terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Ciao, Bento XVI!


Ciao, Bento XVI! 

 



Ciao, Bento XVI! Todos nós ficamos surpresos e, por que não o dizer, tristes com a sua decisão de renúncia. Mas nem por isso o senhor será menos amado, admirado e agradecido por todo o bem que fez pela Igreja de Cristo, desde quando, lá no fundo do horizonte de sua existência cristã, decidiu consagrar toda a sua vida a Cristo e às necessidades temporais da Igreja peregrina. Sua fadiga incansável pelo bem da Igreja será reconhecida por Aquele que, um dia, dir-lhe-á: “Muito bem, servo bom e fiel! Sobre o pouco foste fiel, sobre o muito te colocarei. Vem alegar-te [participar da alegria] com o teu senhor!” (Mt 25,21). Será o último convite de Cristo a indicar-lhe o caminho do prêmio eterno, como para todos aqueles, que, a exemplo de São Paulo, combateram o bom combate, terminaram a sua carreira, mas guardaram a fé, esperando, com perseverança, a coroa da vitória que o Justo Juiz concederá aos que lhe foram fiéis até o fim, no dia de sua manifestação final (2Tm 4,7-9). 


Sua renúncia é o retrato vivo de uma Igreja com rosto humano e, portanto, administrada na terra por homens a quem o próprio Cristo confiou o poder das chaves (Mt 16,13-19). Tal autoridade reflete, mesmo se no turbilhão das vicissitudes do redemoinho do mundo, a supremacia do próprio Cristo que lhe confiou tão grave e comprometedora responsabilidade, a fim de que confirmasse os seus irmãos na fé. 


Em muitas reportagens que vi televisivas ou não, por meio dos tabloides da imprensa mundial, sua imagem foi apresentada de costas para o público, como se o desprezo do mundo golpeasse-o até esses momentos mais extremos de sua generosidade e entrega pela Igreja e por todos os homens de boa vontade, que encontraram na plasticidade espiritual de seus discursos – mensagens, homilias, encontros com autoridades do mundo inteiro, políticos, religiosos, sacerdotes, crianças, jovens e velhos – um raio de luminosidade para suas buscas e incertezas, para as dúvidas do espírito e as angústias da alma. O legado espiritual de seu pontificado e ministério petrino não se apagará da memória do tempo da Igreja de Cristo, que seguirá sua missão, conduzida pelo Santo Padre, eleito em breve – cujo nome desconhecemos, mas Deus o conhece – e guiada pela mesma e permanente assistência do Espírito Santo. 


Na solidão e na dor de seu silêncio orante, estaremos sempre unidos, amando a Igreja de Cristo, que pede a cada um de seus seguidores mais próximos a coragem da Cruz. Não da cruz que nos humilha e nos mata. Nem da cruz que arranca de nossos farrapos humanos o grito, quase desesperado, da prostração. Mas da cruz que ilumina todas as trevas do nosso vazio interior, projetando nele a própria luz de Deus, que nos reanima em cada nova etapa do “sim” mais radical a Deus, que nos conhece profundamente. Da cruz que, mesmo mergulhando nosso espírito em todo tipo de aparentes contradições, abre-nos na carne ferida pelo pecado a própria Ressurreição de Cristo. Aquela que Cristo quis garantir-nos, confirmando que a vida eterna existe, que a convivência com o Amado será plena de glória e imortalidade no céu. 


Bom saber que, dentro de pouco mais de dois meses, saberemos que estará bem perto do coração da Igreja, dentro do Vaticano, realizando o extraordinário serviço de oração e intercessão pela Igreja do Senhor. Mesmo se “escondido do mundo”, distante dos olhos indiscretos e de línguas peçonhentas, protegido dos inimigos implacáveis que continuarão existindo dentro e fora da Igreja, seu coração seguirá o ritmo solene das delicadezas divinas para com a Igreja inteira, que continuará singrando os caminhos do mundo contemporâneo com a mesma força e ousadia de sempre, porquanto levada pelas mãos de seu próprio Senhor fundador, Cristo Jesus. Ciao, Bento XVI! Até a eternidade.



 




segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Verdades sem pudor nem constrangimento


Verdades sem pudor nem constrangimento 

 



O tão simples quanto chocante gesto de renúncia do Papa Bento XVI suscitou muitas e belas reflexões. E, que bom, no mesmo Jornal em que podemos encontrar palavras de zombaria e desprezo pelo Santo Padre renunciante – como se com a sua abdicação o próximo papa fosse defender e aprovar todos os desejos e taras animalescas de comportamentos aberrantes, como gostaria um setor da sociedade contemporânea – podermos expor percepções diferentes do mesmo fato, no requinte democrático e de liberdade de expressão em que vivemos. Trata-se do testemunho de um jovem que, com palavras ditas sem pudor nem constrangimento, mostra-nos o alcance de sua compreensão sobre a atitude ímpar de um velho de 85 anos. O texto a seguir foi encontrado no site Catecismo Jovem – Youcat, de 15 de fevereiro. 


“Tenho 23 anos e ainda não entendo muitas coisas. E há muitas coisas que não se podem entender às 8 horas da manhã quando te acordam para dizer em poucas palavras: ‘Daniel, o papa renunciou’. Eu apressadamente contestei: ‘Renunciou? ’ A resposta era mais que óbvia: ‘Renunciou, Daniel, o papa renunciou’. O papa renunciou. Assim amanheceu escrito em todos os jornais, assim amanheceu o dia para a maioria, assim rapidamente alguns tantos perderam a fé e outros muitos a reforçaram. Poucas pessoas entendem o que é renunciar. Eu sou católico. Um de muitos. Desses que durante sua infância foi levado à missa, cresceu e criou apatia. Em algum ponto ao longo da estrada deixei pra lá toda a minha crença e a minha fé na Igreja, mas a Igreja não depende de mim para seguir, nem de ninguém (nem do Papa). Em algum ponto da minha vida, voltei a cuidar da minha parte espiritual e, assim, de repente e simplesmente, prossegui um caminho no qual hoje eu digo: Sou católico. Um de muitos sim, mas católico por fim. Mas assim sendo um doutor em teologia, ou um analfabeto em escrituras (desses que há milhões), o que todo mundo sabe é que o Papa é o Papa. Odiado, amado, objeto de provocações e orações, o Papa é o Papa, e o Papa morre sendo Papa. Por isso, hoje, quando acordei com a notícia, eu, junto a milhões de seres humanos, nos perguntamos: ‘Por quê? Por que renuncia, senhor Ratzinger? Sentiu medo? Sentiu a idade? Perdeu a fé? A ganhou?’ E, hoje, 12 horas depois, creio que encontrei a resposta: O senhor Ratzinger renunciou toda a sua vida. Simples assim. 


O papa renunciou a uma vida normal. Renunciou ter uma esposa. Renunciou ter filhos. Renunciou ganhar um salário. Renunciou a mediocridade. Renunciou as horas de sono pelas horas de estudo. Renunciou ser só mais um padre, mas também renunciou ser um padre especial. Renunciou preencher a sua cabeça de Mozart, para preenchê-la de teologia. Renunciou a chorar nos braços de seus pais. Renunciou a, tendo 85 anos, estar aposentado, desfrutando de seus netos na comodidade de sua casa e no calor de uma lareira. Renunciou desfrutar de seu país. Renunciou seus dias de folga. Renunciou sua vaidade. Renunciou a defender-se contra os que o atacavam. Sim, isso me deixa claro que o Papa foi, em toda sua vida, muito apegado à renuncia. 


E, hoje, voltou a demonstrar. Um papa que renuncia a seu pontificado quando sabe que a Igreja não está em suas mãos, mas nas mãos de alguém maior, parece ser um Papa sábio. Nada é maior que a Igreja. Nem o Papa, nem seus sacerdotes, nem os laicos, nem os casos de pedofilia, nem os casos de misericórdia. Nada é maior que ela. Mas ser Papa nesse tempo do mundo, é um ato de heroísmo (desses heroísmos que acontecem diariamente em nosso país e ninguém nota). Recordo sem dúvida, as histórias do primeiro Papa. Um tal... Pedro. Como morreu? Sim, em uma cruz, crucificado igual ao seu mestre, mas de cabeça para baixo. Hoje em dia, Ratzinger se despede de modo igual. Crucificado pelos meios de comunicação, crucificado pela opinião pública e crucificado pelos seus irmãos católicos. Crucificado pela sombra de alguém mais carismático. Crucificado na humildade que tanto dói entender. É um mártir contemporâneo, desses a que se podem inventar histórias, desses a que se pode caluniar e acusar à vontade, que não respondem. E quando responde, a única coisa que faz é pedir perdão. ‘Peço perdão pelos meus defeitos’. Nem mais, nem menos. Quanta nobreza, que classe de ser humano. Eu poderia ser mórmon, ateu, homossexual e abortista, mas ver uma pessoa da qual se dizem tantas coisas, que recebe tantas críticas e ainda responde assim... Esse tipo de pessoa, já não se vê tanto no mundo. 


Vivo em um mundo onde é engraçado zombar do Papa, mas que é um pecado mortal zombar de um homossexual (e ser taxado como um intolerante, fascista, direitista e nazista). Vivo em um mundo onde a hipocrisia alimenta as almas de todos nós. Onde podemos julgar um senhor de 85 anos que quer o melhor para a Instituição que representa, mas lhe indagamos com um: ‘Com que direito renuncia?’. Claro, porque no mundo NINGUÉM renuncia a nada. Ninguém se sente cansado ao ir pra escola. Ninguém se sente cansado ao ir trabalhar. Vivo um mundo onde todos os senhores de 85 anos estão ativos e trabalhando (sem ganhar dinheiro) e ajudam às massas. Sim, claro. 


Mas, agora, sei, senhor Ratzinger, que vivo em um mundo que vai sentir falta do senhor. Em um mundo que não leu seus livros, nem suas encíclicas, mas que em 50 anos se lembrará de como, com um simples gesto de humildade, um homem foi Papa, e quando viu que havia algo melhor no horizonte, decidiu partir por amor à sua Igreja. Vá morrer tranquilo, senhor Ratzinger. Sem homenagens pomposas, sem um corpo exibido em São Pedro, sem milhares aclamando aguardando que a luz de seu quarto seja apagada. Vá morrer como viveu mesmo, sendo Papa: humildemente. Bento XVI, muito obrigado, por renunciar”. 


Penso que a visão desse jovem pode fazer calar o mundo de hipocrisia e egoísmo de algumas pessoas que só se sentem de bem com a vida quando encontram alguém em quem jogar o azedume de suas raivas e a rejeição de suas próprias frustrações. Pessoas que se julgam melhores que o Papa e, portanto, no direito de desferir-lhe as mais injustificadas e desqualificadas acusações de todo tipo. De fato, pouquíssimos sãos os homens que suportam tudo isso no silêncio interior do sacrário de sua consciência, porque sabem que a verborreia chata de discursos em autodefesa é contrária ao próprio testemunho de Cristo que, qual cordeiro conduzido ao matadouro, não ousou, se quer, abrir a boca diante de seus tosquiadores. Com efeito, em silêncio vivem e morrem os grandes amigos de Deus, depositando somente nele a responsabilidade de qualquer juízo sobre as consequências de suas ações.




segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Bento XVI: "Não tenho mais forças"

Bento XVI: “Não tenho mais Forças” 

 





Acompanhei, com interesse redobrado e disquisição jornalística, todas as especulações que envolvem a renúncia do sempre amado Papa Bento XVI. E me pergunto: “Será que o homem deveria levar até as últimas consequências, digo, aos derradeiros instantes de sua existência, o imperioso dever de sua consciência em não abandonar o remo do barco até que ele tenha chegado, definitivamente, à outra margem?” O Papa Bento XVI responde-me que não! Mesmo na Igreja de Cristo, e embora isso possa causar escândalo, a consciência livre de quem não reconhece ir adiante com seus deveres e responsabilidades à frente dos afazeres de sua missão, permite que a renúncia seja possível, pois ela está legalizada pelo Código de Direito Canônico que tenta reger as normas de conduta da Igreja de Cristo. 

No caso específico de Bento XVI, seria fuga da cruz? Seria declaração de impotência e inoperosidade frente ao labor que lhe fora confiado pelo próprio Senhor? Que lições poderíamos aprender do gesto “de fé e humildade” do Romano Pontífice? Infelizmente, são perguntas e inquietações para as quais não encontramos respostas prontas como gostaríamos. Na qualidade de cristão católico, e mais ainda de sacerdote, fica o sentido do silêncio profundo por meio do qual posso, apenas, colocar-me em oração. O fato é que, entrementes, satisfações curiosas desse tipo, com certeza, ficarão sem respostas. Talvez, o tempo e a história no-lo dirão! Quem poderia intuir, com toda intensidade, o que vai dentro do coração de um Papa? Sem dúvida, trata-se de um acontecimento inédito para o considerado mundo pós-moderno, que o vê como “um gesto de modernidade”. Ele, que dissera não querer nada disso por livre vontade, submeteu-se, com heroísmo e coragem, àquilo que era visto, no horizonte de sua fé inquebrantável, a vontade de Deus, como também deve ser a sua renúncia. De fato, quando ele pressentiu que seria o escolhido e eleito, pensou na guilhotina: “Pronto, agora cai e golpeia você. Estava muito seguro de que este encargo não me seria destinado, mas que Deus, depois de tantos anos fatigosos, haveria de conceder-me um pouco de paz e de tranquilidade. A única coisa que consegui dizer, para explicar a mim mesmo, foi: ‘Evidentemente, a vontade de Deus é outra, e para mim começa algo completamente diferente, uma coisa nova. Mas ele estará comigo”. Como noticiaram os jornais da Itália, o dia 11 de fevereiro de 2013 foi o de “uma jornada inacreditável!”. A notícia explodiu para o mundo às 11 horas e 46 minutos, em Roma. Um anúncio chocante. Segundo informações dos telejornais internacionais, um evento criticado somente pela China. 

Em solidariedade ao Romano Pontífice, que tomou uma decisão realista e corajosa, pessoal e solitária, talvez, tenha chegado à Igreja um momento de oração e silêncio mais profundos, certamente, acompanhados de sofrimento e generosidade espiritual. Com o anúncio de seu abandono às funções que são próprias e inerentes ao estado de Romano Pontífice, dentro de pouco mais de um mês, se Deus quiser, teremos a eleição do novo Papa. Em breve, será anunciado o novo Conclave que nos apresentará o sucessor de Bento XVI à Cátedra Petrina. Teremos, então, de rezar por dois papas. Um citado na oração da Eucaristia, outro, em nossas orações pessoais com que seguiremos o amado Bento XVI, que, moralmente, não perderá o título papal, e continuará, segundo sua própria expressão, servindo “de todo o coração, com uma vida consagrada à oração, a Santa Igreja de Deus”. Sim, pela oração, proximidade espiritual, também estaremos unidos a ele pelo resto de seus dias entre nós. Deus conceda vida longa a Bento XVI. 

Não obstante todas as especulações que fazem a respeito da renúncia de Bento XVI, o gesto do Papa foi considerado por muitos como um ato de coragem, humildade e fé, especialmente, “pelo bem da Igreja”, como ele mesmo reconheceu. Na verdade, a beleza de sua convicção e serenidade, demonstrava-se de modo claro, no rosto sorridente e suave de sua primeira aparição na Audiência do dia 13 de fevereiro na Sala Paulo VI e na última missa da Quarta-feira de Cinzas que rezou como Papa, no mesmo dia, na Basílica de São Pedro, depois do comunicado da notícia ao mundo. Com passos lentos, mas firmes, sem o auxílio da bengala, foi muito bem acolhido e ovacionado pelos que estavam presentes na Audiência. O mundo inteiro estava na expectativa de saber qual seria seu discurso inicial e de como se apresentaria, sabendo do choque que causara em todo mundo, com a sua surpreendente decisão de renúncia. Eis o começo do texto da audiência geral, publicado no site do Vaticano: “Queridos irmãos e irmãs, como sabeis, decidi… – obrigado pela vossa amizade! [comentário aos aplausos] – decidi renunciar ao ministério que o Senhor me confiou no dia 19 de Abril de 2005. Fi-lo em plena liberdade para o bem da Igreja, depois de ter longamente rezado e ter examinado diante de Deus a minha consciência, bem ciente da gravidade de tal ato, mas igualmente ciente de já não ser capaz de desempenhar o ministério petrino com a força que o mesmo exige. Anima-me e ilumina-me a certeza de que a Igreja é de Cristo, o Qual não lhe deixará jamais faltar a sua orientação e a sua solicitude. Agradeço a todos pelo amor e pela oração com que me tendes acompanhado. Obrigado! Nestes dias, não fáceis para mim, senti quase fisicamente a força da oração que me proporciona o amor da Igreja, a vossa oração. Continuai a rezar por mim, pela Igreja, pelo futuro Papa. O Senhor nos guiará”. 

Parecem ser as palavras de um homem leve, livre e solto na consciência lúcida de sua decisão, estampando no semblante a certeza de ter feito o melhor para a Igreja que não é sua, mas de Cristo. Num momento em que, no Brasil e no mundo, encontramos tantas pessoas azedas pelo usufruto do poder – inclusive, por disputas desleais e páreos manchados de corrupção e suborno, como no mundo da política, onde a lisura da ficha limpa ainda não coloca em evidência a vida dos candidatos – o Santo Padre recolhe-se para “esconder-se do mundo”, e dar à própria Igreja condições mais livres para continuar seu trabalho de evangelização com forças e energias renovas. A tentação do poder está fortemente presente nas inclinações do homem e da sociedade que se consideram autossuficientes e detentores de seu próprio bem estar, sobretudo, material. Assim, embrulhado pelo consumismo desenfreado, as indisposições da alma e do coração humano acabam fechando as portas para a chegada de Deus. Por isso que, na sua mensagem da Quarta-feira de Cinzas, o Santo Padre insistiu, mais uma vez, na necessidade de uma consciência mais viva do ser essencialmente cristão num mundo que rejeita Deus e seu projeto de felicidade para o homem. De fato, o Santo Padre convida-nos à superação da mentalidade superficial e “tradicionalista” quanto às frias motivações do falso ser cristão. Com efeito, afirma o Papa, “hoje não se pode ser cristão como simples consequência do fato de viver numa sociedade que tem raízes cristãs: mesmo quando se nasce numa família cristã e é educado religiosamente, deve-se renovar, cada dia, a escolha de ser cristão, isto é, dar a Deus o primeiro lugar, diante das tentações que uma cultura secularizada lhe propõe continuamente, frente ao juízo crítico de muitos contemporâneos”. E o Romano Pontífice continua de forma mais contundente: “De fato, as provas a que a sociedade atual sobpõe o cristão, são tantas, e tocam a vida pessoal e social. Não é fácil ser fiel ao matrimônio, praticar a misericórdia na vida quotidiana, deixar espaço à oração e ao silêncio interior; não é fácil opor-se publicamente a escolhas que muitos consideram óbvias, como o aborto em caso de gravidez indesejada, a eutanásia em caso de doenças graves ou a seleção de embriões, a fim de prevenir doenças hereditárias. A tentação em colocar de parte a própria fé sempre está presente e a conversão se torna uma resposta a Deus que deve ser confirmada muitas vezes na vida”. 

Embora cansado e velho, no alto de seus quase 86 anos, emoldurado na vitrine de suas aparições públicas, ele não renunciou por falta de lucidez. Muito pelo contrário! Sua clarividência interior, mormente, intelectiva, está mais brilhante do que nunca. O Papa não ficou demente! E ainda vai surpreender-nos muito até o instante em que, como desejou, esconder-se-á dos olhos do mundo curioso para viver contemplando o rosto de Deus pela intimidade da oração. É o preço da renúncia de nós mesmos e de nossos desejos mais secretos, que coloca em lugar de destaque a própria presença de Deus. Talvez, a última expressão da mensagem do Papa na audiência da Quarta-feira de cinzas traduza o sentido profundo do distanciar-se de si mesmo para encontrar Deus e os irmãos, pois “a alternativa entre o fechamento no nosso egoísmo e a abertura ao amor de Deus e dos outros, poderíamos dizer que corresponde à alternativa das tentações de Cristo: alternativa, isto é, entre o poder humano e o amor da Cruz, entre uma redenção vista apenas no bem estar material e uma redenção como obra de Deus, a quem damos o primado na existência. Converter-se significa não fechar-se à procura do próprio sucesso, do próprio prestígio, da própria posição, mas fazer com que, cada dia, nas pequenas coisas, a verdade, a fé em Deus e o amor tornem-se a coisa mais importante”. 

No fundo, o Papa renunciante não perdeu de vista a importância de Deus e de tudo aquilo que lhe diz respeito para a felicidade da Igreja e do mundo. Somente os olhos da fé podem ver, em profundidade, as consequências felizes dessa percepção intuitiva e concreta de quem viveu estudando Deus e suas implicações num mundo pluricultural e dialético que recusa a aceitação de Sua presença nas vicissitudes históricas da quotidianidade.


 






A histórica renúncia de Bento XVI


A Histórica Renúncia de Bento XVI 

 

Mais uma vez, Bento XVI nos surpreende. Segunda-feira de Carnaval, 11 de fevereiro de 2013. Dia de Nossa Senhora de Lourdes. O anúncio da renúncia do Papa Bento XVI fez o mundo acordar no sobressaldo de sua coragem e determinação pelo ato de sua decisão. Quem não se surpreendeu? Eleito há quase oito anos, o velho guerreiro da Igreja de Cristo tem consciência de suas possibilidades físicas e até psicológicas para, como timoneiro, levar adiante pelos riscos da história, a barca de Pedro. Renuncia com intrepidez e serenidade, o que sempre caracterizou sua personalidade enquanto esteve servindo à Igreja de Cristo, em todas as funções e tarefas que lhe foram confiadas. 

 Num breve discurso, dirigido ao Colégio dos Cardeais num consistório, a inesperada despedida: “Caríssimos irmãos, convoquei-vos para este Consistório não só por causa das três canonizações, mas também para vos comunicar uma decisão de grande importância para a vida da Igreja. Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus, cheguei à certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não são idôneas para exercer adequadamente o ministério petrino. Estou bem consciente de que este ministério, pela sua essência espiritual, deve ser cumprido não só com as obras e com as palavras, mas também e igualmente sofrendo e rezando. Todavia, no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado. Por isso, bem consciente da gravidade deste ato, com plena liberdade, declaro que renuncio ao ministério de Bispo de Roma, Sucessor de São Pedro, que me foi confiado pela mão dos Cardeais em 19 de Abril de 2005, pelo que, a partir de 28 de Fevereiro de 2013, às 20,00 horas, a sede de Roma, a sede de São Pedro, ficará vacante e deverá ser convocado, por aqueles a quem tal compete, o Conclave para a eleição do novo Sumo Pontífice”. E, assim, ele concluiu sua mensagem: “Caríssimos Irmãos, verdadeiramente de coração vos agradeço por todo o amor e a fadiga com que carregastes comigo o peso do meu ministério, e peço perdão por todos os meus defeitos. Agora confiemos a Santa Igreja à solicitude do seu Pastor Supremo, Nosso Senhor Jesus Cristo, e peçamos a Maria, sua Mãe Santíssima, que assista, com a sua bondade materna, os Padres Cardeais na eleição do novo Sumo Pontífice. Pelo que me diz respeito, nomeadamente no futuro, quero servir de todo o coração, com uma vida consagrada à oração, a Santa Igreja de Deus. Vaticano, 10 de Fevereiro de 2013”.


A notícia percorreu o mundo e, do próprio coração da Igreja, da Praça do Vaticano, as reações foram de surpresa e espanto, não somente por parte das autoridades constituídas da nação italiana, mas, inclusive, de pessoas simples e cristãs, que se encontravam ali. Uma senhora lembrou, logo, que, tendo visto a força de João Paulo II, doente e, fisicamente, limitado, ir até o fim, não teria entendido qual a verdadeira razão da renúncia. E ajuntou: “A Igreja precisa de muita oração”. Alguns Papas renunciaram ao longo da história do Cristianismo: o Papa Clemente I (88-87); Ponciano (230-235); Silvério (536 a 537); Bento IX (1045); o Papa Celestino V, cujo nome era Pietro da Marrone e era sacerdote. Havia sido eleito papa com quase oitenta anos, dois anos depois, tendo sido coroado em Áquila, Itália, no dia 29 de agosto de 1294, na Basílica de Santa Maria de Collemaggio onde está enterrado; mais tarde, em 1415, foi a vez de Gregório XII. 


Giorgio Napolitano, o atual presidente italiano, afirmou ter sido um “ato de coragem” do Romano Pontífice. O Decano do Colégio dos Cardeais, o Cardeal Ângelo Sodano, recebeu a notícia como “um raio a céu sereno”, isto é, com o céu claro, sem condições atmosféricas necessárias às tempestades. Por sua vez, o presidente da Conferência Episcopal Italiana (CEI), Ângelo Bagnasco, asseverou: “Uma decisão que nos deixa com a alma carregada de dor e de grande pesar. Mais uma vez, Bento XVI deu-nos exemplo de profunda liberdade interior”. O irmão do Papa, Georg Ratzinger, que estava ao corrente da decisão, há meses, segundo jornal tedesco, declarou: “A idade pesa sobre ele. Meu irmão quer mais reposo!”. “Um gesto de fé e humildade”, na consideração de Dom Murilo Krieger, Arcebispo Primaz do Brasil. Ângela Merkel, filha de evangélicos, a Primeira Ministra da Alemanha, disse que devemos ter o “máximo respeito a essa difícil decisão”. 



Talvez, a surpresa venha, justamente, pelo fato de que as pessoas que amam de verdade o Papa Bento XVI não gostariam que ele renunciasse. Mas, o fato é que, em vários discursos e circunstâncias de seu ministério petrino, ele teria acenado para essa possibilidade. Perguntado sobre suas viagens apostólicas pelo jornalista Peter Seewald, no livro “Luz do Mundo”, ele respondeu: “Naturalmente, às vezes, fico preocupado e me pergunto se conseguirei suportar tudo, também somente do ponto de vista físico”. E ainda, questionado sobre uma situação na qual consideraria oportuno que o Papa se demitisse, respondeu-lhe lucidamente: “Sim. Quando um Papa chega à clara consciência de já não se encontrar em condições físicas, mentais e espirituais de exercer o cargo que lhe foi confiado, então tem o direito – e, em algumas circunstâncias, também o dever – de pedir demissão”. Segundo as normas do Código de Direito Canônico, “se acontecer que o Romano Pontífice renuncie a seu múnus, para a validade se requer que a renúncia seja livremente feita e devidamente manifestada, mas não que seja aceita por alguém” (Cân. 332, § 2). De fato, como ele detém o “poder pleno e supremo na Igreja pela eleição legítima por ele aceita” (Cân. 332, § 1), a quem, então, ele deveria entregar sua renúncia, como fazem os bispos que a apresentam ao Papa? Com a morte ou a renúncia do Papa, o que está acontecendo com Bento XVI, que declarou a Sede Vacante para o dia 28 de fevereiro, a partir das 20 horas, horário local, certamente, as autoridades competentes darão início à convocação do novo Conclave para eleição do também novo Pontífice. Vamos rezar pelo futuro da Igreja de Cristo, sobretudo, na expectativa do Conclave e daquele a quem reconheceremos como Sucessor de Pedro, assumindo a Cátedra da Santa Sé Apostólica. Venha de onde vier, seja quem for, será sempre o Papa da Igreja do Senhor. Vamos dar tempo ao Espírito Santo para que nos apresente, de novo, o “doce Vigário de Cristo na Terra”. 



O que será, agora, do papa renunciante? Qual seu papel? Segundo noticiários, moralmente, ele não deixará de ser papa, embora não exerça a função que será reservada ao que for eleito no novo Conclave. Desse modo, viveremos um fato historicamente inédito, com a coexistência de dois papas. Um no ofício e outro afastado de suas funções pela renúncia, vivendo em espírito de oração e serviço à Igreja com suas reflexões. No entanto, será curioso saber como seguirá a vida do papa que deixa o cargo e se recolhe no silêncio contemplativo de sua decisão histórica. Com certeza, será um homem de recolhimento e oração, recluso em algum lugar não muito longe de nós, perto do Vaticano, porque ainda entre nós. No mais, são válidas as palavras que o Cardeal Ângelo Sodano lhe dirigiu no mesmo dia de sua renúncia: “As estrelas do céu continuam a brilhar e, assim, continuará brilhando entre nós a estrela de seu pontificado”. Que Deus concede vida longa ao Papa Bento XVI, a fim de que, por meio do extraordinário serviço prestado à Igreja, continue sendo inspiração e farol luminoso no dialeticamente conturbado mundo pós-moderno. Como já afirmaram, ele foi o papa certo para tempos incertos. Seu testemunho e fortaleza discursiva, em vários momentos de seu pontificado, seguirão marcando os passos lentos da humanidade na expectativa do porvir com a chegada do nosso Sucessor de Pedro, no Vaticano.