quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Início do Evangelho de São Marcos

Início do Evangelho de São Marcos

 



Na primeira página do Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos, encontramos três episódios importantes da vida histórica de Jesus, que, de sua revelação humana, nos mostrará o mistério escondido de sua própria divindade. Não é por acaso que o Evangelista inicia o texto com o grande anúncio que percorrerá todo o caminho da revelação do Filho de Deus: “Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (Mc 1,1). Aí está todo o programa teológico da vida de Jesus no meio dos homens, igual a nós em tudo, exceto, no pecado.

Eis, pois, que, logo no começo do Evangelho, nos deparamos com a “pregação de João Batista” (vv. 1-8), “o Batismo de Jesus” (vv. 9-11) e a “tentação de Jesus nos deserto” (vv. 12-13). Na verdade, são três situações que envolvem a preparação do ministério de Jesus em sua terra. Nesse texto, Jesus já aparece grande, crescido, saindo do tempo de seu escondimento para revelar publicamente o seu projeto missionário. O texto não fala de nascimento, de infância, da vida de Cristo junto aos seus pais nos primeiros anos de sua existência. 

 


João Batista, o Batizador, era conhecido como o “precursor do Messias”, que desde os tempos antigos era anunciado pelas Escrituras como o Salvador da humanidade, envolta nas trevas do pecado. O profeta Isaías já falava dele quando disse: “Eis que envio o meu mensageiro à tua frente, para preparar o teu caminho. Uma voz que grita no deserto: preparai o caminho do senhor, endireitai suas veredas” (Mc 1,2-3). E João Batista foi pelo deserto, proclamando um batismo de arrependimento para o perdão dos pecados. E de toda a Judeia e de Jerusalém todos iam a ele, deixando-se batizar por ele nas águas do Rio Jordão, e confessando seus pecados (Mc 1,4-5). Mais adiante, João Batista se encarrega de dizer que, depois dele, virá Aquele que não batizará mais com água, como ele o fizera, mas batizará a todos com o “Espírito Santo” (vv. 7-8).

Para surpresa de João Batista, “Cristo entra na fila dos pecadores” para também fazer-se batizar por ele. O Evangelho de Marcos é sucinto, não entra em muitos detalhes, mas afirma que, naqueles dias, Jesus viera de Nazaré da Galileia e foi batizado por João no Rio Jordão. E assim que ele saiu das águas, João viu o céu se abrindo e o Espírito Santo descer sobre ele em forma de pomba, enquanto uma voz, vinda do céu, dizia: “Tu és o meu filho amado, no qual eu pus todo o meu prazer” (Mc 1,11). Jesus é o único capaz de oferecer ao Pai a obediência incondicional por toda a sua vida celestial e terrena. E Ele o faz em favor dos homens todos, de todos os pecadores do mundo que manifestam desobediência ao projeto de salvação de Deus.

Por causa dos caminhos estreitos e, muitas vezes, obscuros de nosso raciocínio teológico quanto à revelação de Deus, precisamos recorrer, de maneira lúcida e serena, a ideias mais luminosas de pensadores que nos ajudem a clarear mais o mistério escondido nas profundezas das próprias ações divinas. Por que Jesus se deixa batizar, se Ele é o Filho do Deus, o Puro, o Santo, o Imaculado, sem sombra de pecado? Se o batismo serve para apagar o “pecado originado”, como aprendemos na Teologia, que sentido tem o Batismo de Cristo para nossa compreensão catequética? É uma pergunta, aparentemente simples, que todos fazemos. Até João Batista demonstrou reação de surpresa diante da iniciativa de Jesus: “Eu é que tenho necessidade de ser batizado por Ti, e Tu vens a mim?”. Ao que Cristo lhe respondeu: “Por enquanto, deixa como está, para que assim seja cumprida toda a justiça” (Mt 3,13-14). 

 



Sobre o Batismo de Jesus, o Papa Bento XVI coloca-o dentro do contexto da narrativa das tentações, à luz do texto de São Mateus (Mt 4,1-11), afirmando que tal narrativa “surge a seguir ao relato do Batismo de Jesus, no qual se prefigura o mistério da Morte e Ressurreição, do pecado e da redenção, do pecado e do perdão: Jesus desce à profundidade do Jordão. A submersão no rio é uma representação simbólica do processo de morte. É sepultada a antiga vida, para que assim possa surgir a vida nova. Como no próprio Jesus não há pecado, nem antiga vida para sepultar, a aceitação do batismo constitui uma antecipação da Cruz, ingresso no nosso destino, aceitação dos nossos pecados sobre Si e da nossa morte. No momento em que Jesus emerge das águas, abre-se o céu de par em par e dele surge a voz com que o Pai O reconhece como Seu Filho. O céu aberto é um sinal de que esta descida até nossas noites abre o novo dia, de que o muro entre Deus e o homem é derrubado através dessa identificação do Filho conosco; Deus deixou de ser o Inacessível; nas profundezas da morte e de nossos pecados, aí está Ele em busca de nós e a levar-nos de novo para a luz. Neste sentido, o Batismo de Jesus antecipa o drama de Sua vida e morte, ao mesmo tempo que no-lo interpreta”. Assumindo sobre Si as nossas dores e os nossos pecados, a pobreza de nossa vida interior se transfigura e se ilumina diante da Sua. Por isso que Ele é a “justiça” de Deus para todos nós. Não se trata de uma “justiça” ao alcance dos olhos humanos, no sentido de que cada um recebe o que merece pelos seus próprios méritos ou deméritos. É Deus mesmo, por meio do Filho, que refaz o caminho da escuridão do pecado para a luz da graça redentora da qual nos afastamos por conta própria e com tanta facilidade. 



O mistério que a Encarnação de Cristo encerra na plenitude da Revelação de Deus atravessa todo o mistério de nossa humanidade redenta por Ele. Nada fica de fora quanto à dimensão mais radical e profunda da chegada do Filho de Deus entre nós, sobretudo, pelos efeitos inauditos de Sua redenção. Ele se rebaixou, esvaziando-se de seu ser igual a Deus (Fl 2,6-8), para que pudéssemos ser elevados à Sua estatura de Filho de Deus. De fato, nos tornamos “filhos” no “Filho”.