terça-feira, 24 de abril de 2012

Bento XVI e a eleição de um Papa vista de Roma (II)

BENTO XVI E A ELEIÇÃO DE UM PAPA VISTA DE ROMA (II) 

                                     

A fumaça branca é o prenúncio de mais um cardeal vestido de branco e o sinal da confirmação de mais um papa eleito. Porém, o tempo ainda se faz espera. São vinte horas e quatro minutos, estamos assistindo ao telejornal, e num arroubo que se precipita, instantaneamente, numa insopitável frustração, a chaminé da Capela Sistina parece soltar a esperada fumaça branca, que em poucos segundos se torna negra... O novo Papa ainda não fora eleito. E vamos esperar, em vigília, a chegada de mais outro alvorecer, que poderá ser, também, o alvorecer do novo sucessor de Pedro. 

No horizonte que acoberta o céu de Roma, os clarões de um novo dia se anunciam também sobre o teto da Casa de Santa Marta, onde os cardeais estão hospedados, e sobre a Capela Sistina, de onde procedem a votação. Terça-feira, 19 de abril, a temperatura chega aos 13 graus, o sol brilha timidamente, e à sua timidez vai se unir a dos cardeais eleitores que, ao meio-dia, revelam ao mundo inteiro, em expectativa, que o novo papa ainda não fora eleito. É a fumaça negra quem confirma a intuição curiosa de todos os que estão na praça do Vaticano ou grudados na tela dos televisores, em todo o mundo, enquanto eu me encontro na Pontifícia Universidade Gregoriana, participando das aulas, embora o coração siga o ritmo misterioso e solene das pulsações do coração dos Cardeais que, em espírito de oração e recolhimento, têm diante dos olhos e da consciência apenas Deus e a responsabilidade de apresentar ao mundo o novo sucessor de Pedro. Não tive nem tenho a intenção de ir à praça do Vaticano ao meio-dia, ainda que, a qualquer momento, possa aparecer a fumaça branca saindo da chaminé da Capela Sistina. Sendo que, inicialmente, o candidato deve ter mais de um terço dos votos para ser eleito, julgo pouco provável que a eleição seja hoje. Assim, resolvo permanecer em casa, de modo a me dirigir à praça no final da tarde, pois, segundo o que foi estabelecido pelo Colégio dos Cardeais, a fumaça aparecerá ao meio-dia e às dezenove horas. Mas o inesperado acontece: rumores e gritarias nos corredores do Pontifício Colégio Pio Brasileiro, onde estão hospedados três cardeais brasileiros, vindos ao Conclave, anunciam que o novo papa fora eleito. A fumaça branca está subindo na chaminé da Capela Sistina, mas os sinos da Basílica de São Pedro não tocam, como haviam anunciado. São dezessete horas e cinquenta minutos. Durante vintes minutos, pelo menos, a incerteza habita o coração de todos: a fumaça é branca ou é preta? Se é branca, por que os sinos não tocam?  Vinte minutos depois, ouvem-se os sinos da Basílica Vaticana. É a confirmação mais segura do “Habemus Papam”.  

Tendo sido eleito, antes de ser apresentado ao mundo, o novo papa deve apresentar a aceitação ou o consentimento de sua eleição, o que está também evidenciado no rito do desenvolvimento do Conclave. Realizada a eleição, segundo as orientações canônicas, são convidados a entrar na sala da eleição o Secretário do Colégio dos Cardeais, o Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias e dois outros cerimoniários. Em seguida, o Cardeal Decano ou, na sua ausência, o Subdiácono ou o primeiro dos Cardeais, por ordem de senectude, em nome de todos os eleitores pede o consentimento ao eleito com a seguinte pergunta: “Aceitas a tua eleição canônica como Sumo Pontífice?” Apenas tendo sido recebido o consentimento, vem-lhe feita outra pergunta: “Com qual nome queres ser chamado?” E, então, o Sumo Pontífice diz o nome escolhido por ele com estas palavras: “Eu me chamarei N.” Por conseguinte, entra em cena, mais uma vez, o Mestre das celebrações Litúrgicas Pontifícias, que, na qualidade de notário e tendo como testemunhas dois cerimoniários, registra o auto do Sumo Pontífice e o nome por ele assumido. Logo depois, o Sumo Pontífice vem saudado pelo Decano do Colégio dos Cardeais, ou pelo seu substituto, com estas palavras: “Beatíssimo Padre, nesta hora solene em que, por um misterioso desígnio da divina Providência, foste eleito à Cátedra de Pedro, antes de elevar, unanimemente, as nossas orações a Deus e de agradecer pela tua eleição junto à bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, e de todos os Santos, convém recordar as palavras com que Nosso Senhor Jesus Cristo prometeu a Pedro e aos seus sucessores o primado do ministério apostólico e do amor”. 

O Sumo Pontífice se levanta. Todos estão de pé, e o primeiro dos Cardeais Diáconos proclama o texto do Evangelho (Mt 16,13-19): “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”. Contudo, o ritual da aceitação e da proclamação do Romano Pontífice eleito continua. E é a vez do primeiro entre os Cardeais Presbíteros dizer a oração pelo novo papa: “Ó Deus, que no desígnio da tua sabedoria edificaste a tua Igreja sobre a rocha de Pedro, cabeça do colégio apostólico, olha e sustenta o nosso Papa N.: Tu que o escolheste como sucessor de Pedro, faze com que ele seja para o teu povo princípio e fundamento visível da unidade da fé e da comunhão na caridade. Por Cristo Nosso Senhor. Amém”. 

De modo sucessivo, os Cardeais eleitores, conforme a ordem de precedência, aproximam-se do novo eleito Sumo Pontífice a fim de prestar-lhe o ato de respeito e obediência. E notamos que toda essa cerimônia acima referida acontece sob o véu do silêncio dos cardeais, isolados, mas, certamente, festivos com o sucesso da eleição, enquanto o mundo inteiro, em expectativa, desconhece a personalidade e o nome do novo Romano Pontífice. E nós também corremos ao encontro da satisfação plena da curiosidade insofrida. Já estou a caminho, e me preparo para descer à praça do Vaticano. Toda a Roma está eufórica, e na rua encontro uma multidão de religiosos e religiosas, e pessoas paradas, esperando ônibus, que se dirigem para o mesmo local, no coração da cristandade, junto à Santa Sé Apostólica. Os táxis estão lotados, os ônibus não passam. Tenho de correr para assegurar um bom lugar na praça que me permita ver o pórtico central da fachada externa da Basílica do Vaticano, de onde será apresentado o novo papa. Na correria pressurosa, encontro a gentil caridade de um “ragazzo di nome Stefano” – um rapaz de nome Estevão – que me dá uma carona na sua lambreta. Parece ser o primeiro milagre do novo papa eleito e desconhecido. Com certeza, os que esperavam ônibus chegaram muito atrasados, pois não vi passar nenhum ônibus pela via Gregório VII, que conduz ao Vaticano. 

A praça está totalmente locupletada. Uma aglomeração humana agitada e ansiosa, efervescente. Bandeiras de todas as cores e nações. Muitas bandeiras do Brasil. Permaneço diante de um telão, do lado esquerdo da Basílica. As colunatas não permitem a visibilidade do centro da Basílica. Paulatinamente, a agitação e a compressão de todos que se esticam para contemplar a olhos nus o que está por acontecer, favorecem-me a visibilidade desejada. As cortinas do pórtico são abertas. Às dezoito horas e quarenta e três minutos, aproxima-se do pórtico central da Basílica Vaticana o Cardeal Medina Estevez, que deverá dar a grande alegria: “Anuntio vobis gaudium magnum: Habemus Papam! Eminentissimum ac Reverendissimum, Dominum Josephum Sanctae Romanae Ecclesiae Cardinalem Ratzinger, qui sibi imposuit Benedictum XVI”. [Tradução: “Anuncio-vos uma grande alegria: Temos Papa! O Eminentíssimo e Reverendíssimo, Senhor José, Cardeal Ratzinger, da Santa Igreja de Roma, que assume o nome de Bento XVI”]. 

A explosão de aplausos incontíveis sobe da Praça do Vaticano para aclamação e acolhimento do novo Romano Pontífice. Destarte, vem confirmada a intuição supracitada, de que hoje poderia ser, também, “o alvorecer do novo sucessor de Pedro”. Ei-lo, pois, eleito no dia 19 de abril de 2005. Um Conclave relâmpago, quase inesperado na celeridade da votação, com poucos escrutínios. A eleição se confirmou no quarto escrutínio. Foram 17 dias de orfandade para a Igreja de Cristo, entre a morte de João Paulo II e a eleição de Bento XVI, nosso novo Papa, o Cardeal Joseph Ratzinger, de 78 anos. Pouco tempo depois do esperado anúncio, o próprio Papa eleito se apresenta para conceder a Benção Apostólica Urbi et Orbi, ou seja, à Cidade (de Roma) e ao Mundo. O novo sucessor à cátedra petrina se manifesta com os braços abertos, depois, aperta as mãos, e o demorando sorriso se prolonga à ovação de todos. A sensação é indescritível. As primeiras palavras do novo Sumo Pontífice são simples, mas carregadas da verdade e do simbolismo profético que determinarão o apostolado do sucessor de Pedro pelos próximos dias. São palavras intensas da força e da determinação magistral de quem as pronuncia, e elas percorrem o mundo inteiro nesta hora histórica da vida da Igreja de Cristo: “Caros irmãos e irmãs, depois do grande Papa João Paulo II, os senhores cardeais elegeram a mim, um simples e humilde trabalhador na vinha do Senhor. Consola-me o fato de que o Senhor sabe trabalhar e agir, também, com instrumentos insuficientes e, sobretudo, confio-me às vossas orações. Na alegria do Senhor ressuscitado, confiantes no seu auxílio permanente, vamos adiante. O Senhor ajudar-nos-á, e Maria, sua Santíssima Mãe, estará do nosso lado. Obrigado”. 

Em seguida à sua alocução, profere a Benção Apostólica, Urbi et Orbi, e se recolhe acenando para a multidão que o aplaude, mais uma vez. E, assim, a pena do timoneiro alemão da barca da Igreja de Cristo começa a escrever, com brio, mais uma das desafiadoras páginas de sua história... E o mundo todo será testemunha de sua enérgica firmeza. A aglomeração pletórica começa a se desfazer como a fumaça branca nos ares de Roma. E eu volto para casa, felicíssimo. Preciso concluir o relato, feito em tempo corrido, isto é, durante o tempo de duração do Conclave. 

Rezemos pelo nosso Papa Bento XVI. Façamos a nossa parte, e “deixemo-nos guiar pelo báculo de Pedro”. Bendito seja Bento! Bendito seja Bento XVI.