segunda-feira, 11 de junho de 2012

O Evangelho de São Marcos

                       O EVANGELHO DE SÃO MARCOS 
  
                                    

Com o advento do Concílio Vaticano II, a Liturgia da Igreja muito se renovou e se enriqueceu, sobretudo, com as novas perspectivas de leitura durante as celebrações eucarísticas. Assim, a monotonia rígida dos textos lidos no culto divino, foi favorecida pela riqueza oportuna da multiplicidade de sugestões de textos, cuja criatividade dividiu os anos Litúrgicos em “A”, “B” e “C”. Respectivamente, estes anos correspondem aos Evangelho de Mateus, Maços e Lucas. Mas, no momento, ocupar-nos-emos do Ano “B”, isto é, do Evangelho de São Marcos. 

O horizonte teológico do referido Evangelho, descortina-se logo no início do Texto: “Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (Mc 1,1). Poderíamos dizer que se trata de uma frase síntese que irá avançando em direção ao que, no final, o próprio evangelista quer reafirmar de modo mais categórico e convincente pela boca pagã de um centurião: “Verdadeiramente este homem era filho de Deus” (Mc 15,39). Eis, pois, o Evangelho, a Boa-nova que o autor sagrado quer anunciar com a chegada do Filho de Deus, Jesus, entre os homens. É a instauração do “Reino de Deus” que se inicia com sua pessoa e suas obras. Com ele, as promessas antigas de libertação e a superação de todas as crises de fé do Israel antigo, tornam-se mais evidentes e possíveis de concretização. Desse modo, reconhecendo a soberania divina em meio a tribulações – o exílio provocou grande frustração e desconfiança em relação às dimensões políticas e sociais no âmbito da fé – a esperança passa a um grau mais espiritual, messiânico ou mesmo escatológico. Por isto, a cristologia apresentada por Marcos está imbuída da convicção de que embora o Reino comece a se projetar já “na presença e atividade de Jesus, em particular na sua comunhão de vida com os discípulos, ele se realizaria totalmente somente na parusia gloriosa do Filho do Homem (13,24-27)” (Angélico Poppi). Na verdade, a tensão entre presente e futuro, marca profundamente o mistério do fim dos tempos escondido no segredo de Deus. 

Outrossim, quem é Jesus para Marcos? O que ele gostaria de revelar a respeito de Jesus de Nazaré? Qual sua verdadeira identidade? Como captar, sob o véu da cristologia esparsa na complexidade do texto, a essência de sua mensagem sobre o “Filho de Deus”? Este título é manifestado no Batismo (Mc 1,11), na Transfiguração (Mc 9,7) e, de igual maneira, na proclamação dos demônios (Mc 3,11; 5,7). Inicialmente, essa compreensão de Jesus deve permanecer velada, não manifesta de modo público ou às escâncaras. Daí a necessidade do chamado “segredo messiânico”, um expediente cristológico solicitado pelo evangelista, quando o próprio Cristo insiste para que não se diga nada a ninguém (Mc 1,44; 5,43; 7,36; 8,26; 8,30; 9,9). A intenção pedagógica de Cristo para recomendar tal “proibição”, tinha a ver com a falsa concepção que muitos tinham de sua verdadeira missão salvífica. Equívocos e más interpretações não deveriam mudar a direção de sua “subida à Jerusalém” onde cumpriria até o fim as consequências de sua incondicional obediência ao Pai. Tanto que depois dos três anúncios da Paixão e da negação de Pedro, a finalidade de sua missão se torna mais clara na consciência dos discípulos, embora, tudo se esclarecesse, definitivamente, apenas depois da “ressurreição dos mortos”. 

Tradicionalmente conhecido como o primeiro dos Evangelhos, ele também serviu de fonte para a escritura dos outros textos. Segundo os estudiosos, com o aparecimento dos outros Evangelhos, ele ficou, praticamente, obscurecido, de tal modo que, antes da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, ele era usado apenas quatro vezes no Lecionário Dominical. Isto se deu pelo fato de ele parecer “desordenado e com um perfil teológico pouco original e incisivo” (Angélico Poppi). Por conseguinte, o mesmo autor afirma que, no século XIX, verificou-se uma “redescoberta de Mc a nível crítico-literário. Com a afirmação da teoria sinótica das duas fontes (MK = Marcos e Q = Quelle, que significa “fonte” em alemão) por volta da metade do século XIX, Marcos foi considerado pela crítica histórica o evangelho mais antigo e a fonte principal para o material narrativo de Mt e Lc”. Destarte, ele faz parte dos “Evangelhos Sinóticos”. A expressão “sinótico” deve-se ao fato de eles serem idênticos em alguns pontos e temas. Se colocados numa estrutura paralela, de imediato, percebemos que, de fato, eles coincidem muito na forma literária e no conteúdo que apresentam. Sem dúvida, dependendo do destinatário, alguns acontecimentos da vida de Cristo – que é o pano de fundo de todas as narrativas – precisam ser mais explicados ou não. 

A verdade é que diante da complexidade que o texto desenvolve na esteira de sua mensagem, dizer algo de fundamentalmente sério numa breve reflexão sobre o livro é, na prática, quase impossível. Mas vale a pena a tentativa do esforço.