segunda-feira, 14 de maio de 2012

O Preço da Cultura Erudita!

                                      O PREÇO DA CULTURA ERUDITA 

                              

Quem nunca se sentiu fascinado por uma inteligência brilhante, daquelas que fazem de cada rasgo de suas intuições um brilho diferente em suas argumentações? Quem nunca se sentiu empolgado pelo discurso rápido e improvisado de mentes privilegiadas pela memória acumulada das informações nunca saciadas pela sede do saber? Quem nunca sentiu um pouco de inveja, até com vontade de disputa, de inteligências genais por conta de sua criatividade relâmpago nas pujanças de suas elucubrações ferinas e cortantes, sem dar chance ao adversário de garantir a lucidez de sua defesa?

A cultura de um homem pode ser reflexo de buscas incansáveis e perseverantes pela inquietação do saber. Mas onde nasce o patrimônio cultural do indivíduo? Não podemos esquecer-nos de que, mesmo os homens brilhantes e geniais que surgiram ao longo da história pelo talento de sua memória, tiveram e têm o desafio constante da peleja pelo conhecimento. Ainda bem que a memória do cérebro ou da inteligência não ocupa espaço físico dentro do crânio. De fato, nunca podemos esgotar as possibilidades de armazenamentos do saber, cuja medida nunca enche suficientemente. Por isso que há pessoas muito inquietas quanto aos limites das conquistas intelectuais. São pessoas do tipo que sempre estão à frente do corriqueiro jeito de adquirir vantagens cognoscitivas diante dos outros, inclusive, desafiando e perturbando seus mestres pela esperteza repentina de sua criatividade surpreendentemente lógica na hora de se subtraíram aos circunstanciais vexames. Conta-se que, na sala de aula, o poeta árabe Khalil Gibran sempre perturbava os professores com sua inteligência afiada e surpreendente. Um dia, um professor se aborreceu e lhe disse que ninguém poderia subir uma escada sem respeitar a progressão dos degraus, grimpando-os um por um. Então, ele respondeu, enfaticamente: “Professor, as águias não sobem escadas!”.

O fato é que a cultura erudita tem seu preço. Houve um tempo, sobretudo, quando eu era estudante de filosofia em Brasília, em que eu cismei de entrar nas livrarias por causa do alto preço dos livros acadêmicos. Interessava-me por muitos títulos importantes, mas a pobreza estudantil do momento não me permitia adquirir todos os desejados. Depois, consegui ajuda de uma família nordestina, que, morando na capital federal, adotou-me como afilhado, o que me favoreceu condições de comprar alguns livros durante o tempo de estudo. Claro, se o Papa Joao Paulo II também teve madrinha, por que eu não poderia ter? Deus sabe das pessoas que vai colocando em nosso caminho, como, de igual modo, ele conhece as necessidades de cada um que se dispõe a seguir seus passos. O carinho e a amizade de todos perduram até os dias de hoje. Foi um auxílio da Providência divina, cujos caminhos nos são desconhecidos. Nesse sentido, ele sempre foi muito pródigo comigo. Mas, uma coisa é você poder ter o seu livro didático, que possa ser lido segundo as circunstâncias temporais de suas disposições, inclusive, rabiscando-o se necessário. Outra coisa é, por exemplo, estar condicionado às exigências das bibliotecas que podemos, oportunamente, frequentar. Atualmente, vez por outra, ocorre-me de entrar em uma livraria para ver as novidades literárias e musicais. Sim, musicais também. Música também é cultura! Mas esse é outro assunto. Então, fico surpreso com o preço dos livros. Se o livro também é um veículo de comunicação e cultura, não podemos abrir mão deles, não obstante as possibilidades infinitas de conhecimento que a cibernética moderna tem nos apresentado com o advento da internet.

Como os livros são caros, precisamos de disciplina financeira para adquiri-los, também economizando os gastos desnecessários, e sacrificando, se for o caso, ainda as distrações exageradas do divertimento. Ou seja, que, se quisermos nos tornar amigos da cultura e do saber, não somente daqueles conseguidos com os arquivos universitários de nossa formação acadêmica, mas dos que podem ser alcançados pela exigência da leitura, devemos investir na compra de livros que nos sejam úteis no processo permanente de aprendizagem. Infelizmente, há pessoas que depois da “formatura”, nunca mais leem um livro. Como avançar, então, no universo competitivo da modernidade, sem o esforço constante do aprimoramento nos diversos níveis da ciência? Claro que não podemos ambicionar o conhecimento erudito como tivemos um tempo, sobretudo, quando as portas do conhecimento não se limitavam aos gonzos impostos pela divisão das áreas da ciência, à maneira do que entendemos hoje. Aliás, a particularização do saber tornou-se mais um problema comercial e de intercâmbio instrumental financeiro do que uma dificuldade propriamente dita no sentido da incapacidade humana em apreender maior amplidão das ciências. Por isso, é preciso ousar, dispondo de mais tempo dedicado ao enriquecimento do saber pelo expediente progressivo da leitura. Nesse sentido, não posso esquecer-me de Dom Luciano Duarte, que, nos tempos idos do final da década de oitenta, instigava os seminaristas a folhear, quase sem descanso, livros de literatura universal, inclusive, interessando-se pelos problemas da atualidade, no Brasil e no exterior, que estampavam as páginas de jornais do mundo inteiro.

Num país intelectualmente preguiçoso, como poderia ser o Brasil – onde os estudantes, ausentes das escolas ou das universidades por causa das greves intermináveis, que solapam as fontes do conhecimento e os precipitam na ociosidade do “não ter nada para fazer”, distraem-se com programas televisivos violentos e incultos – como poderíamos ser motivados à leitura? E o que dizer do tempo perdido nas malhas do “face book”, com diálogos estéreis e infrutíferos, distanciando as pessoas do universo cultural decente e digno do progresso que tentamos deixar para as gerações do porvir? Pensem num adolescente que, fechado dentro de um quarto, e conectado com o mundo inteiro – e esse é um dos privilégios da modernidade – mas separado do próprio convívio familiar e social, por conta de, por exemplo, dezoito horas diante do computador! O problema não é o avanço da tecnologia nem as possibilidades que ela, ao lado das ciências modernas, tão prodigiosas e eficientes, pode garantir-nos em relação à comodidade, mas o que se torna perigoso e desafiador é a maneira como nos posicionamos diante dela, porque nada poderá mudar nem substituir o que é próprio de nossa humanidade, a inteligência de que fomos dotados. Por conseguinte, como “substituir”, entre aspas, os vultos inspiradores de cultura que estão desaparecendo do cenário social?

Aqui em Sergipe, alguns focos de cultura estão se apagando, lentamente, sob as cinzas corrosivas das ruínas do tempo. Estamos perdendo homens de inteligência brilhante, apurada e crítica, algo que conseguiram alcançar com muito estudo e empenho à construção do patrimônio do saber que levarão consigo quando se forem definitivamente do nosso meio. Todavia, ao contrário do que poderia afirmar Börne, escritor alemão, foram e são homens que não “economizaram inteligência” como outros que fazem contenção de gastos pecuniários. Na verdade, o trocadilho nada mais é do que o reverso da dimensão interior do homem que se empobrece sempre mais intelectualmente quando tenta economizar dinheiro para não investir na aquisição do conhecimento. Então, é preciso ter muito mais do que disposição de espírito e boa vontade para não se perder no redemoinho barulhento e dissonante da modernidade tecnológica, pois, embora possamos supor a indecifrável inteligência das máquinas, “inteligente [mesmo] só gente!”.