quarta-feira, 30 de julho de 2014

A JUC e o Padre Luciano Duarte


A JUC e o Padre Luciano Duarte
Memórias de uma fraternidade Cristã 



Será lançado no próximo dia 7 de agosto, quinta-feira, às 18 horas, no Museu da Gente Sergipana, o livro “Memórias de uma fraternidade Cristã, a JUC e o padre Luciano Duarte”. Trata-se, pois, de uma obra de 610 páginas substanciosas, com testemunhos e reminiscências trazidos a lume por vários autores, de um tempo em que, no Estado de Sergipe, o interesse pelas coisas da alma e do espírito inquietava jovens estudantes em busca de alicerces fortes e valores perenes em relação às “sementes do Evangelho” plantadas no fundo de sua formação acadêmica, mas também espiritual. 

 

À frente dos questionamentos e das provocações dialéticas que instigavam a curiosidade daquele grupo  de docentes que formavam a JUC – Juventude Universitária Católica – estava o também jovem padre Luciano Duarte, hoje, Arcebispo Emérito da Arquidiocese de Aracaju. Entre tantas outras aspirações vocacionais de um consagrado que apenas se inscrevia nas fileiras da milícia de Cristo, o sonho do menino seminarista se concretizava, conforme a expressão de seus desejos de consagração. Foi, então, assim que ele se expressou mais tarde, conforme o depoimento encontrado no livro, como quando já pensava na aventura pastoral da Ação Católica: “Aprendi a amar a Ação Católica ainda no Seminário. Nestes anos indeléveis, passados à sombra do santuário, enquanto os estudos e a formação nos tomam todos os momentos, praz ao espírito abrasado do adolescente estender de quanto em vez os olhos ardentes sobre o mundo, sentir o farfalhar da messe redoirada, perscrutar os problemas angustiantes, imaginar remédios e curas. Reacender as chamas mortas. Selar de novo os antigos e sacrossantos compromissos perjurados. Fazer os cristãos viverem de tal modo que a sua vida, para os outros homens, seja uma coisa inexplicável sem Deus. Apontar aos homens a velha e amiga estrada abandonada. Ensinar que não se é cristão por se haver perdido, mas por se haver achado. Reafirmar a cada passo, a cada solicitação do mal, a cada tropeço nas escarpas da vida, reafirmar com São Paulo esta coisa formidável: ‘Eu sei em quem acreditei’ (2ª Tm 1,12). É isto a Ação Católica... Somente isso. Tudo isto (Seminarista Luciano José Cabral Duarte)”. De fato, a inquietação pelo apostolado, que deve geminar e fazer crescer no coração dos homens os frutos do canteiro dos benefícios espirituais divinos, aponta para o futuro cristão da inteligência arguta do consagrado. 

Quem conheceu Dom Luciano José Cabral Duarte mais de perto, sobretudo, pela exposição intelectual de suas colocações aprimoradas pelas malhas das leituras e das disquisições investigativas de sua sede de saber, entende porque a fonte cristalina de suas buscas não se esgota nos limites cognoscitivos do pensamento. Com efeito, suas fronteiras avançam pelo tempo afora na consciência livre dos verdadeiros pensadores. Não por acaso, ele “convidava-nos a crer através da crença intrínseca e extrínseca da fé, inflamado pelo testemunho dos grandes vultos da humanidade que haviam encontrado em Jesus Cristo a única resposta às suas indagações. Assim é que Pascal, Paul Claudel, Jacques Maritain, Léon Bloy, Ernest Psichari, Bernamos, Simone Weil, Jean Guitton, passaram a ser o centro das nossas discussões, fortalecendo a aliança entre nós, na busca de um cristianismo autêntico” (Carmen Machado Costa). Portanto, de alguma maneira, o livro mostra rasgos da clarividência intuitiva do compromisso cristão com as exigências práticas do evangelho de Cristo. Tudo se fundamentava na convicção serena e segura de que “muita ciência aproxima o homem de Deus”, o que era uma aberta proclamação da verdade que se desprendia dos lábios do próprio padre Luciano Duarte. Por isso, as páginas da coletânea testemunhal dos vários autores, reverberam de modo nítido e consciencioso muitas informações derramadas pelo padre Luciano Duarte nos encontros com os seminaristas do Seminário Menor de Aracaju, com os quais ele também se entretinha relembrando fatos de seu labor pastoral quando era jovem padre. Fui testemunha daqueles encontros, e confesso que nossa cabeça ainda foi albergue de suas reminiscências, talvez, pueris para nossa percepção de adolescente, mas, certamente, verdadeiras no lastro tempestivo de suas lembranças. 

 


Portanto, mesmo que os eventos narrados no livro estejam circunscritos numa cronologia narrativa determinada quanto aos acontecimentos, eles transbordam de eficácia e ensinamentos para as gerações posteriores que, de algum modo, também podem beber no sorvedouro das lições filosóficas e evangélicas do velho professor que fora aluno da Sorbonne de Paris.




segunda-feira, 21 de julho de 2014

Padre Raimundo Cruz: vida e memória!


Padre Raimundo Cruz: vida e memória!
Um tributo ao mês vocacional 

 



O tempo é indiferente. Vidas nascem, vidas desaparecem, e ele segue seu ritmo solene e implacável rumo aos acontecimentos que compõem o sentido próprio de sua existência. Ele segue o ritual sagrado do ofício opressor de sua tirania inexorável. Ele desconhece as preces e os desejos ansiosos daqueles que estarão à mercê de sua consumação infrene. De fato, o tempo é a possibilidade dos eventos, como afirmara o grande Teólogo da Sagrada Escritura, Gerhard von Rad, que morreu no ano em que eu nasci, 1970. 

 


No dia 8 de julho de 2014, a Arquidiocese de Aracaju perdeu mais um de seus sacerdotes. O Padre Raimundo Cruz (1941-2014) desapareceu no quarto de um hospital onde se internara durante poucas semanas, por causa da doença que o acossara por anos. Para usar a expressão de Lia Luft, “posso dizer que é a morte que escreve sobre nós – desde que nascemos ela vai elaborando conosco o nosso roteiro. Ela é a grande personagem, o olho que nos contempla sem dormir, a voz que nos convoca e não queremos ouvir, mas pode nos revelar muitos segredos. O maior deles deve ser: a morte torna a vida tão importante! Porque vamos morrer, precisamos dizer hoje que amamos, fazer hoje o que desejamos tanto, abraçar hoje o filho ou o amigo. Temos de ser decentes hoje, generosos hoje... devíamos tentar ser felizes hoje”. A luz desse raciocínio é somente uma inspiração válida quanto ao sentido urgente que devemos dar ao momento histórico em que estamos vivendo em face da morte que tudo pode determinar em nossa vida. O pensamento traz a lume a intuição tranquila de que não deveríamos perder tempo com bobagens passageiras em detrimento do verdadeiro amor que podemos colocar em cada uma de nossas ações existenciais, mas, de modo especial, diante das pessoas que julgamos amar. 



Filho de Aquidabã, ele foi o primeiro sacerdote ordenado por Dom Luciano Duarte, num momento em que a Arquidiocese passava por uma tremenda crise vocacional. De 14 seminaristas da Arquidiocese, apenas ele sobrou, subindo os degraus do altar do Senhor para a celebração da Eucaristia. Fora ordenado padre no dia 11 de abril de 1971! Pouco tempo depois do evento histórico do Concílio Vaticano Segundo, com o mundo em reboliço pela inspiração de São João XXIII, o Papa da abertura do grande Concílio, padres do mundo inteiro abandonavam a batina sem cerimônia nem constrangimento. Quem viveu aqueles tempos agitados pelas discussões eufóricas colocadas em pauta no acontecimento, contou o quanto algumas decisões conciliares mexeram com o imaginário coletivo de muitos sacerdotes. Mesmo assim, outros jovens apareciam dispostos a consagrarem sua vida a Deus, como sempre aconteceu e acontecerá na história da Igreja de Cristo. Raimundo Cruz também se apresentou diante do chamado vocacional. Assim, decorrido o período de formação durante os anos de estudos de Filosofia e Teologia no seminário Regional do Nordeste, em Recife, de 1966 a 1970, fora ordenado padre. Jovem sacerdote, animado pelo zelo apostólico e pela salvação das almas, iniciou seu ministério sacerdotal na Região do Vale do Cotinguida, especificamente, em Divina Pastora, Santa Rosa de Lima e Siriri. Fora enviado para pouco tempo ali, mas as necessidades pastorais e a escassez de sacerdotes fizeram com que a missão se estendesse por 12 longos anos, cheios de desafios e dificuldades pastorais. Naquele momento, as paróquias da Arquidiocese de Aracaju estavam se expandindo, e os operários da messe do Senhor ainda eram poucos. Também fora pároco em Nossa Senhora das Dores. No entanto, sempre fiel e obediente à sua vocação e ao seu Bispo, em 1986, fora transferido do interior do Estado para a Capital sergipana, tornando-se Reitor do Seminário Menor “Sagrado Coração de Jesus”, no Bairro Industrial, sendo ao mesmo tempo pároco da Paróquia de São Pedro Pescador no mesmo Bairro. Para lá, eram conduzidos os seminaristas e os vocacionados, a fim de participarem da missa no sábado à noite, o que favorecia efetiva e amistosa interação entre os seminaristas e os leigos da comunidade. Ao mesmo tempo, ainda permanecia Administrador Paroquial em Santa Rosa de Lima e Divina Pastora.



O Padre Raimundo Cruz realizou outros estudos como atualização pastoral, em Puebla, no Paraguai, atualização bíblica, em Jerusalém, e espiritualidade sacerdotal, em Roma. Entre outras atividades pastorais na Arquidiocese de Aracaju, ele foi Coordenador Arquidiocesano de Pastoral, do ensino religioso em Sergipe, membro do Conselho Presbiteral e de Consultores, Cônico capitular do cabido arquidiocesano, pároco da Paróquia São Pedro e São Paulo, Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, no Ponto Novo, Vigário Episcopal para as vocações, Reitor do Santuário Nossa Senhora Menina e Pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, no Grageru. Foi o Padre Raimundo Cruz quem me recebeu no Seminário Menor de Aracaju, no dia 14 de fevereiro de 1987, com outros 35 jovens seminaristas, entre os quais estava também o Padre Jadson da Silva Ramos, que estudou comigo até o final do curso de teologia, em Brasília. Há poucos dias, revirando papéis de mudanças – são tantas as descobertas nessas ocasiões – encontrei a carta que ele me enviou, sugerindo a lista do que deveria levar para o Seminário, uma espécie de “enxoval seminarístico”. 


Hoje, muitos sacerdotes da Arquidiocese foram formados e “plasmados” pelo timbre exigente e severo de suas orientações formativas. Como muitas vezes ouvimos de Dom Luciano Duarte, não importam as fraquezas de um sacerdote, ele deve sempre ser considerado como um “homem de Deus”, chamado e escolhido para engrossar as fileiras de sua milícia. Foi, pois, inspirado pela falta de vocações sacerdotais e religiosas, que Dom Luciano Duarte criou com a ajuda de alguns leigos do Movimento Serra Clube de Aracaju, cujo apostolado fomenta o apoio espiritual e material às mesmas vocações, a “oração pelas vocações sacerdotais e religiosas”, rezada em todas as missas, há mais de 40 anos. Logo, foi nesse contexto de oração pelas vocações ao Senhor da messe, que o Padre Raimundo Cruz viu florescer, de maneira palpável, o germinar de inúmeras vocações sacerdotais como resposta fiel do mandado do Senhor – “Pedi, pois, ao Senhor da messe que mande operários para a seara”. Tudo isso nasceu anos atrás, e se desenvolveu a olhos vistos por Dom Luciano Duarte, o Padre Raimundo e muitos leigos engajados na Pastoral Vocacional, sem falar do testemunho vivo de muitos sacerdotes que são frutos daqueles tempos de intenso apostolado vocacional. Depois, veio Dom José Palmeira Lessa, o Arcebispo Metropolitano de Aracaju, que também colheu e colhe os frutos das sementes plantadas por Dom Luciano Duarte e pelo Padre Raimundo Cruz. Bem nos ensina São Paulo que um é o que planta, outro é o que colhe, mas é Deus quem faz produzir os frutos necessários para o louvor de sua glória. Tudo isso, considerando também os frutos colhidos pela própria semeadura de atividades pastorais posteriores àquele início difícil, com o incentivo dos Bispos do Sub Regional, liberados por Dom José Palmeira Lessa, para a criação do Seminário de Filosofia e Teologia no próprio Estado de Sergipe. 




Os padres passam, os bispos passam, mas a Igreja de Cristo permanece espalhando no mundo o “bom odor de Cristo” para a salvação das almas. Não somos juízes das ações de ninguém, de nenhum irmão sacerdote, ou de qualquer outra pessoa. Às vezes, incompreendido, sozinho, vítima da maledicência, injuriado, recolhido na solidão mais profunda de seu ser, o sacerdote derrama as lágrimas que lavam o rosto de Cristo que sofreu pela humanidade. Por isso e por tantos outros mistérios que envolvem a vida dos consagrados, devemos reconhecer que a vida de nenhum homem consagrado a Deus é derramada em vão no canteiro de sua Igreja. Só Deus é o juiz de todos e saberá ponderar com transparência de justiça e misericórdia a vida e as ações de seus eleitos. Com efeito, Ele, que colhe com sabedoria e equidade os frutos da vida de seus escolhidos, também concederá a cada um o prêmio que tiver merecido pelo cêntuplo garantido aos que deixaram tudo e O seguiram. Que sua misericórdia e seu amor cubram pelos séculos eternos a vida e a memória dos que tentaram ser fiéis até o fim, não obstante as fraquezas humanas, porquanto, sem reservas, eles Lhe consagraram a vida em benefício de seus irmãos. 

 


Quando as folhas secas da vida sacerdotal despencam e caem da árvore de sua existência, vencidas pelo próprio tempo de sua durabilidade, o Senhor ainda saberá colher a seiva original daquele instante em que elas eram vicejantes e frondosas, porque tudo é mérito de seu próprio coração, transbordantemente, sacerdotal. Descanse na paz do Senhor, Padre Raimundo Cruz.


O Mistério das relações humanas

O mistério das relações humanas 




Vinte de julho! Dia Internacional da amizade. Li o pensamento de Sara Bronzino que diz: “O amigo nunca deixa de amar: é um irmão na desventura!” Pensando nesse dia, gostaria de refletir sobre o mistério das relações humanas no contexto da amizade. Tudo durante a nossa existência está envolvido pelo mistério, isto é, por aquela zona de desconhecimento que, às vezes, gera angústia e desconforto ao coração desejoso de clarividência em suas conquistas. Desse modo, as relações humanas também podem estar condicionadas pelos reveses das amizades. 
Quem me quer bem, me faz bem! Não me faz mal! Por exemplo: há pessoas que dizem que nos amam e nos querem bem, mas só nos fazem o mal. Quem nunca topou com alguém desse tipo em sua vida considere-se muito afortunado e feliz. É a incongruência comportamental das pessoas que as conduzem por sendas tortuosas, levando-as quase ao desespero por não conseguirem dominar as vítimas de seu mau caráter e cinismo. E elas insistem, com deboche e tentativas de dominação de suas presas, no percurso agressivo de suas investidas. São pessoas cujas capacidades psicológicas podem infernizar a vida de alguém, sem descanso nem trégua, até serem derrotadas pelas máscaras caídas depois de tanto fingimento. Elas parecem penetradas por um espírito tão satânico que vivem desassossegadas enquanto não ferem profundamente as pessoas sacrificadas pelas suas mórbidas paixões. São algozes psicopatas que deveriam ser isolados do convívio social e levados ao tratamento. E, se não é a própria família a diagnosticar a gravidade de sua doença, muitos estragos relacionais serão puxados adiante pela artimanha incrível de sua capacidade de dissimulação. Pessoas desse nível de agressividade e destempero comportamental, deveriam procurar o que fazer de sua vida, sobretudo, redimensionando seus interesses de realização pessoal e as motivações profissionais de suas conquistas. Um dia, eu vi um grupo de jovens protestantes vendendo balas num semáforo de Aracaju. Eles estavam angariando fundos para a realização de um retiro espiritual. Eram jovens e adolescentes sérios, normais, que buscavam um sentido novo para suas orientações espirituais e, consequentemente, sociais, como o melhoramento de suas atitudes frente aos desafios dos tempos modernos. Melhor do que viverem perturbando a vida de seus semelhantes com azedumes sem sentidos e perturbações desnecessárias aos seus próprios pais ou tutores. Uma ideia inteligente de quem quer ser dono de seu próprio destino e de suas vitórias. 




Há também o caso de amigos que mais tarde podem se tornar verdadeiros “rivais” a serem combatidos pela guerra fria da indiferença, da ingratidão, do distanciamento físico, da rejeição e dos desafetos perpetrados pelo desequilíbrio emocional das crises próprias das relações humanas. Mais ou mesmo como na frase de um filme em que um ator afirmava: “Às vezes, você ajuda a criar os inimigos que vai acabar enfrentando”. Trata-se de casos aparentemente perdidos em que o sentido da amizade desaparece quando outros interesses entram em jogo, pois, não conseguindo detectar o perigo do afastamento com antecedência, resvalamos pelo abismo da inimizade. É quando o amor vira desamor, a amizade, inimizade, a apreciação pelo outro, desprezo, e a corrente dos ressentimentos aumenta a plenitude das perdas relacionais. Com efeito, os sentimentos são caixas frágeis que guardam feridas que o tempo não cicatrizou, e continuam abertas podendo sangrar pelos rasgos das reminiscências ativas nas dobras do viver. Os amigos entram e saem de nossa vida como pétalas que murcham desenraizadas das flores que protegiam a tênue resistência da amizade que foi varrida pelo vento da desafeição. 
O tempo pode trair as amizades, mas o sentimento do amor verdadeiro pelos amigos permanece para sempre. Nesse sentido, a distração da vida não deveria permitir que o tempo corresse tão velozmente, de modo que não pudéssemos alcançar os amigos do passado pela contenção da memória que revive e traz ao presente os bons sentimentos da simpatia recíproca de outrora. Mas quem poderia prever os dardos inflamados de indignação e frieza causados pela provocação alheia? Disso nós somos e fazemos vítimas, mesmo se de modo não intencional. Daí que, nos meandros da cadeia que se refere ao mistério das relações humanas, nem tudo é previsível ou perceptível como gostaríamos que fosse. Mesmo assim, apesar das dificuldades que temos de atravessar em relação aos amigos e às amizades, jamais devemos desistir das novas possibilidades, porque, como já foi dito da confiança, a amizade também se conquista, não se impõe. 

 

Por isso, não devemos nos fechar se por conjunturas alheias à nossa vontade perdemos alguns amigos ou se trincamos e quebramos algumas amizades. E, mesmo que gato escaldado tenha medo de água fria, não podemos imaginar que o fracasso de alguns relacionamentos se repercuta na dimensão profunda de outros. Valem a pena os riscos. Na verdade, quando um sonho se acaba, é porque devemos correr atrás de novos horizontes. Como diz o ditado, quando se chega ao fim da noite, começa-se uma nova aurora. É a esperança que renasce sob as cinzas dos maus êxitos, dos insucessos, dos malogros da vida. É o filete de luz, tingindo a escuridão das derrotas com as tonalidades alvissareiras dos novos desafios. De fato, enquanto algumas amizades morrem, outras renascem, e a esperança rebenta no olhar confiante do futuro, não obstante as nuvens fechadas que acobertam o horizonte. É que muitos “tons” da amizade são como o pensamento de Lya Luft quando escreve sobre “o tom de nossa vida”: “Somos inquilinos de algo bem maior do que o nosso segredo individual. É o poderoso ciclo da existência. Nele todos os desastres e toda a beleza têm significado como fases de um processo. Estamos nele como árvores da floresta: uma é atingida em plena maturidade e potência, e tomba. Outra nem chega a crescer, e fenece; outra, velhíssima, retorcida e torturada, quase pede para enfim descansar... mas ainda pode ter dignidade e beleza na sua condição”. Assim são os segredos das amizades que, teimosamente, insistem na sobrevivência do tempo interior para além de todas as possibilidades de suas tentativas de destruição. 



Quanto à perenidade das amizades autênticas que sobrevivem a todos os vendavais das “turbulências afetivas”, não podemos nos esquecer da grandeza do valor infinito dos bons amigos que nos acompanham pela vida afora. De veras, isso também faz parte do mistério das relações humanas. Quantas pessoas passam muito tempo sem contato – o que poderia ser favorecido, inclusive, pelo avanço das modalidades tecnológicas que tem aproximado as distâncias afetivas – e se sentem felizes no instante em que se reencontram ou se falam? Nem o tempo nem a geografia apagam ou destroem os laços dos verdadeiros benefícios da ternura franca que envolve a camaradagem, a estima e a reciprocação intrínseca aos próprios amigos. Na verdade, é a vida do espírito que não deixa morrerem as dilatações prolongadas da afetividade que se distancia e volta, como as ondas do mar iluminado pelo sol, renovando e intensificando o brilho de sua transparência cordial, fraterna. 

 


Amigos de verdade tentam pegar o sol com a mão!