quarta-feira, 4 de agosto de 2021

 

No dia do Padre, lembramos o Pe. Gilson Garcia 

História que não é contada também pode não se tornar conhecida. É, pois, com esse sentimento de investigador que eu gostaria de apresentar ao ilustre leitor traços da personalidade e da existência do Padre Gilson Garcia de Melo (1936-2020), sacerdote, filho de Rosário do Catete, em Sergipe, e, portanto, da Arquidiocese de Aracaju, onde exerceu a maior parte do ministério sacerdotal.

O retrovisor da história é um espelho biocronológico que nos mostra um pouco de quem somos. Evidentemente, essa perspectiva é limitada pela parcialidade com que vemos as coisas e as pessoas. Com efeito, a luminosidade de uma existência é bem maior do que as sombras eventuais que acobertam e escondem a plenitude da singularidade de cada ser humano. Desse modo, com a possibilidade da interpretação dos eventos históricos e, por isso mesmo, dos fatos propriamente humanos, podemos correr o risco das incertezas, das informações penetradas por brechas incompreensíveis da totalidade do indivíduo, o que, de alguma maneira, poderia ainda nos deixar à margem do que, de verdade, intencionamos dizer ou abordar da vida e da existência do homenageado. Mas a vida é sempre maior do que ela mesma, sobretudo, no sentido do que conseguimos abraçar da sua substância no jardim das palavras, no canteiro das emoções vistas por terceiros e, também, pela superfície que o horizonte de nossas percepções pode atingir ou alcançar. Contudo, não obstante o véu temporal que nos limita as fronteiras do conhecimento do outro, isso não nos impede o ensaio ou o esforço de recordação das folhas caídas de sua vida. Mais do que isso: de fato, nossa intenção mais premente é também orientada pelo desejo de não abandonar ao esquecimento vulnerável da nossa memória a envergadura de uma das personalidades da Igreja em Sergipe, de trânsito livre pelas dioceses da Província Eclesiástica de Aracaju – Dioceses de Propriá e Estância – inclusive, muito consultado e recorrido para tradução de bulas e textos latinos, por causa da formação linguística que possuía.

Desse modo, a concretização do pensamento, passando por estágios de elaboração e envolvimento existencial, quer trazer também perspectivas filosóficas e antropológicas próprias da essência humana. Nesse contexto, a morte é apenas o pano de fundo que reflete a hermenêutica da argumentação, porquanto o sentido da morte, ou o que nos espera depois dela, pode ser contextualizado somente por figuras ou imagens sombrias, não muito compreensíveis na sua totalidade, como num quadro escuro sombreado de luz, que mais esconde do que nos revela a consciência temporal do nosso ser. Esse é um dos aspectos da reflexão panegírica, mas não o único. Por isso, numa dimensão mais misteriosa do ponto de vista do âmago do sacerdócio, que transcende as barreiras do aparentemente perceptível às nossas emoções, também gostaríamos de adentrar no mérito da grandeza do ser sacerdotal, como quis e o desejou o próprio Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote. Eterno Sacerdote e Eterna Vítima.

Portanto, o texto quer ser também uma oportunidade de reflexão e amadurecimento eclesial sobre a figura do sacerdote, que não é anjo, nem santo, nem demônio – na verdade, um pecador entre os pecadores – mas que está revestido da caridade de Cristo – Caritas Christi – para o bem do povo de Deus. Com efeito, é a Palavra de Deus que o afirma: “Porquanto todo sumo sacerdote, tirado do meio do homens, é constituído por Deus em favor dos homens em suas relações com Deus. A sua função é oferecer dons e sacrifícios pelos pecados”. (Hb 5,1-2). Infelizmente, muitas vezes, essa percepção é obscurecida por vislumbres humanos, que parecem falar mais alto, enfraquecendo a plenitude do dom sacerdotal.

O zelo pastoral, por exemplo, com que o pastor das ovelhas deve conduzir o rebanho, é uma dimensão importantíssima, especialmente, quando vivemos num mundo pluricultural em que, muitas vezes, vozes dissonantes da verdade do Evangelho tentam contradizer a profundidade do seu fundamento e da sua vinculação à vivência cristã. Por isso, a centralidade da luz de Cristo ganha força e exigências inescusáveis diante do papel do pregador. A expressão é do Papa Bento XVI: “Sem a luz de Cristo, a luz da razão não é suficiente para iluminar a humanidade e o mundo”. (Apud Rowland, 2013, p. 36). O papa tem consciência de que, sem Cristo, o caminho da humanidade é marcado por tragédias e barbáries que descaracterizam, ao extremo, a sublimidade da pessoa humana e da sua dignidade, porque Ele deve ser o centro gravitacional de toda aspiração quanto às realizações também humanas.

Antes de concluir as páginas que intitulei de Mors principium immortalitatisa morte é o princípio da imortalidade – inspirado num pensamento de Maximilien de Robespierre, teci alguns comentários sobre a realidade efêmera da vida humana, isto é, a transitoriedade de tudo que passa no escoadouro do cronos. Assim, talvez o fio esgarçado do tempo cure as feridas da saudade. E “A saudade é o rosto da eternidade refletido no rio do tempo”. (Alves, 2011, p. 146). Saudade do que não vivemos em plenitude! Saudade que nos devolve, no sentimento da gratidão, a grandeza da existência humana na terra, que transcende para a eternidade.