segunda-feira, 21 de julho de 2014

O Mistério das relações humanas

O mistério das relações humanas 




Vinte de julho! Dia Internacional da amizade. Li o pensamento de Sara Bronzino que diz: “O amigo nunca deixa de amar: é um irmão na desventura!” Pensando nesse dia, gostaria de refletir sobre o mistério das relações humanas no contexto da amizade. Tudo durante a nossa existência está envolvido pelo mistério, isto é, por aquela zona de desconhecimento que, às vezes, gera angústia e desconforto ao coração desejoso de clarividência em suas conquistas. Desse modo, as relações humanas também podem estar condicionadas pelos reveses das amizades. 
Quem me quer bem, me faz bem! Não me faz mal! Por exemplo: há pessoas que dizem que nos amam e nos querem bem, mas só nos fazem o mal. Quem nunca topou com alguém desse tipo em sua vida considere-se muito afortunado e feliz. É a incongruência comportamental das pessoas que as conduzem por sendas tortuosas, levando-as quase ao desespero por não conseguirem dominar as vítimas de seu mau caráter e cinismo. E elas insistem, com deboche e tentativas de dominação de suas presas, no percurso agressivo de suas investidas. São pessoas cujas capacidades psicológicas podem infernizar a vida de alguém, sem descanso nem trégua, até serem derrotadas pelas máscaras caídas depois de tanto fingimento. Elas parecem penetradas por um espírito tão satânico que vivem desassossegadas enquanto não ferem profundamente as pessoas sacrificadas pelas suas mórbidas paixões. São algozes psicopatas que deveriam ser isolados do convívio social e levados ao tratamento. E, se não é a própria família a diagnosticar a gravidade de sua doença, muitos estragos relacionais serão puxados adiante pela artimanha incrível de sua capacidade de dissimulação. Pessoas desse nível de agressividade e destempero comportamental, deveriam procurar o que fazer de sua vida, sobretudo, redimensionando seus interesses de realização pessoal e as motivações profissionais de suas conquistas. Um dia, eu vi um grupo de jovens protestantes vendendo balas num semáforo de Aracaju. Eles estavam angariando fundos para a realização de um retiro espiritual. Eram jovens e adolescentes sérios, normais, que buscavam um sentido novo para suas orientações espirituais e, consequentemente, sociais, como o melhoramento de suas atitudes frente aos desafios dos tempos modernos. Melhor do que viverem perturbando a vida de seus semelhantes com azedumes sem sentidos e perturbações desnecessárias aos seus próprios pais ou tutores. Uma ideia inteligente de quem quer ser dono de seu próprio destino e de suas vitórias. 




Há também o caso de amigos que mais tarde podem se tornar verdadeiros “rivais” a serem combatidos pela guerra fria da indiferença, da ingratidão, do distanciamento físico, da rejeição e dos desafetos perpetrados pelo desequilíbrio emocional das crises próprias das relações humanas. Mais ou mesmo como na frase de um filme em que um ator afirmava: “Às vezes, você ajuda a criar os inimigos que vai acabar enfrentando”. Trata-se de casos aparentemente perdidos em que o sentido da amizade desaparece quando outros interesses entram em jogo, pois, não conseguindo detectar o perigo do afastamento com antecedência, resvalamos pelo abismo da inimizade. É quando o amor vira desamor, a amizade, inimizade, a apreciação pelo outro, desprezo, e a corrente dos ressentimentos aumenta a plenitude das perdas relacionais. Com efeito, os sentimentos são caixas frágeis que guardam feridas que o tempo não cicatrizou, e continuam abertas podendo sangrar pelos rasgos das reminiscências ativas nas dobras do viver. Os amigos entram e saem de nossa vida como pétalas que murcham desenraizadas das flores que protegiam a tênue resistência da amizade que foi varrida pelo vento da desafeição. 
O tempo pode trair as amizades, mas o sentimento do amor verdadeiro pelos amigos permanece para sempre. Nesse sentido, a distração da vida não deveria permitir que o tempo corresse tão velozmente, de modo que não pudéssemos alcançar os amigos do passado pela contenção da memória que revive e traz ao presente os bons sentimentos da simpatia recíproca de outrora. Mas quem poderia prever os dardos inflamados de indignação e frieza causados pela provocação alheia? Disso nós somos e fazemos vítimas, mesmo se de modo não intencional. Daí que, nos meandros da cadeia que se refere ao mistério das relações humanas, nem tudo é previsível ou perceptível como gostaríamos que fosse. Mesmo assim, apesar das dificuldades que temos de atravessar em relação aos amigos e às amizades, jamais devemos desistir das novas possibilidades, porque, como já foi dito da confiança, a amizade também se conquista, não se impõe. 

 

Por isso, não devemos nos fechar se por conjunturas alheias à nossa vontade perdemos alguns amigos ou se trincamos e quebramos algumas amizades. E, mesmo que gato escaldado tenha medo de água fria, não podemos imaginar que o fracasso de alguns relacionamentos se repercuta na dimensão profunda de outros. Valem a pena os riscos. Na verdade, quando um sonho se acaba, é porque devemos correr atrás de novos horizontes. Como diz o ditado, quando se chega ao fim da noite, começa-se uma nova aurora. É a esperança que renasce sob as cinzas dos maus êxitos, dos insucessos, dos malogros da vida. É o filete de luz, tingindo a escuridão das derrotas com as tonalidades alvissareiras dos novos desafios. De fato, enquanto algumas amizades morrem, outras renascem, e a esperança rebenta no olhar confiante do futuro, não obstante as nuvens fechadas que acobertam o horizonte. É que muitos “tons” da amizade são como o pensamento de Lya Luft quando escreve sobre “o tom de nossa vida”: “Somos inquilinos de algo bem maior do que o nosso segredo individual. É o poderoso ciclo da existência. Nele todos os desastres e toda a beleza têm significado como fases de um processo. Estamos nele como árvores da floresta: uma é atingida em plena maturidade e potência, e tomba. Outra nem chega a crescer, e fenece; outra, velhíssima, retorcida e torturada, quase pede para enfim descansar... mas ainda pode ter dignidade e beleza na sua condição”. Assim são os segredos das amizades que, teimosamente, insistem na sobrevivência do tempo interior para além de todas as possibilidades de suas tentativas de destruição. 



Quanto à perenidade das amizades autênticas que sobrevivem a todos os vendavais das “turbulências afetivas”, não podemos nos esquecer da grandeza do valor infinito dos bons amigos que nos acompanham pela vida afora. De veras, isso também faz parte do mistério das relações humanas. Quantas pessoas passam muito tempo sem contato – o que poderia ser favorecido, inclusive, pelo avanço das modalidades tecnológicas que tem aproximado as distâncias afetivas – e se sentem felizes no instante em que se reencontram ou se falam? Nem o tempo nem a geografia apagam ou destroem os laços dos verdadeiros benefícios da ternura franca que envolve a camaradagem, a estima e a reciprocação intrínseca aos próprios amigos. Na verdade, é a vida do espírito que não deixa morrerem as dilatações prolongadas da afetividade que se distancia e volta, como as ondas do mar iluminado pelo sol, renovando e intensificando o brilho de sua transparência cordial, fraterna. 

 


Amigos de verdade tentam pegar o sol com a mão!