quinta-feira, 29 de outubro de 2015

O padre, o bêbado e o pé de galinha

O Padre, o Bêbado e o pé de galinha


Esta história foi um amigo sacerdote quem me contou. No contexto das celebrações natalinas, ele estava falando da fragilidade de uma criança, do modo surpreendente com que Deus, na sua baixeza, fizera-se igual a nós em tudo, exceto no pecado, e também assumira nossa humanidade com todas as consequências do pecado, como o sofrimento e a morte. De fato, de todos os animais que existem, o homem é um dos mais frágeis logo ao nascer, totalmente, dependente de seus pais para tudo: não sabe caminhar, não fala, não entende as coisas, se tem fome não sabe pedir comida, se sente uma dor não sabe dizer onde, enfim, derrama seus sentimentos na confiança de que os pais descubram os motivos de seu choro, de seu incômodo físico ou psicológico, de suas necessidades mais prementes e primárias. E isso acontece por muito tempo, diferentemente de outros animais que já caem em pé no solo fértil de sua sobrevivência.

Nas circunstâncias de seu discurso, realizado na homilia, expôs sobre as dificuldades que teria para conter um bebê nos braços, por conta de suas dobras frágeis, em processo de desenvolvimento e formação. Então, externou também a admiração que tinha pelas mães, cujas habilidades maternas sempre estão afeitas aos cuidados de todo tipo que devem ter com os filhos, sem machucá-los, ao dar banho, ao trocar as fraldas e em todos os outros trejeitos próprios de seus carinhos de mãe. Na consciência de não saber lidar com essa realidade dos recém-nascidos, poderia machucá-los, feri-los. Então, do meio da assembleia surgiu a voz de um bêbado que sempre frequentava as missas com seu pandeiro, às vezes, até ensaiando algum toque ao ritmo dos cânticos litúrgicos. E ele bradou: “Padre, minha mãe já dizia que pé de galinha não mata pinto!” Pronto! Se alguém pensa que os bêbados vão à missa distraídos está totalmente enganado. Nesse caso, ele não apenas estava atendo, mas veio em socorro do padre para elucidar melhor o ensinamento de sua pregação. E fê-lo com palavras certeiras. Mais tarde, na hora da comunhão, ele entrou na fila, o que causou perturbação ao padre: “Meu Deus, e agora, será que ele vem comungar?” Na verdade, uma situação constrangedora diante de todos da assembleia. Quando o sacerdote pensou que ele queria a hóstia, ele foi categórico: “Não, padre, eu quero que o senhor abençoe o meu pandeiro!”. Que bela lição de vida ele foi capaz de oferecer aos que sempre pensam mal dos que, aparentemente, são desprovidos de lucidez e coerência numa celebração litúrgica.

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Essa história fez-me lembrar de outro caso. Numa paróquia do interior do Estado, havia um cidadão que, segundo a opinião de todos, era um doido. Vivia indo e voltando, rua acima, rua abaixo, mesmo sem se importar com sol escaldante do meio dia, quando o sol se encontra em zênite, mais inclemente. Sempre ia à Igreja. Um dia, chamou o padre à parte e perguntou-lhe: “Seu vigário, sempre que eu ia à missa, eu recebia a hóstia. Mas, agora, aconteceu que eu estou morando com uma mulher sem ser casado. Eu posso continuar recebendo a hóstia?” Seria essa uma pergunta de quem é considerado fora de si, ruim das ideias, como todos pensavam? Aquele, de doido, não tinha nada! E o padre lhe advertiu: “Nesse caso, você vai ter de escolher entre a hóstia e sua mulher, embora você possa continuar indo à igreja, para a missa!”. E ele, sem delongas, elucidou a decisão: “Então, seu vigário, por enquanto, eu vou preferir ficar com a minha mulher!”. Mais outra lição de coerência e de fineza com as coisas sagradas da Igreja de Cristo. Uma lição para todos nós que, muitas vezes, imaginamos poder receber o Corpo de Cristo de qualquer jeito, sem nenhuma preparação, ou sem o verdadeiro exame de consciência diante da realidade do sagrado que desejamos “possuir”. Foi Cristo quem disse aos seus discípulos: “Não atirai vossas pérolas aos porcos!”.



A expressão parece forte, mas aparece no Novo Testamento num contexto em que Jesus critica, duramente, o comportamento de algumas pessoas que profanam as coisas santas: “Não deis aos cães o que é sagrado, nem atireis as vossas pérolas aos porcos, para que não as pisem e, voltando-se contra vós, vos estraçalhem” (Mt 7,6). Ao que nos interessa, o dito encerra um contraste profundamente nítido: “pérolas e porcos”. Conheço um sacerdote que dizia se sentir “uma verdadeira joia no focinho dos porcos”! O fato é que todo mundo sabe o valor que tem uma pérola, cuja preciosidade não se vende por qualquer tostão. Quantas vezes, o próprio Jesus comparou o Reino dos Céus a uma pérola preciosa escondida num campo? Quem o encontra, vai, vende tudo o que possui e compra aquele campo.





Manonas assassino


Mamōnas Assassino

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Inicialmente, para evitar conclusões precipitadas por parte do leitor, gostaria de, tanto quanto possível, familiarizá-lo com o provável significado da palavra grega “mamōnas”, que no contexto dos evangelhos de Mateus (6,24) e Lucas (16,9.11.13) vem traduzida por “dinheiro”. Ou seja, nada do que, talvez, de chofre, tenha sido excogitado pela inspiração associativa do incipiente ledor.
Na verdade, em todo o Novo Testamento, ela aparece com essa tradução grega apenas nessas citações. Segundo F. Hauck, o termo grego “mamōnas” reproduz o estado enfático “māmônâ” do substantivo aramaico de uso comum “māmôn”, embora seja um vocábulo de etimologia incerta. Pode parecer estranho, mas sua derivação mais verossímil tem a ver com ’mn, isto é, “aquilo em que se pode depositar a própria confiança”. Somente a título de curiosidade, esses três símbolos são a transliteração da palavra “amén” do hebraico, tão inconscientemente repetida em nossas orações, no sentido de confirmação, aceitação e verdade do conteúdo apresentado na alocução apenas referida. Com muita frequência, Jesus a utiliza para introduzir muito de seus discursos: “amēn!, amēn!”,– “Em verdade, em verdade, eu vos digo” (Mt 5,18.26; 6,2.5.16; 8,10; 10,15,23.42). Cito apenas alguns exemplos, pois ela é citada 128 vezes no NT. No contexto da citação do evangelista Lucas, referindo-se a um “administrador infiel” (16,1-13), Jesus fala do “dinheiro iníquo” ou “dinheiro da iniquidade”. Mas aludindo aos fariseus como “amigos do dinheiro”, o evangelista usa um termo diferente: “philargyros”, um adjetivo que significa “ávido por dinheiro” e, como diz o ditado, “avarus semper egit” – “o avarento sempre tem necessidade”. Desse modo, tal crítica é fundamental para que se possa compreender o verdadeiro alcance que motiva a reflexão sobre os caminhos desencontrados do exagerado apego ao dinheiro, porque, como diria São Paulo, “a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro [“philargyria” – avareza por dinheiro], por cujo desenfreado desejo alguns se afastaram da fé, e a si mesmos se afligem com múltiplos tormentos” (1Tm 6,10). Como poderia o “mamōnas” afastar alguém da fé? Não precisamos de muita intuição para descobrir o quanto o materialismo tem levado as pessoas ao afastamento de Deus.

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Comparando os continentes ricos e pobres, escrevi no livro “As Letras e as Palavras na Crônica dos Pensamentos” (p. 107) que “paulatinamente, o materialismo fechou o coração do homem para a realidade do transcendente, do divino, do eterno; obnubilou e escureceu a sua consciência para as verdades intrínsecas ao seu próprio destino. Ninguém mais se pergunta quem somos, de onde viemos e para onde vamos. O materialismo assumiu o lugar de Deus na roupagem provisória da autossuficiência. Como sentir falta de Deus quem não sente falta material de nada? Jesus tinha razão quando dizia: ‘Bem-aventurados os pobres de espírito porque deles é o reino dos céus’. Somente quem se sente pobre pode estar aberto à grandeza da transcendência de Deus. Só em Deus, o homem encontra a satisfação plena de sua dignidade, pois, se nos deixarmos levar pela arrogância intelectual do nosso racionalismo, acabamos por perder a fé no Deus de Jesus Cristo, cuja revelação e ministério a nossa razão não consegue explicar suficientemente”. Morando na Europa ou na África, o nível de convivência e de manifestação de proximidade entre as pessoas é diferente. O mesmo, eu diria, vale para a experiência de se habitar em um bairro rico ou pobre. A felicidade espontânea dos menos afortunados salta aos olhos de qualquer pessoa, e o estresse cansativo do quotidiano afeta menos o bom humor hilariante da pobreza. Outra ponta aguda dessa “potência” em prover as próprias necessidades, pode ser vista pelo ângulo da nossa incapacidade de, repentinamente, perceber que temos muita dificuldade em aceitar que não nos bastamos a nós mesmos, ou em admitir que Deus é a fonte cristalina de nossa existência. O dinheiro, a opulência, a riqueza, nada disso garante a vida de um homem, pois, como diz Jesus, “mesmo na abundância, a vida do homem não é assegurada por seus bens” (Lc 12,15).

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No Antigo Testamento, talvez seja em Gn 42,25 que, pela primeira vez, aparece o termo “dinheiro”: “José deu ordem de encher de trigo suas sacas, de restituir o dinheiro [“argyrion”] de cada um em sua bolsa e lhe dar provisões para o caminho”. Todavia, perlustrando o texto sagrado, gostaria de trazer a lume alguns textos de conotação, fortemente, negativa, porquanto neles se revela o aspecto perverso e corruptor causado pelo apego desmedido ao dinheiro, ao “mamōnas”: “Quem ama o dinheiro, nunca está fardo de dinheiro, quem ama a abundância nunca tem vantagem” (Ecl 5,9). Em outras palavras, o dinheiro “não é garantia de vida nem fonte de felicidade” para ninguém. Daí que o ensinamento de Cristo se fundamenta no desapego, no desprendimento, como em Mt 6,19-21.24.25-34. Cristo incita seus discípulos ao abandono à Providencia divina que cuida, não somente dos pássaros do céu, mas, sobretudo, da obra-prima de suas criaturas, o homem. É, pois, nesse contexto de confiança e entrega que Jesus convida o jovem rico a vender os bens e dar aos pobres, reservando para si um tesouro nos céus. O moço, porém, “possuidor de muitos bens” (Mt 19,22) foi embora pesaroso e triste por não conseguir desapegar-se de suas aparentes garantias materiais.




sexta-feira, 3 de abril de 2015

O Homem das Dores espoliado de tudo!

O homem das Dores espoliado de tudo

 

Na sexta-feira Santa, não se reza missa em lugar nenhum do mundo, exceto por autorização do Santo Padre, O Papa, e numa circunstância bem particular, como aconteceu em Áquila, na Itália, em 2009, quando um terremoto vitimou muitas pessoas, e Bento XVI autorizou a missa de corpo presente pelas vítimas. Portanto, um caso muito excepcional. Mas, no geral, nunca se celebra missa nesse dia, porque o Filho de Deus Jesus, razão de ser da celebração eucarística, está morto. Tendo sido espoliado de tudo, até de sua própria vida, que ele a entrega livremente ao Pai, ele “desceu à mansão dos mortos”, segundo a expressão do Credo Católico. Na verdade, com a morte de Cristo no madeiro sanguinolento, a Igreja inteira permanece em estado de luto diante de seu Senhor e Salvador Jesus Cristo. 

Um Missal antigo afirma o seguinte: “Em sinal de luto e para realçar mais a morte de Nosso Senhor na Cruz, ela [a Igreja] congrega os fiéis em redor do Sumo Sacerdote que se oferece como Vítima pelos pecados do mundo. É dia de luto universal, em que os nossos corações compassivos se convertem ao seu Deus e Salvador, e deste modo com Ele se preparam para a Ressurreição”. A sexta-feira Santa é o dia da morte de Cristo, preanunciada pelos textos sagrados e evidente dentro da própria consciência de Cristo que sabe que veio ao mundo para a sua “hora”, o que se concretiza radicalmente no mistério de sua Cruz. Como indica a leitura do Salmo 21 na celebração do Domingos de Ramos, encontramo-nos diante do Homem das Dores, cujas vestes lhe são tomadas pelos inimigos que os cercam: “Cães numerosos me rodeiam furiosos, e por um bando de malvados fui cercado. [...] Eles repartem entre si as minhas vestes e sorteiam entre si a minha túnica” (Sl 21,17.19). Desse modo, a belíssima metáfora dos textos salmícos expressa muito bem a espoliação a que Cristo foi submetido de modo humano e espiritual por causa de nossos pecados. O amigo Samuel Albuquerque, professor e historiador, notou que no final da celebração da solenidade do Senhor dos Passos os fiéis se despediam “das túnicas roxas, atirando-as sobre a cultuada imagem do Senhor dos Passos”. E ele mesmo concluiu: “Na contramão das ações narradas na Bíblia, os nossos romeiros oferecem suas vestes e demonstram seu reconhecimento diante do sacrifício do Senhor”. 

Segundo a narrativa bíblica, no jardim do Éden, Adão e Eva estavam “nus” e não se envergonhavam (Gn 2,25). Mais tarde, depois do ato de desobediência em relação ao imperativo divino de não comerem do fruto da árvore que estava no meio do jardim, sob “pena de morte” (Gn 3,3), “perceberam que estavam nus; entrelaçaram folhas de figueiras e se cingiram” (Gn 3,7). Com a consciência do pecado, o que causou profunda desordem na harmonia da criação divina, a necessidade de uma veste indica também a inconveniência, a situação desconfortável do afastamento de Deus, o Criador. São os estudiosos que afirmam: “Que o homem e a mulher estão nus, sem sentir vergonha, é mais do que a mera observação de que não estão vestidos. Como ficará óbvio mais tarde, a nudez simboliza seu relacionamento com Deus. A essa altura da narrativa, esse relacionamento com Deus ainda está intacto; assim, a nudez não provoca vergonha. Somente com a ruptura desse relacionamento sua nudez se torna motivo de constrangimento” (Comentário Bíblico). Em outras palavras, eles estavam “conscientes de sua culpa e da impossibilidade de escondê-la de Deus” (DITAT=Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento). Na concepção dos estudiosos, a vergonha é um fruto natural do pecado, de modo que a nudez, enquanto exposição da vergonha, “é uma característica distintiva do juízo sobre os malfeitores” (DITAT). 

No contexto cultural bíblico, sobretudo em tempos de guerra, mantos e vestes faziam parte do butim de que se apoderavam os vencedores diante dos adversários. Assim, o triunfo sobre os inimigos é selado também com a posse de suas vestes. Tomar as vestes é apoderar-se da vida das pessoas, tornando-as escravas, servas. De fato, Cristo é apresentado como o “Servo Sofredor!”. Espoliar alguém de suas vestes também é sinal de invasão de privacidade. Do ponto de vista da espiritualidade, sabemos que Cristo carregou sobre si as nossas dores, os nossos pecados, a nossa própria nudez por causa do afastamento de Deus. Ele foi espoliado de todo jeito: física, moral, material e espiritualmente. Teve o seu corpo todo chagado, porque “aquele que não conhecera pecado, Deus o fez pecado por causa de nós” (2Cor 5,21). Não por acaso, diante do tribunal humano e das reações mais mesquinhas das pessoas que se aproximavam dele com muitas zombarias, cusparadas, vergastas, enfim, provocações irônicas diante do Inocente. Tudo aceito com resignação e silêncio, profundo sofrimento e divina paciência. Ele que não possuía nada em si que lhe merecesse a morte. Todavia, o amor verdadeiro “não para no meio do caminho, mais aceita continuar e levar até o fim o sacrifício extremo da generosidade que culmina na completa imolação (PGRS). Olhando para Cristo todo chagado, é com se contemplássemos a nós mesmos, com tantas feridas abertas na nudez de nossa carne por causa do pecado. Com efeito, “eram as nossas enfermidades que ele levava sobre si, as nos dores que ele carregava” (Is 53,4). Portanto, devolver as vestes é realmente um gesto de reconhecimento do Senhorio de Jesus, despido de tudo. É, pois, o contrário da zombaria que os incrédulos desferem diante do Homem das Dores. 

Talvez, esse intercâmbio queira expressar justamente o desejo que o homem tem de revestir-se da santidade de Cristo, ao reconhecer seu Senhorio absoluto, devolvendo-lhe, simbolicamente, a dignidade de vestir-se daquilo que nós mesmos lhe tiramos por conta de nossos pecados todos.


segunda-feira, 30 de março de 2015

O Pedro que existe em nós!


O Pedro que  existe em nós! 

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“Senhor Jesus, quantas vezes, também nós, por causa do medo e do sofrimento, somos alheios à verdade e coniventes com as injustiças desferidas contra os inocentes!!! Ajuda-nos a reconhecer em Pedro não apenas a fragilidade momentânea de nosso ideal frustrado e vencido pelo medo, mas, de igual maneira, ajuda-nos a encontrar na possibilidade da reconciliação, encorajada pelo arrependimento, o lugar da resposta amorosa de Deus, que insiste, traição após traição, queda após queda, no incondicional resgate dos que se reconhecem incapazes de corresponder ao escândalo da Cruz, mas, aceitam a aparente contradição de um Deus, misericordioso e bondoso, em seu mistério de Redenção, a tal ponto que manda o Seu Único Filho para ‘cobrir com o manto de sua misericórdia todos os nossos pecados...’ Amém!”



Santo Sepulcro


 Santo Sepulcro 


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S enhor Jesus, vivo e Ressuscitado,
A juda-nos a entender, na luminosidade da fé,
N ossa ontológica semelhança contigo, pois,
T oda a humanidade converge para o
O ntem de tua Ressurreição, que é sempre hoje.

S enhor Jesus, vida e Ressurreição;
E sperança inaudita da fé dos
P eregrinos, que em ti encontram a
U nidade perdida na desobediência
L eviana da autossuficiência.
C onduz-nos, teus irmãos, ao resplendor da
R essurreição, que só a “noite feliz”, no
O ntem eterno de Deus, que não termina, pôde testemunhar.