sábado, 21 de agosto de 2021

 

Pe. Luiz Lemper e o sonho Missionário


(1937-2020)

Ninguém sabia, mas eu vou dizer: Eu teria sido o primeiro vigário paroquial do Pe. Luiz Lemper, assim que fui ordenado sacerdote em 1998. Digo isso para recordar, com gratidão a Deus o dom de sua existência no primeiro ano de seu falecimento. Na verdade, aportando em terras brasileiras em 1974, quando eu tinha apenas 4 anos de idade, vindo da Alemanha, seu apostolado se desenvolveu na grande e imensa dimensão territorial da Arquidiocese de Aracaju, que se estendia desde a Praia 13 de julho à região sul da Capital, como Atalaia, Farolândia, Santa Tereza, Santa Maria, Mosqueiro, Robalo, Terra Dura, entre outras naquela direção. Era a Igreja menina da Arquidiocese que se tornava mãe de muitas paróquias sob o olhar sereno e evangelizador de seu pastoreio. Desse modo, foi que aquelas freguesias de sua missão se tornaram também focos de evangelização e centros comunitários de experiências eclesiais.

O fato é que as vicissitudes da Igreja particular de Aracaju havia inicialmente me indicado para ser o seu vigário paroquial. Contudo, os ventos da história fizeram-me desembarcar em Rosário do Catete. Na ponta daqueles acontecimentos estava o então pároco da catedral, o Pe. Gilson Garcia, que era o elo mais imediato da comunicação arquidiocesana, porque o summus episcopus estava viajando. De fato, eu ainda era diácono e, um dia, fui à Catedral Metropolitana para participar da Santa Missa, que seria presidida pelo, então, Cônego Gilson Garcia de Melo. Na catedral, na hora do abraço da paz, ele se dirigiu a mim e me disse, sem cerimônia: “Paz de Cristo, meu Pároco!”. Claro que entendi o recado, e pensei: “Ele é filho de Rosário do Catete. Logo, não seria novidade nenhuma eu ir trabalhar naquela cidade do interior do Estado”. Evidentemente, essa ideia me veio porque, em outra ocasião, ele me havia feito um questionamento suspeito, a pedido do Arcebispo, que se encontrava na Europa e lhe pediu que me consultasse: “O que você acharia se fosse trabalhar numa pequena cidade do interior do Estado? Ou será que você só poderia se sentir bem no meio da intelectualidade?”. Sobre o ambiente “da intelectualidade”, compreendi que ele se referia ao Seminário Maior, que deveria ser um ambiente de cultura, um laboratório de intelectualidades, enquanto casa de formação, onde eu havia morado durante onze anos, quatro em Aracaju e sete em Brasília, antes de tornar-me sacerdote. Dentro do espaço dialético, aconteceu um fato curioso: o Chanceler do Arcebispado telefonou-me para dizer que eu não iria mais para a Terra Dura, conforme a solicitação do Arcebispo. Destarte, mesmo ciente de que não iria mais para aquela localidade, fui conversar com o Padre Luiz Lemper para ver as questões sobre o dia da apresentação e dos trabalhos na Paróquia. Isso aconteceu pelo fato de que ele era membro do Conselho Presbiteral da Arquidiocese e não sabia das mudanças acontecidas nem eu poderia contar-lhe, a fim de evitar desnecessários aborrecimentos. Diante das novas conjunturas daquele momento, no dia 21 de fevereiro, fui empossado em Rosário do Catete.

Em Aracaju, existe um conjunto com o seu nome: Conjunto Padre Luiz Lemper. Trata-se de uma digna homenagem ao grande empreendedor da evangelização numa vasta região da arquidiocese.

Segundo o Pe. Videlson Teles, o sonho missionário do Pe. Luiz Lemper nasceu com a ordenação sacerdotal, por influência de uma amigo franciscano, Frei Afonso Schumaker, também sacerdote, que viria às Terras de Santa Cruz. Filhos da mesma cidade e povoado germânico. No entanto, por exigência do seu bispo, a concretização aconteceu dez anos depois, quando, enfim, ele pôde aportar em terras latino-americanas. Veio, então, para o Brasil, vivendo as estações missionárias em Aracaju. Chegou de navio, ao Rio de Janeiro. Aqui fora acolhido por Dom Luciano Duarte (1925-2018), que possuía uma visão eclesiológica mais universal dos desafios pastorais. Ao chegar, assumiu a Igreja São Pedro e São Paulo, no Bairro Praia 13 de Julho. Como missionário, abriu o caminho das paróquias abraçadas pela extensão territorial até o Mosqueiro, que hodiernamente contempla muitas paróquias. Trabalhou também para os pobres, construindo casas; contribuiu na formação de leigos e leigas, sobretudo catequistas; edificou a casa de retiro da Santíssima Trindade no Povoado Areia Branca, onde são realizados encontros de formação e retiro espiritual para vários grupos eclesiais. Ao longo desse tempo, demonstrou-se incansável no pastoreio por onde passava. Para muito do sonho missionário de construção e edificações de capelas e igrejas, ele contou com a ajuda de recursos financeiros trazidos da Europa. Foi um homem de Deus, de oração, bastante presente na vida das comunidades. No final dos seus dias, foi transferido para sua terra natal, em 2014, onde viveu a última etapa de sua vida terrestre. Faleceu, portanto, em 2020.

Na verdade, a Igreja no Brasil sempre foi muito bem assistida e favorecida com a presença de muitos sacerdotes estrangeiros, num tempo em que as vocações sacerdotais e religiosas eram escassas, também na Arquidiocese de Aracaju. Esses homens, com tantas mulheres também generosas no âmbito da missão, precisam ser lembrados pela generosidade com que entregaram sua vida às comunidades cristãs católicas. A memória deve ser um tributo da consciência ao mérito dos aventureiros da cristandade. Mas infelizmente nos esquecemos disso com facilidade. Inúmeros missionários na arquidiocese deram a vida pelo chão batido da incipiência evangelizadora. Hoje, olhando o horizonte eclesial que nos golpeia, não podemos nos esquecer de que seus albores não foram frutos da nossa boa vontade ou doação exclusiva. A história é um crescendo pela qual passamos, talvez, semeando a nossa colaboração, mas ela segue adiante, vinda do ontem, contemplada no agora, que escoa para os atos constitutivos do futuro. Ela não é mérito somente nosso. Seria egoísmo demais pensar assim. Os ciclos avançam linearmente na cronologia dos fatos, mas, cada um, ao seu modo, ao nível de sua generosidade, põe os tijolos efetivos da construção material e espiritual da Igreja viva do Senhor.

O Pe. Luiz Lemper é apenas um modelo, um exemplo, de tantos outros, italianos, franceses, belgas, austríacos, espanhóis et alii, que chegaram até nós atravessando por mares “nunca d’antes navegados”. Aqui, eles plantaram a marca da sua doação, da sua entrega ao serviço discreto da evangelização. A todos, enfim, na pessoa do sacerdote de quem fazemos tempestiva memória, o tributo de nossa gratidão, do nosso reconhecimento. (PGRS).

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

 

No dia do Padre, lembramos o Pe. Gilson Garcia 

História que não é contada também pode não se tornar conhecida. É, pois, com esse sentimento de investigador que eu gostaria de apresentar ao ilustre leitor traços da personalidade e da existência do Padre Gilson Garcia de Melo (1936-2020), sacerdote, filho de Rosário do Catete, em Sergipe, e, portanto, da Arquidiocese de Aracaju, onde exerceu a maior parte do ministério sacerdotal.

O retrovisor da história é um espelho biocronológico que nos mostra um pouco de quem somos. Evidentemente, essa perspectiva é limitada pela parcialidade com que vemos as coisas e as pessoas. Com efeito, a luminosidade de uma existência é bem maior do que as sombras eventuais que acobertam e escondem a plenitude da singularidade de cada ser humano. Desse modo, com a possibilidade da interpretação dos eventos históricos e, por isso mesmo, dos fatos propriamente humanos, podemos correr o risco das incertezas, das informações penetradas por brechas incompreensíveis da totalidade do indivíduo, o que, de alguma maneira, poderia ainda nos deixar à margem do que, de verdade, intencionamos dizer ou abordar da vida e da existência do homenageado. Mas a vida é sempre maior do que ela mesma, sobretudo, no sentido do que conseguimos abraçar da sua substância no jardim das palavras, no canteiro das emoções vistas por terceiros e, também, pela superfície que o horizonte de nossas percepções pode atingir ou alcançar. Contudo, não obstante o véu temporal que nos limita as fronteiras do conhecimento do outro, isso não nos impede o ensaio ou o esforço de recordação das folhas caídas de sua vida. Mais do que isso: de fato, nossa intenção mais premente é também orientada pelo desejo de não abandonar ao esquecimento vulnerável da nossa memória a envergadura de uma das personalidades da Igreja em Sergipe, de trânsito livre pelas dioceses da Província Eclesiástica de Aracaju – Dioceses de Propriá e Estância – inclusive, muito consultado e recorrido para tradução de bulas e textos latinos, por causa da formação linguística que possuía.

Desse modo, a concretização do pensamento, passando por estágios de elaboração e envolvimento existencial, quer trazer também perspectivas filosóficas e antropológicas próprias da essência humana. Nesse contexto, a morte é apenas o pano de fundo que reflete a hermenêutica da argumentação, porquanto o sentido da morte, ou o que nos espera depois dela, pode ser contextualizado somente por figuras ou imagens sombrias, não muito compreensíveis na sua totalidade, como num quadro escuro sombreado de luz, que mais esconde do que nos revela a consciência temporal do nosso ser. Esse é um dos aspectos da reflexão panegírica, mas não o único. Por isso, numa dimensão mais misteriosa do ponto de vista do âmago do sacerdócio, que transcende as barreiras do aparentemente perceptível às nossas emoções, também gostaríamos de adentrar no mérito da grandeza do ser sacerdotal, como quis e o desejou o próprio Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote. Eterno Sacerdote e Eterna Vítima.

Portanto, o texto quer ser também uma oportunidade de reflexão e amadurecimento eclesial sobre a figura do sacerdote, que não é anjo, nem santo, nem demônio – na verdade, um pecador entre os pecadores – mas que está revestido da caridade de Cristo – Caritas Christi – para o bem do povo de Deus. Com efeito, é a Palavra de Deus que o afirma: “Porquanto todo sumo sacerdote, tirado do meio do homens, é constituído por Deus em favor dos homens em suas relações com Deus. A sua função é oferecer dons e sacrifícios pelos pecados”. (Hb 5,1-2). Infelizmente, muitas vezes, essa percepção é obscurecida por vislumbres humanos, que parecem falar mais alto, enfraquecendo a plenitude do dom sacerdotal.

O zelo pastoral, por exemplo, com que o pastor das ovelhas deve conduzir o rebanho, é uma dimensão importantíssima, especialmente, quando vivemos num mundo pluricultural em que, muitas vezes, vozes dissonantes da verdade do Evangelho tentam contradizer a profundidade do seu fundamento e da sua vinculação à vivência cristã. Por isso, a centralidade da luz de Cristo ganha força e exigências inescusáveis diante do papel do pregador. A expressão é do Papa Bento XVI: “Sem a luz de Cristo, a luz da razão não é suficiente para iluminar a humanidade e o mundo”. (Apud Rowland, 2013, p. 36). O papa tem consciência de que, sem Cristo, o caminho da humanidade é marcado por tragédias e barbáries que descaracterizam, ao extremo, a sublimidade da pessoa humana e da sua dignidade, porque Ele deve ser o centro gravitacional de toda aspiração quanto às realizações também humanas.

Antes de concluir as páginas que intitulei de Mors principium immortalitatisa morte é o princípio da imortalidade – inspirado num pensamento de Maximilien de Robespierre, teci alguns comentários sobre a realidade efêmera da vida humana, isto é, a transitoriedade de tudo que passa no escoadouro do cronos. Assim, talvez o fio esgarçado do tempo cure as feridas da saudade. E “A saudade é o rosto da eternidade refletido no rio do tempo”. (Alves, 2011, p. 146). Saudade do que não vivemos em plenitude! Saudade que nos devolve, no sentimento da gratidão, a grandeza da existência humana na terra, que transcende para a eternidade.