quinta-feira, 14 de março de 2019

A Revolução dos bichos...


A Revolução dos bichos
Numa espécie de verdadeira fábula, “a revolução dos bichos” – uma obra do pseudônimo George Orwell (1903-1950), cujo nome verdadeiro era Eric Arthur Blair, que foi romancista, ensaísta político e jornalista – retrata a interação entre os bichos e os homens, numa perspectiva de superação das dificuldades por que passam os bichos quando não se sentem livres nem iguais aos homens. Na verdade, a obra do referido autor, adepto do anarquismo, é uma crítica e uma sátira, eivada de humor, em relação ao sistema ditatorial de Stalin, na Rússia.
A obra é uma distopia ou antiutopia, isto é, representa lugares e existências fictícios para denunciar algo que gostaria que não existisse na realidade. É, pois, o que acontece na supracitada obra, que inspirou o comentário a seguir. Nela, fala-se de irmandade, de fraternidade, que são termos próprios dos humanos. Assim, no apólogo, os bichos pensam e falam, à maneira antropológica, ao modo humano. Eles argumentam sobre justiça e liberdade, igualdade e direitos no exercício da sua dignidade animal. Na verdade, poderíamos dizer que se trata de uma projeção humana no universo animal, porque, de fato, os humanos tentam se colocar dentro do contexto da vida daqueles indefesos, que são maltratados e mortos. Então, eles, por assim dizer, no reflexo de sua percepção, se recusam a admitir que os homens os tratem de modo cruel, porque são preparados e cevados para morrer. “A revolução dos bichos” se torna, então, um tipo de protesto, de grito e de rebelião; uma insurreição capaz de produzir a revolta dos bichos. Tudo isso se reflete, contundentemente, quando eles expulsam os humanos que os exploram para longe de seu habitat. Assim, o perigo mais grave que se apresenta é a possibilidade de que o comportamento dos animais se estenda sobre outras propriedades da região. Começa, portanto, a tirania dos bichos sobre os humanos.
Interessante é pensar, por exemplo, que o desequilíbrio natural e harmonioso entre os humanos e os bichos é um fator psicológico humano, reproduzido nos animais. Hoje, fala-se muito dos “direitos dos animais”, da “racionalidade inferior” dos bichos, até bem pouco tempo, totalmente considerados irracionais. Logo, o raciocínio dos bichos se enquadra dentro das discriminações polarizadas no contexto social moderno. Os bichos se tornam discriminados em face dos humanos e intencionam se tornar como eles, inclusive com a elaboração e a positivação de princípios e leis que possam regê-los à maneira tipicamente humana. Trata-se de instruções que possam garantir seus direitos de liberdade, igualdade e dignidade ao nível de sua animalidade. Uma organização se estabelece entre os bichos, que ocupam cargos de liderança e funções de trabalho, ordem e disciplina, a tal ponto, eficientes, que surpreendem os humanos, agora, destituídos de suas tarefas frente aos bichos. Tudo parece um sonho feliz e edificante, quando, de repente, os sentimentos negativos, de rejeição, de tortura e de reféns de alguns bichos dominando outros, começam a aflorar.
Ou seja, os bichos entram no mundo dos homens e se comportam de igual maneira. Mais ou menos como assistimos no espelho da história humana onde os que tentam se liberar de certas tiranias, acabam impondo as suas. A cegueira ou o fanatismo de ideologias que deturpam o sentido real dos direitos devido a todos também se estabelece sobre as atitudes comportamentais dos bichos. Assim, a ideologia poderia comparar-se a um veneno lento, que entorpece a consciência, obnubilando-a gravemente, de modo que a pessoa se submete às imposições da tirania. De fato, a ideologia enfraquece as mentes distraídas, condicionando-as letargicamente aos antídotos contra a liberdade da própria lucidez do espírito. Quer dizer: a suposta segurança de alguns degringola na opressão de outros. Isso porque, com muita facilidade, os que lutam pelo desejo de liberdade em relação à tirania, quando alcançam o poder, assumem, de igual modo, o posto dos ditadores, tornando-se até piores do que seus predecessores. Um dia eu ouvi num filme: “Se não expulsarmos as formigas, elas nos expulsarão”. Então, trava-se a guerra ou a batalha pela sobrevivência individual, de modo que, mesmo assim, almejando liberdade e igualdade, alguns subjugam os demais, usufruindo dos mesmos privilégios que antes condenavam. Soa-se, assim, como corolário da astúcia dos tiranos, o rifão que diz que o mundo é dos mais espertos. E há rivalidades entre os próprios bichos. “A lealdade e a obediência são mais importantes!”, afirma Napoleão, que faz de tudo para ludibriar, de modo intencionalmente pernicioso, a capacidade de pensamento dos bichos! Cada um assume o seu papel na construção da sociedade, com canseira, fadiga e até fome, mas sem fugir das responsabilidades que lhe cabem.
Depois que os animais se instalam na Fazenda dos homens, é preciso tomar o caminho do diálogo, da negociação, mesmo reconhecendo que com animais não se negocia. Todavia, enquanto isso não acontece, vale a vigilância atenta, conscienciosa dos bichos mais reflexivos, a fim de se livrarem das ciladas argumentativos e fáticas diante das circunstâncias da convivência na suposta “Fazenda animal”, que se augura “vida longa”! Os homens tentam fazer os animais provarem de suas experiências, enquanto eles mesmos, racionais e pensantes, dominam a inteligência do animal dito “racional”. Certamente uma preposteração de valores, de sentimentos e ideais de vida, que colocam os animais no lugar dos humanos. Também no meio deles não há espaço para os traidores e enganadores de seus iguais. Isso para efetivar o anseio de uma sociedade melhor, mais justa e equânime na prática de seus direitos, embora isso também contrarie o princípio da igualdade, pois, entre os bichos, também há categorias classistas. Os de segunda classe não poderiam usufruir dos mesmos direitos que os da primeira. Com a instauração do tribunal de julgamento, animal que infringiu o mandamento do “não matarás”, será condenado e punido de morte. Mas a liderança impoluta do “reino dos animais”, que favorece as condições de sobrevivência dos bichos deve receber o mérito da “honra do animalismo”. Uma ironia hipócrita do reino animal! Falácias de bichos que não são capazes de reconhecer suas próprias desgraças e desigualdades. A força bruta da tirania é o princípio que rege os sonhos de liberdade dos oprimidos. Porém, a solidariedade entre os bichos também reforça os laços da filadelfia, da irmandade, de modo que uns podem ajudar aos outros. Vida longa; Fazenda animal; Viva Napoleão!
De um momento para outro, o homem instiga o porco a reconhecer que todos os animais são iguais, mas “alguns são mais iguais que outros”! Outra falácia para enganar os animais quanto à semelhança com os humanos. Por conseguinte, eles também precisam de muralhas que possam protegê-los dos inimigos. Mas a ganância e a crueldade dos poderosos também se reproduzem nos animais, vítimas de sua própria loucura, mesmo “esperando contra toda esperança”. No final, com a expectação frustrada pela nostalgia de algum tempo distante, tudo parece recomeçar do zero, de onde a esperança e a vontade de gozar da liberdade sonhada brilham no horizonte de novas perspectivas de conquistas, de vitórias. Ou seja, percebendo a impostação do conjunto da obra, a inspiração da racionalidade humana respinga no mundo dos animais, com desejos de superação de si mesma na contraluz da irracionalidade dos bichos em revolução. Mas é como diria La Fontaine: “Sirvo-me dos animais para instruir os homens”. Com efeito, essa parece ser a legenda mais eficaz e producente quando imaginamos que, pelo andar da carruagem, nós, os humanos, por vontade própria de humanização dos bichos, escorregamos, pressurosamente, para a animalização dos humanos.
Por fim, ousaria até dizer que estamos transitando da era dos humanos para a era dos bichos, como já aconteceu em algum tempo e em lugares, bem distantes, perdidos nas sombras inimagináveis da história. Pena que, quando desaparecermos, por mais brilhantes e racionais que sejam os bichos – como desejam algumas fantasiosas intuições acadêmicas, inclusive na área do Direito em universidades modernas, do Brasil e do mundo – eles nada poderão dizer ou contar da era dos humanos. Com efeito, quando estivermos esparsos e diluídos no espaço sideral do esquecimento, nada mais seremos além de uma massa informe nas lentes controversas dos próprios bichos. Quem viver verá quão irracionais teremos sido nós, que teremos perdido para os irracionais, que nunca se levantarão de suas patas nem conseguirão ser inteligentes como os humanos. Sinceramente, na real, considero um grande risco o fato de os humanos tentarem humanizar os animis, enquanto, ele mesmo, também parece [eu escrevi “parece”, o que supõe incerteza e dúvida] se bestificar, animalizando-se. (PGRS)