro de mim mesmo, por saber que alguém me confiara tamanha responsabilidade. E que responsabilidade! Naquele instante entendi mais empiricamente a palavra de Santo Agostinho quando asseverou: “Quando a alegria é pequena, a alegria entra dentro de nós, mas quando a alegria é muito grande, nós entramos na alegria”. Aquela euforia interior era o início de novos tempos na minha vida. Realizei os trâmites legais, junto ao departamento acadêmico da Unit, e me matriculei, patrocinado por uma bolsa exclusiva de estudos.

Matriculado, fui dispensado de doze disciplinas reconhecidas do curso de Filosofia, e estou concluindo o curso em quatro anos e meio. A grade ficou meio irregular, não tive turma certa, pendulando entre os vários períodos, de turma em turma, até à iminente conclusão. Para os meus cinquenta anos de vida, Deus não poderia ter me dado presente melhor. À época, alguém me disse feliz: “Nossa, padre, considere-se o cometa halley do século XXI, ter conseguido uma bolsa assim”.

Outrossim, convém destacar que na ponta dessa cadeia narrativa, estava alguém, cujo nome, eu não poderia deixar de declinar audível e solenemente, prestando, assim, tempestiva homenagem de reconhecimento e gratidão, por me elevar, colocando-me no meio intelectual sergipano e abrindo, para mim, as portas dos sodalícios culturais do Estado de Sergipe, como o IHG-SE (Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe) e da ASI (Associação Sergipana de Imprensa), dos quais também sou membro. Seu nome, já citado? Ana Maria Fonseca Medina. Pois bem, foi a partir daquela apresentação que ela fez da minha pessoa, especialmente, indicando-me para fazer parte do Movimento Cultural Antônio Garcia Filho, da Academia Sergipana de Letras, que outra porta do destino se abriu no horizonte da minha existência. Ela foi a protagonista do salto que dei em direção ao Direito.

A gratidão é, pois, um sentimento profundamente enraizado no meu coração dos humildes. Certamente, a grandeza da Unit – em todas as suas dimensões, de competência, responsabilidade, serviço social, academia estudantil, de pesquisa e conhecimento científico tão profícuo, etc. – é a expressão mais grandiosa que se derrama da própria vida e empreendimento existencial do Senhor Uchôa. Sou muito grato e feliz por fazer parte desse universo acadêmico, ao lado de professores, alunos, funcionários, administradores, servidores et alii. Que tudo isso seja, então, reverberação do quanto somos agradecidos.

Portanto, hoje, no aniversário de 59 anos de fundação do Grupo Tiradentes, gratidão e reconhecimento são reflexos do sentimento que nos reveste por dentro, por toda a benemerência social, profissional e acadêmica que se estende sobre o território sergipano e além fronteiras. Parabéns! Ad multos annos.