segunda-feira, 27 de maio de 2013

A Hora de Neymar Júnior

A Hora de Neymar Júnior

 

Nunca fui fanático por futebol, de modo que pouquíssimas vezes, sentei-me diante de um televisor para assistir a uma partida. Claro que quando se trata da Copa do Mundo ou das Olimpíadas, ainda arrisco fixar-me diante da tela para acompanhar os lances mais importantes e os comentários feitos durante o jogo. Todavia, nem por isso eu sou contra quem torce pelo seu time e tem verdadeira “devoção” pelo espetáculo de luzes e cores, com todas as gritarias da torcida, honrando o seu clube e torcendo pelos respectivos jogadores. Aliás, de tanto gostar do fenômeno futebolístico, fiz questão de aprender uma frase atribuída ao poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade: “Bem-aventurado os que não entendem nem aspiram entender de futebol, porque deles é o reino da tranquilidade”. De fato, uma afirmação que poderia depor quanto às verdadeiras raízes de quem vive no considerado país do futebol. Mas, questão de gosto não se discute, dizem. Quando por ventura, sou abordado sobre o time pelo qual torço, eu respondo, rapidamente: “Eu torço pelo botafogo!”. E logo acrescentou: “Porque era o time de Cristo!”. De fato, ele não disse que viera “botar fogo” no mundo... 

 

De ter visitado algum estádio de futebol, lembro-me de que estive apenas em dois, passeando. O antigo Maracanã, no Rio de Janeiro, agora, reformado para a Copa de 2014, visitei-o em 1992, logo depois da Eco 92. Mais recentemente, no ano passado, estive em frente ao Mané Garrincha, que estava em reforma e fora inaugurado com a partida do Brasileirão entre Santos e Flamengo no dia 26 de maio de 2013, por sinal, jogo de despedida de Neymar, que foi comprado pelo Barcelona. Fora disso, a verdade é que eu nunca me senti atraído por multidões. Tenho medo de grandes aglomerações. Mesmo se forem de atividades religiosas, frequento poucas. Quando morava em Roma, houve muitas canonizações e beatificações presididas pelo então Papa João Paulo II. Quantas oportunidades! Quantos convites, todos recusados. Para não dizer que “não falei das flores”, como reza o poema, fui apenas ao aniversário de 25 anos de Pontificado do Papa João Paulo II. Não é todo dia que um papa comemora 25 anos de pontificado. Também, teria sido uma covardia, morando ali, sabendo de tantas pessoas que gostariam de estar no meu lugar, faltar ao histórico acontecimento. Então, fui. Mas, com uma condição que me impus: “Deixar o recinto, logo depois da homilia! [que, iniciada pelo aniversariante, já ofegante e falando com dificuldade, teve a leitura concluída pelo então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, que estava ao seu lado, o Cardeal Ratzinger, que mais tarde virou o Papa Bento XVI]”. Depois de um evento como aquele, voltar para casa seria um verdadeiro inferno, com tanta gente, tentando deslocar-se pela Cidade Eterna. Fiz uma cara de doente, e fui embora. Pensava que se, por ventura, alguém me barrasse na saída, teria de dar alguma explicação. Certamente, isso seria feito por um dos policiais que, de plantão, acompanhavam qualquer movimento suspeito. Saindo, vi pelos telões espalhados pela Praça do Vaticano, a imagem isolada da única pessoa que se distanciava da multidão pelos corredores ali colocados para organização da missa. Todos de frente para o altar, e eu cada vez mais longe de lá. Deu tudo certo. Subi ao ônibus, e acompanhei o final da celebração pela televisão. A digressão foi apenas para confirmar que também nunca tive coragem de ir a um estádio de futebol em momentos de partidas. E difícil será alguém me encontrar no meio de uma multidão. E se isso acontecer, será em um dia de milagrosa raridade. Mas, voltemos à “hora de Neymar Júnior”. 

 

Tem razão quem chora deixando as lágrimas teimosas rolarem, livremente, no rosto emocionado por saber ter realizado um sonho. As conquistas de uma vida não acontecem de um dia para outro, embora os talentos precoces possam contrariar a lucidez da argumentação. A pequena planta das aspirações de felicidade e realização cresce à sombra dos percalços e limitações temporais do existir. O problema é que nem todo mundo tem as “ambições” alimentadas pela determinação e coragem para enfrentar os desafios iniciais de um futuro promissor e feliz, não obstante todos os obstáculos das sendas sinuosas e fascinantes do querer humano. Mas não é somente a vontade determinante que carrega as pessoas para as alturas de seus desejos de realização. Ao lado do espírito leviano de críticos inoportunos e invejosos, que derramam suas frustrações na fantasia do discurso, estão a competência e a habilidade de quem já nasceu gênio, e que, ao longo da própria carreira histórica, demonstrou-se capaz de desenvolver as habilidades adquiridas. Como afirmei sobre Justin Bieber – um talento mirim que, já quase adulto, parece estar se perdendo nas malhas da fama e das arbitrariedades do desequilíbrio pessoal – “há pessoas que se incomodam com a velocidade inesperada do sucesso alheio, sem, nem sequer, permitir-se a dignidade de descobrir o caminho percorrido pelas pessoas até chegarem aonde chegaram. Fama e dinheiro não caem do céu nem se aliam à imbecilidade dos incompetentes”. No caso de Neymar Júnior, sei que os holofotes se projetaram sobre ele mais do que qualquer outro jogador que, também habilidoso, tenha conseguido vitórias para o seu time. Todo mundo sabe, por exemplo, que o Santos não é nenhuma unanimidade. Mas que o moleque tem talento, isso ninguém pode negar. E não é de agora que clubes europeus esticam os olhos sobre ele. Então, chegou a sua hora! Chegou a hora de Neymar da Silva Santos Júnior. Com sua saída dos Santos, dizem os narradores esportistas, chega ao fim a “era Neymar” no time. Ele, que foi considerado pela imprensa internacional, o “rei do século XXI”, evidentemente, em alusão ao conhecido “rei Pelé”, com quem tantas vezes ele foi comparado. 


Aos 21 anos de idade, assinou o contrato com o time espanhol do Barcelona no dia 27 de maio. Noventa mil pessoas são esperadas para sua apresentação na Espanha. Azul e grená – “a cor vermelho-castanho da granada” – serão as cores festivas da nova etapa de sua vida. O menino santista levantará voo para a Europa, terra de grandes sonhadores, de notáveis conquistadores. O coração de quem parte para terras estrangeiras parece pequeno demais diante da grandeza do universo cultural, antropológico e social que o acolhe na imensidão de suas vagas étnicas e milenares. Que ele faça bonito por onde for e volte como prometeu, para alegrar os olhos da torcida brasileira que muito se encantou com as estripulias de sua meninice franca e despretensiosa na firmeza engenhosa do caráter de sua personalidade. 

 




Olhar contemplativo sobre a agonia de Cristo


Olhar contemplativo sobre 
a agonia de Cristo
 



O olhar contemplativo sobre a agonia de Cristo deve fazer-nos pensar no modo como nos abrimos ou nos fechamos à graça de tão sublime mistério redentor. Não por acaso a teologia moderna ainda nos chama a atenção para os rebordos mais profundos da mística cristã diante de Jesus moribundo, mas também diante de tudo aquilo que ele experimentou e viveu, assumindo a nossa própria carne, como condição fraterna e solidária às consequências de todas as nossas rebeldias e iniquidades. 


A crucifixão por si mesma, com todos os traços da crueldade que envolve a vítima em seus tormentos, já fala piedosamente ao nosso coração. Como descreveu Don Chino Biscotin, o condenado à crucifixão era atormentado por sofrimentos indizíveis, que, com base em percepções médicas, não é difícil conjecturar: uma sede ardente, causada, entre outras coisas, pelas hemorragias, fortíssima dor de cabeça, acompanhada por acessos de febre, sensações de angústia que provocava tremores e soluços, além das dores causadas pelas feridas de todo tipo e pela perfuração dos pregos, que, conforme a maneira como eram fixados, lesionavam nervos muito sensíveis, de modo que qualquer pequeno movimento poderia ocasionar dores horríveis. Portanto, a morte de Cristo, provavelmente, foi causada pela particular posição à qual o crucificado foi constrangido a permanecer. Com o peso do corpo caído sobre as pernas e pendido dos braços, a respiração se torna dificílima e dolorosa. Então, o condenado é constrangido a encontrar apoio nos pregos que fixam os pés e, com dores atrozes, tenta solevar-se, a fim de poder respirar mais livremente. Como Jesus agonizou na cruz durante três horas, segunda a narrativa bíblica, esse fenômeno se repetiu várias vezes, porquanto basta somente alguns minutos de suspensão para que ocorra a dispnea, isto é, a dificuldade de respiração. O fim de sua existência deve ter chegado, quando ele não teve mais forças para conseguir solevar-se novamente, e a asfixia provocou um estado de choque, seguido por um colapso cardiocirculatório. Na verdade, tudo isso é um pouco da pobreza do esforço humano que tenta se aproximar do sacrifício de Cristo no monte Calvário, a fim de usufruir dele, mais do que consolações para suas próprias dores, reconhecimento e gratidão pela generosidade da entrega do Senhor. 



Enfim, a humanidade sofredora de Cristo, projetada na nossa, deve conduzir-nos, pelo testemunho de sua cruz, a progredirmos espiritualmente na direção da estatura do Homem Perfeito, que é o próprio Senhor e Salvador, Jesus Cristo. Desse modo, o mistério de sua via-crúcis produzirá os efeitos desejados por Deus e anelados pela nossa sede de eterna plenitude.










terça-feira, 21 de maio de 2013

Santo Agostinho e seu itinerário espiritual segundo as Confissões

Santo Agostinho e seu itinerário espiritual 
segundo as Confissões 

 

O conteúdo inicial que desabotoa as linhas dessa reflexão colocar-nos-á, um pouco, a par do itinerário espiritual de Santo Agostinho, um homem que se abre para Deus, não se fechando no egoísmo de suas conquistas, intelectualmente, pessoais, o que ele faz à luz da própria experiência vivida e confessada, revelada e, de igual modo, descortinada ao longo de suas Confissões. Como já dissemos, As Confissões contêm a mais apaixonante aventura espiritual que a inquietação interior faz o homem empreender: a busca mesma de Deus. 

Na conquista paulatina e cheia de peripécias, o bordejar infrene de suas convicções pouco profundas, fá-lo-á flanar, talvez involuntariamente, por vias que indicam as arbitrariedades do destino e as lufadas incessantes de ventos contrários à verdadeira meta do espírito. É, pois, desse modo que uma alma, mediante os bens criados, aí procura, ansiosamente, de ilusão em ilusão, de sofrimento em sofrimento, de frustração em frustração, o único Bem que corresponda à sua inquietação, até que, tendo-o, enfim, encontrado, ela possa nele repousar em paz. É o que nos revela sua tão conhecida expressão, que aparece já na primeira página de suas Confissões: “Fecisti nos ad Te et inquietum est cor nostrum, donec requiescat in Te” (“Fizeste-nos para Ti, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousar em Ti”. Nesse sentido de “confissão”, outros convertidos ilustres, tais como Blaise Pascal, Maine de Biran, Newman, entre outros de grandeza e iluminação testemunhal, também, escreveram-nos seu itinerário espiritual depois de Santo Agostinho que, por primeiro, indicou-lhes o caminho. 

Embora As Confissões sejam um livro pleno de Deus, ele também se revela um documento muito humano. Sob essa ótica, a estampa de seu conteúdo ainda assegura o entretenimento e a atração de encontrar muitos amigos. Na verdade, antes de ser um santo, Agostinho foi um homem como todos nós, imbuído do espírito de seu tempo e das inquietações mais prementes da mesma humanidade de que somos feitos. Conheceu as fraquezas mais comuns. Em nada, As Confissões deixam-nos ignorar sua sensualidade, tida como o último obstáculo à graça. Ele não foi estranho a nenhum dos sentimentos da terra. A amizade lhe foi doce e ele a amou até sentir, pela perda de um amigo, uma espécie de desespero. Sentiu o gosto das lágrimas. Viu-se, loucamente, atraído tanto pelo saber quanto pela poesia. Imaginativo e inquieto quando adolescente, revela-nos suas primeiras agitações e emoções: “Nondum amabam...” – “Ainda não amava!”. Nessa frase como em outras, ele mostra seu jovem devaneio, nutrindo-se dos privilégios da poesia virgiliana, encantando-nos ainda hoje, quinze séculos depois. 

Da primeira à última página, encontramos Santo Agostinho traçando, ao longo da escalada espiritual, o desejo de Deus, numa abertura mais que voluntária, atingida e solicitada pelo próprio Criador. Com efeito, o primeiro passo é, na profunda convicção de sua parte, o reconhecimento de sua natureza humana, de sua finitude, pois, segundo ele, Deus é quem o procura sem, contudo, nunca o ter perdido. Assim, sua impetração é um frêmito da alma em busca de auxílio e socorro: “Minha alma é morada muita estreita para te receber: será alargada por Ti, Senhor. Está em ruínas: restaura-a!”. Como não descobrirmos, aí, o anelo de Deus?! Santo Agostinho reconhece a graça divina atuando em sua vida, o que ele agradece imensamente: “Como agradecerei ao Senhor por minha memória recordar tais fatos, sem que isto perturbe a minha alma? Hei de amar-te, Senhor, hei de dar-te graças e exaltar-te porque me perdoaste atos tão graves e tão maus. Sei que pela tua graça e misericórdia, meus pecados se desfizeram como gelo ao sol, devo à tua graça também todo mal que não pratiquei. A que ponto não deveria ter chegado eu que amei o pecado por si mesmo, sem motivo? Senhor, proclamo que me perdoaste todas as culpas, quer as cometidas voluntariamente, quer as que, por tua graça, não cometi”. 

Nessa confissão, percebemos o quanto ele se esforça interiormente para convir que tudo é graça, tudo é benção, quando suas disposições internas levam-no a enxergar, no limiar do mistério, a luz que atrai, de modo irresistível, o olhar dos virtuosos que, somente em Deus, justiça, beleza e inocência supremas, satisfazem-se sem que jamais estejam saciados. Não será essa a perspectiva e a direção de seu itinerário de conversão até que repouse eternamente em Deus? Várias são as dificuldades encontradas no caminho. Sua rebeldia em relação à religião de sua mãe o mantém afastado da graça que tanto almeja, mesmo sem o saber, mas entregue aos prazeres que o mundo, sob múltiplas formas, algumas mais convincentes que outras, apresentava-lhe. Contudo, é em busca da verdade que ele se debate em suas inquietações interiores. Um dia, porém, a luz da verdade brilhará com tanto fulgor sobre o raio tímido de seus olhos espirituais, que lhe será difícil, com todas as forças da alma e da inteligência, opor-se a ela. Com efeito, não era essa “beleza tão antiga e tão nova” dentro dele, quando ele a procurava para si, que o estava conduzindo e atraindo, mesmo se pelo chão da miserabilidade humana, numa experiência que serviria de testemunho e consolo para tantos homens como ele, pobres e mortais pecadores? 

Deus tem seus caminhos, sua metodologia, sua pedagogia, no intento de alcançar os homens pela interioridade da graça que os atinge, misteriosamente, convertendo-os ao seu amor gratuito e misericordioso. Segundo Daniel Rops, “se alguma vez a alma humana deu a impressão de estar desde sempre ‘confiada à guarda de Deus’ e de ser conduzida apenas por Ele e para o seu verdadeiro fim, foi sem dúvida a desse rapazinho africano que a graça havia de tornar um santo”. Ele, Santo Agostinho, que “amava amar...”