sábado, 29 de dezembro de 2012

AGlória de Deus e a Dignidade do Homem

A glória de Deus e a dignidade do homem


         Na missa do galo, no dia 24 de Natal, o Papa Bento XVI enfatizou a relação entre a glória de Deus e a dignidade humana, como vemos no próprio pensamento de sua homilia: “E, com a glória de Deus nas alturas, está relacionada a paz na terra entre os homens. Onde não se dá glória a Deus, onde Ele é esquecido ou até mesmo negado, também não há paz”.
Rapidamente, podemos intuir que o Santo Padre coloca, lado a lado, duas realidades que se complementam: Ele e a sua criatura humana. Se a paz é fruto do respeito que devemos a Deus e aos irmãos, então, a excelência divina deve resplandecer na pequenez do homem. E a linha condutora do caminho da promoção da paz é o respeito. Contrariamente, afirma o Papa: “Hoje, porém, há correntes generalizadas de pensamento que afirmam o contrário: as religiões, mormente o monoteísmo, seriam a causa da violência e das guerras no mundo; primeiro seria preciso libertar a humanidade das religiões, para se criar então a paz; o monoteísmo, a fé no único Deus, seria prepotência, causa de intolerância, porque pretenderia, fundamentado na sua própria natureza, impor-se a todos com a pretensão da verdade única. É verdade que, na história, o monoteísmo serviu de pretexto para a intolerância e a violência. É verdade que uma religião pode adoecer e chegar a contrapor-se à sua natureza mais profunda, quando o homem pensa que deve ele mesmo deitar mão à causa de Deus, fazendo assim de Deus uma sua propriedade privada. Contra estas deturpações do sagrado, devemos estar vigilantes”.
E o Romano Pontífice segue em sua reflexão: “Se é incontestável algum mau uso da religião na história, não é verdade que o ‘não’ a Deus restabeleceria a paz. Se a luz de Deus se apaga, apaga-se também a dignidade divina do homem. Então, este deixa de ser a imagem de Deus, que devemos honrar em todos e cada um, no fraco, no estrangeiro, no pobre. Então, deixamos de ser, todos, irmãos e irmãs, filhos do único Pai que, a partir do Pai, se encontram interligados uns aos outros. Os tipos de violência arrogante que aparecem então com o homem a desprezar e a esmagar o homem, vimo-los, em toda a sua crueldade, no século passado”.
Certamente, o Papa faz referência aos horrores do nazismo, que, entre outras formas de degradação humana, precipitou e arruinou a vida de milhões de pessoas no lixo da indignidade e da humilhação. Por isso que a concepção do Papa é verdadeira: “Só quando a luz de Deus brilha sobre o homem e no homem, só quando cada homem é querido, conhecido e amado por Deus, só então, por mais miserável que seja a sua situação, a sua dignidade é inviolável. [Portanto,] Na Noite Santa, o próprio Deus Se fez homem, como anunciara o profeta Isaías: o menino nascido aqui é ‘Emmanuel – Deus-conosco’ (cf. Is 7, 14). E verdadeiramente, no decurso de todos estes séculos, não houve apenas casos de mau uso da religião; mas, da fé no Deus que Se fez homem, nunca cessou de brotar forças de reconciliação e magnanimidade”.
Desse modo, assevera o Sumo Pontífice, “na escuridão do pecado e da violência, esta fé fez entrar um raio luminoso de paz e bondade que continua a brilhar” pelos tempos afora.


A Mensagem da Missa do Galo...


A Mensagem da Missa do Galo


          
          No dia 24 de Natal, na Basílica do Vaticano, o Santo Padre, o Papa Bento XVI, mais uma vez, presenteou-nos com uma de suas joias literárias de pura sensibilidade crítica e verdade. Para aqueles que não tiveram a oportunidade de conhecer o seu texto, eu gostaria de partilhar alguns pontos de sua reflexão.
O pensamento do Papa, como sempre, está penetrado de lucidez e coragem: “Sempre de novo me toca também a palavra do evangelista, dita quase de fugida, segundo a qual não havia lugar para eles na hospedaria. Inevitavelmente se põe a questão de saber como reagiria eu, se Maria e José batessem à minha porta. Haveria lugar para eles? E recordamos então que esta notícia, aparentemente casual, da falta de lugar na hospedaria que obriga a Sagrada Família a ir para o estábulo, foi aprofundada e referida na sua essência pelo evangelista João nestes termos: ‘Veio para o que era Seu, e os Seus não O acolheram’ (Jo 1, 11). Deste modo, a grande questão moral sobre o modo como nos comportamos com os prófugos, os refugiados, os imigrantes ganha um sentido ainda mais fundamental: Temos verdadeiramente lugar para Deus, quando Ele tenta entrar em nós? Temos tempo e espaço para Ele? Porventura não é ao próprio Deus que rejeitamos? Isto começa pelo fato de não termos tempo para Deus. Quanto mais rapidamente nos podemos mover, quanto mais eficazes se tornam os meios que nos fazem poupar tempo, tanto menos tempo temos disponível”. A alocação do Santo Padre faz pensar como realmente o homem chamado pós-moderno tem se esforçado tanto para não fazer referência a Deus na sua vida cotidiana. Tudo parece ser fruto da autossuficiência burra que permite à criatura os devaneios de arrogância e superioridade!
Eis que o Papa continua: “E Deus? O que diz respeito a Ele nunca parece uma questão urgente. O nosso tempo já está completamente preenchido. Mas vejamos o caso ainda mais em profundidade. Deus tem verdadeiramente um lugar no nosso pensamento? A metodologia do nosso pensamento está configurada de modo que, no fundo, Ele não deva existir. Mesmo quando parece bater à porta do nosso pensamento, temos de arranjar qualquer raciocínio para afastá-Lo; o pensamento, para ser considerado ‘sério’, deve ser configurado de modo que a ‘hipótese Deus’ se torne supérflua. E também nos nossos sentimentos e vontade não há espaço para Ele. Queremo-nos a nós mesmos, queremos as coisas que se conseguem tocar, a felicidade que se pode experimentar, o sucesso dos nossos projetos pessoais e das nossas intenções. Estamos completamente ‘cheios’ de nós mesmos, de tal modo que não resta qualquer espaço para Deus. E por isso não há espaço sequer para os outros, para as crianças, para os pobres, para os estrangeiros. A partir duma frase simples como esta sobre o lugar inexistente na hospedaria, podemos dar-nos conta da grande necessidade que há desta exortação de São Paulo: ‘Transformai-vos pela renovação da vossa mente’ (Rm 12, 2). Paulo fala da renovação, da abertura do nosso intelecto (nous); fala, em geral, do modo como vemos o mundo e a nós mesmos. A conversão, de que temos necessidade, deve chegar verdadeiramente até às profundezas da nossa relação com a realidade”.
         A ideia do Sumo Pontífice atravessa a necessidade urgente que o mundo tem de Deus, porque, enquanto mais longe dele, mais longe estaremos uns dos outros, especialmente, dos marginalizados e pobres, daqueles que, de alguma maneira, precisam de nosso apoio e de nossa solidariedade. De fato, o mundo caótico em que vivemos também é consequência do distanciamento do Criador, pois, sem Ele, perdemos o rumo certo e a direção correta do nosso destino de felicidade e realização. Aliás, uma curiosidade que constamos, à medida que alguém aumenta suas posses e riquezas, é o fechamento diante de Deus e do outro. Isso eu constatei, claramente, vivendo experiências na Europa, opulenta e rica, onde o olhar para o outro já parece ser um pedido de esmola, e na África, onde a miséria e a pobreza tornam as pessoas mais solícitas e fraternas porque passam pelas mesmas dificuldades. Quando, então, Deus desaparece do horizonte da sociedade, a situação se torna mais drástica e recrudesce, gravemente, nos relacionamentos humanos. Daí o barril de pólvora da violência e do desrespeito à dignidade humana que explode em todo momento.
Portanto, diante das conjunturas de ateísmo prático e de agressão ao outro, por tantos tipos de intolerância e de incapacidade de aceitação do diferente, mesmo que, por decisões e critérios pessoais, fira o projeto de realização querido por Deus para todos, cada um de nós pode trabalhar em prol do respeito que é devido a todos, de maneira indiscriminada. Por isso que o Papa fala de conversão e reza: “Peçamos ao Senhor para que nos tornemos vigilantes quanto à sua presença, para que ouçamos como Ele bate, de modo suave, mas insistente, à porta do nosso ser e da nossa vontade. Peçamos para que se crie, no nosso íntimo, um espaço para Ele e possamos, deste modo, reconhecê-Lo também naqueles sob cujas vestes vem ter conosco: nas crianças, nos doentes e abandonados, nos marginalizados e pobres deste mundo”.
          Consequentemente, a percepção do “Vigário de Cristo na Terra” se detém em muitas outras questões que só poderiam dignificar ainda mais a pessoa humana se observadas pela humildade do acolhimento de Deus e, a partir dele, de todos os homens, irmãos de carne e sangue, na fraternidade universal.



sábado, 22 de dezembro de 2012

Antes do Natal, já que o mundo não acabou...

Antes do natal, Já que o mundo não acabou... 


O Natal é o momento mais rico da esperança do Povo de Deus, porque, nele, resplandece para todos os povos a Salvação que vem de Deus, Jesus Cristo, o Emanuel, o Deus conosco. É, pois, assim, envolvido no mistério da Encarnação de Deus, que nos preparamos para o gesto sublime da reconciliação que Ele nos traz, “cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14). Graça porque Ele é pura gratuidade. Verdade, porque somente à luz de sua presença é que descobrimos quem nós somos de verdade.
Se ele nos traz a reconciliação com Deus, o Pai criador, é porque sua missão sinaliza algo que também nós podemos fazer em relação aos nossos irmãos, sobretudo, quando somos capazes de reconhecer que nos ferimos e nos machucamos reciprocamente nos atropelos de nossa sede de realização e plenitude. Assim, no balanço reflexivo do coração, ainda podemos buscar, antes que chegue o Natal do Senhor, consolo e serenidade pela atitude do perdão, dado e recebido, pela generosidade do acolhimento. Final de ano é um tempo propício para tal ato de reconhecimento e abraço fraterno. Na verdade, cada um sabe o que seu coração desejaria para encontrar o melhor remédio espiritual de suas feridas. Mas também vale a vontade de reaproximação e amizade. No vai e vem da existência, quem possui o brio em enxergar o valor do outro sabe quanto pesa o companheirismo sadio dos amigos. Por isso que muitos relembram com saudade o tempo da convivência e a necessidade do cultivo das boas relações humanas pela vida afora, do tempo de estudos, da gestão no trabalho, das reminiscências da infância, e por aí vai a saudade do que já passou e dos amigos que se distanciaram.
E mesmo quando, por alguma circunstância, devêssemos tirar alguém da nossa lista, não deveríamos pensar que o outro seja descartável como lixo que tiramos de nossa cozinha, que apodrece no recanto da vida e é levado para o entulho da indiferença. Mesmo quando nem tudo correspondeu aos anseios da liberdade que procuramos diante do outro, ainda assim, a prudência aconselha discrição nos ataques ofensivos da crítica impiedosa e destruidora dos afetos. De fato, as pessoas podem ir embora da nossa vida, mas a tristeza fica acumulada no coração doído pela tristeza da ausência. E, dependendo do grau de animosidade e indisposição, gerados pelas turbulências relacionais, o tempo não cura a cicatriz do desprezo, aumentando o abismo da separação e a melancolia da impossibilidade do diálogo desejado...
Natal, com a chegada de Deus entre nós, também é para tudo isso acima referido, especialmente, porquanto dele aprendemos a singularidade de cada pessoa na dispersão de suas incongruências existenciais. Pense nisso, e Feliz Natal a todos os meus assíduos leitores, e um ano novo cheio de muita paz de espírito e consolação divina.

 


terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Antes do fim do mundo...




Antes do fim do mundo...
 





Caríssimo (a),

Não sei para que hora foi marcado o fim do mundo, mas, antes de que ele aconteça, gostaria de dirigir-lhes algumas palavras de pedido de desculpas, senão, de perdão mesmo. Nem sei se o mundo vai acabar mesmo, como predisseram, no dia 21 de dezembro de 2012! Será que Deus está sabendo do fim do mundo? Alguém se lembrou de avisar-lhe, pelo menos? O que será que ele diria dessa loucura imaginativa? Mas, e se for verdade? Se for verdade, o fato é que eu não gostaria de desaparecer do maravilhoso Planeta Terra, levando comigo a inimizade de ninguém. Fim de mundo é como final de ano, isto é, um momento para refazer o balanço de todas as vicissitudes acontecidas na estampa da existência breve e fugidia sobre o encantador “planeta azul”.

As circunstâncias da vida nos levaram por caminhos diferentes, sendas imprevisíveis da arbitrariedade do destino não programado, ou melhor, programado na inconsciência de si mesmo, fizeram com que fôssemos aportar em lugares diferentes, mas não muito distantes. A terra é pequena. Quem ousaria intuir e dizer que, da simpatia da proximidade, chegaríamos à estranheza da distância afetiva dos percalços da sensibilidade? Se como numa convivência todo mundo tenta se dar as mãos, esquecendo as situações negativas do passado, por que não abrir o coração e os sentimentos à novidade do pós-fim do mundo, no além, quem sabe, se eu não sei? Vá que lá, do outro lado, a gente continue se encontrando? Então, como seria olhar nos olhos do outro com o ar suspeito de desconfiança e vilipêndio? Como seria chorar a possibilidade do reatamento da amizade tardia que não acontecera no tempo oportuno? Certamente, não vai ter graça nenhuma a gente se cruzar do lado de lá com o verniz brilhante do cinismo vivido cá! Então, vamos rever a maneira mais edificante e menos traumática da reaproximação.

Se as feridas foram abertas, ainda há tempo para cicatrização; se o gesto atropelado pela imprudência foi ofensivo, a ponto de feri-lo na suscetibilidade de sua percepção, ainda há tempo para o perdão; se as palavras indevidas foram causa de tristeza e dor, sobretudo, pela indiferença com que foram disparadas, ainda há tempo para a regeneração; se a agressão física atingiu o corpo e perfurou a alma, ainda há tempo para o óleo e o bálsamo da cura; se o olhar ferino também perturbou a sacralidade do espírito, ainda há tempo para a serenidade; se a tristeza manchou de nódoa o seu existir, ainda há tempo para a alegria; se as lágrimas lavaram o semblante do desabafo contido na discrição da timidez, ainda há tempo para a partilha; se o brilho astral de sua áurea parou de acender, ainda há tempo para a esperança de que ela volte a brilhar com a mesma intensidade de antes; se a mágoa e a ofensa fecharam seu coração ao abraço acolhedor do irmão, ainda há tempo para a reconciliação.

Quantas outras coisas ainda poderíamos fazer até o fim do mundo? Todavia, se o mundo não acabar surpresa mesmo vai ser ver os pobres mortais – que simplesmente adiaram o seu próprio fim do mundo – flanando por aqui, a ermo, sem direção certa nem porto seguro de abordagem no cais da vida, tropeçando na cifra de mais de sete bilhões de seres humanos no minúsculo e perdido planeta terra, que se debate, incerto, pelos vaticínios incongruentes das péssimas previsões de seus moradores. Diante de todos os prognósticos humanos quanto à fatalidade do fim do mundo, do fim de tudo e do fim de todos, bom mesmo seria se, pelo menos, os sinais catastróficos e as calamidades ambientais da terra servissem para que os homens fossem mais humildes, menos pretensiosos e menos arrogantes. Bom seria que o anúncio da paz habitasse os corações antes de estender-se pelas nações e pelos continentes, restaurando a beleza fraterna da convivência universalmente pacífica; bom seria que os ricos ajudassem mais aos pobres; que o ódio desferido contra o irmão ao lado fosse vencido pelas armas do amor e da mansidão.

Bom seria que você e eu, caro leitor, tentássemos diminuir a violência brutal e irascível de nossa personalidade agitada pelas imprevisíveis situações do caráter introspectivo das emoções; bom seria que não houvesse mais fome para as crianças nem para suas mães, maltratadas pela desfortuna da miséria cotidiana; para ninguém que vive no mundo opulento e egoísta que vê o outro como rival de sua riqueza e ganância; bom seria que os invejosos dessem uma trégua à maledicência infame de suas pretensões difamatórias; bom seria que, ao menos por um instante, o barulho ensurdecedor do mundo fosse substituído pelo silêncio gritante dos que não possuem voz nem vez; bom seria que as dores e as angústias humanas fossem lenidas, misteriosamente, pelo dom da compaixão alheia; bom seria que as doenças incuráveis encontrassem remédio; que o homem não morresse mais atirado pelo seu irmão na sarjeta do submundo da dignidade humana; bom seria que o “paraíso perdido” fosse redescoberto aqui no chão nosso de cada dia, onde ninguém mais se sentiria estranho ao seu próprio habitat civilizatório; bom seria que a corrupção – até mesmo aquela pequena que comentemos no silêncio cúmplice de nossa intimidade – desse lugar à honestidade; a mentira, à verdade; a ofensa, ao pedido de perdão.

Bom seria que o fim do mundo não acontecido fosse o recomeço de um novo modo de os homens se entreolharem, estendendo as mãos da solidariedade, abrindo o sorriso da fraternidade, cantando a beleza da existência no pódio da igualdade, pois ninguém é melhor do que ninguém na vulnerabilidade tangível do toque mortal da carne podre que nos abraça. Nesse anseio e desejo de novas esperanças para o ameaçado planeta terra e seus habitantes, bom seria que o não fim do mundo fosse a concretude de canhões de guerra atirando flores aos quatro cantos do universo, anunciando todo tipo de anistia, todo tipo de perdão, a fim de que o abraço acolhedor de todos acontecesse indistintamente, sem adiamento. Assim, o amplexo universal poderia ser, de fato, a revolução humanitária de que todos precisamos antes do verdadeiro fim.






Aracaju, 18 de dezembro de 2012! 
Pe. Gilvan Rodrigues dos Santos - Escritor