terça-feira, 31 de outubro de 2023

 

A Solenidade de todos os Santos


 

“O Reino celeste é a morada dos santos, sua paz para sempre”. No dia 1º de novembro, celebramos, na Igreja Católica, a solenidade de Todos os Santos, que no Brasil se transfere para o Domingo seguinte, caso o dia 2 – comemoração de todos os fiéis defuntos – não caia em dia de Domingo.

Celebrar todos os santos significa alimentar a esperança de, um dia, também nós estarmos participando da plenitude da vida eterna, depois de vencidas todas as imperfeições de nossa humanidade pelo mistério da Encarnação, Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. De fato, ele nos abriu o cominho de céu, e nos tornamos herdeiros de sua vida divina, concidadãos dos céus, da vida plena em Deus. Desse modo, “já não sois estrangeiros e adventícios, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus. Estais edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, do qual é Cristo Jesus a pedra angular. Nele, bem articulado, todo o edifício se ergue como santuário santo, no Senhor, e vós, também, nele sois coedificados para serdes habitação de Deus, no Espírito” (Ef 2,19-22).

Somente os santos poderão morar no céu! Portanto, todos somos convidados e intimados a uma vida santa diante de Deus e dos homens. A santidade é fruto da íntima e profunda união com Cristo, que faz resplandecer nos santos a glória de sua ressurreição. Ou seja, a santidade não é para os extraterrestres, como, às vezes, imaginamos. Não o é para os que vivem fora do mundo, nas nuvens imaginárias da alienação do cotidiano. Ninguém pode ser santo se não for dentro da realidade propriamente humana, vivendo as disposições interiores e espirituais na abertura transcendental que permite a ascensão para Deus. Quando Cristo pede que sejamos santos como o nosso Pai do céu é santo, isto é, perfeito (Mt 5,48), ela já está dando-nos a esperança de que isso é possível, com o auxílio de sua graça e a nossa abertura ao acolhimento das exigências e implicações que o desejo e a atitude concreta da santidade o pedem. Portanto: “A santidade cristã manifesta-se, pois, como uma participação na vida de Deus, que se realiza com os meios que a Igreja nos oferece, particularmente com os sacramentos. A santidade não é fruto do esforço humano, que procura alcançar Deus com suas forças, e até com heroísmo; ela é dom do amor de Deus e resposta do homem à iniciativa divina”. (Missal Dominical, 1995, p. 1367).

Nossos altares estão cheios do exemplo luminoso de pessoas que viveram na terra como se já estivessem no céu, totalmente impregnadas pelas maravilhas que Deus realizou em sua vida: “De fato, toda forma de santidade tem seu núcleo central na comunicação por parte de Deus, que irrompe na vida da criatura humana e efetua de modo criativo uma autêntica novidade interior. Na luz da transcendência divina, o santo é atraído a entrar em íntima relação com o Pai, participa de sua riqueza salvífica, vive suas exigências e torna-se uma incessante glorificação. Imerso na santidade do Pai e animado pelo Espírito, que é santo e santificante, o santo torna-se um hino de louvor e um sinal vivo da bondade divina para com toda a humanidade, pela riqueza de sua ação”. (Dicionário de Homilética). Contudo, a vida dos santos não é vivida sem as dificuldades impostas pelas limitações humanas dos filhos de Deus, mas, sobretudo, assumindo, na concretude da vivência cristã, todos os apelativos da vontade divina. Numa dimensão de fé, isso significa não se deixar perturbar pelas vicissitudes alheias aos desejos de controle do que nos escapa, mas tudo colocar, de modo confiante e abandonado, sob o prisma da providência divina. Para os santos, nada acontece sem a permissão divina, mesmo as situações aparentemente negativas, que causam aborrecimento e desgosto pelo entusiasmo da fé. Daí que os santos experimentam momentos de terrível escuridão interior, de aparente indiferença divina, de suspeitoso silêncio divino quanto às angústias desprovidas de consolações espirituais. De fato, quantos dissabores existenciais de questionamento perturbam a alma dos santos! Santa Teresa d’Ávila já dizia que não era de admirar que Deus tivesse tão poucos amigos por causa dos “maus tratos” com que Ele saúda os que dele se aproximam.

Desafortunadamente, o mundo moderno, tão materialista quando arreligioso, tem demonstrado um grave indiferentismo quanto às realidades sobrenaturais da existência. A ciência e a técnica tentam explicar tudo e, assim, não deixam espaço para o transcendente, embora o coração do homem jamais se satisfaça com os avanços tecnológicos ou científicos. Tudo isso pode favorecer uma faceta obscura do sonhado “humanismo”, mas não conduz à plenitude do homem desejoso de infinito. Na expressão do Papa Bento XVI (2009, n. 78).), “a reclusão ideológica a Deus e o ateísmo da indiferença, que esquecem o Criador e correm o risco de esquecer também os valores humanos, contam-se hoje entre os maiores obstáculos ao desenvolvimento. O humanismo que exclui Deus é um humanismo desumano. Só um humanismo aberto ao Absoluto pode guiar-nos na promoção e realização de formas de vida social e civil – no âmbito das estruturas, das instituições, da cultura, do ethos – preservando-nos do risco de cair prisioneiros das modas modernas. É a consciência do Amor indestrutível de Deus que nos sustenta no fatigoso e exaltante compromisso a favor da justiça, do desenvolvimento dos povos, por entre êxitos e fracassos, na busca incessante de ordenamentos retos para as realidades humanas”.

Portando, também dentro do horizonte das conquistas humanas, deve haver condições producentes em relação ao encontro entre o humano e o divino, a fim de que essas satisfações historicamente momentâneas não fechem o caminho progressivo da santidade ultra histórica porque nos leva a Deus. É permitindo que Deus – o Santo e Santificador, por excelência – participe da nossa vida terrena que poderemos ser agraciados pela participação futura da sua vida no céu, pois a vida no céu não será outra coisa senão a continuidade de nossa amizade com Ele vivida na terra. Com efeito, iluminados pela luz interior da fé – que é um dom da gratuidade divina – os santos conseguem contemplar um horizonte tão longínquo que poucos conseguem perceber. É, pois, lá, onde eles fazem a sua morada eterna desde o mundo sombrio da Terra. (Dr. PGRS)