terça-feira, 24 de abril de 2012

Bento XVI e a eleição de um Papa vista de Roma (I)


BENTO XVI E A ELEIÇÃO DE UM PAPA VISTA DE ROMA (I) 

                                 

No último dia 19 de abril, o Santo Padre, o Papa Bento XVI, completou sete anos de pontificado. Imaginem que eu estava lá no meio buliçoso dos acontecimentos. Portanto, gostaria de partilhar com meus leitores, em dois textos, como vivi e experimentei aqueles dias de sua eleição à Cátedra Petrina. Reporto-me, pois, àquele instante histórico da Igreja de Cristo. A eleição de um papa vista de fora da Capela Sistina, mas de Roma, é uma graça que o bom Deus me está concedendo. Hoje, 18 de abril de 2005, segunda-feira, o Colégio dos Cardeais da Igreja de Roma se reúne em Conclave para a eleição do sucessor do Papa João Paulo II, e será o 265° (ducentésimo sexagésimo quinto) papa a assumir a cátedra de Pedro. Pela manhã, aconteceu a missa “Pro Eligendo Romano Pontifice” – para eleger o Romano Pontífice – evidenciando também o ingresso dos cardeais no Conclave – cum clavis – fechado com a chave – e eu estava lá, na Basílica Vaticana, qual testemunha histórica desse importante momento da vida da Igreja de Cristo, que, com a morte do Papa João Paulo II, no sábado de 2 de abril, apresenta-se com a Sede Vacante. Todavia, o Conclave não é um fato isolado da vida da Igreja como um todo. O Próprio Papa João Paulo II, na sua Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis, afirma que “em tempo de Sede Vacante e, sobretudo, durante o período em que se desenvolve a eleição do Sucessor de Pedro, a Igreja está unida de modo todo particular aos sagrados Pastores e especialmente aos Cardeais eleitores do Sumo Pontífice, e implora a Deus o novo Papa como dom de sua bondade e de sua providência. De fato, sobre o exemplo da primeira comunidade cristã, de que se fala nos Atos dos Apóstolos (cf.: 1,14), a Igreja universal, espiritualmente unida com Maria, mãe de Jesus, deve perseverar unanimemente na oração; assim, a eleição do novo Pontífice não será um fato isolado do Povo de Deus e alusivo apenas ao Colégio dos eleitores, mas, em certo sentido, uma ação de toda a Igreja” (cf.: n°. 84).

A celebração da missa foi presidida pelo Cardeal Decano do Colégio Cardinalício, Joseph Ratzinger, que, segundo a opinião de muitos, é um forte candidato à sucessão petrina. Muitos candidatos são apresentados pela imprensa e pelos comentaristas do Vaticano, ávidos de algo para dizer sobre o assunto, mas no final vencerá o Espírito Santo, o mesmo que tem conduzido a Igreja de Cristo até os dias de hoje, não obstante toda a aparência, muitas vezes real, da busca de poder e de prestígio no serviço a ser realizado em nome da própria Igreja de Cristo, o que aconteceu com determinada ênfase em várias conjunturas da História. Sendo a Igreja feita de homens pecadores, ninguém deve se surpreender ou se escandalizar com as “manobras políticas” que acontecem em algumas circunstâncias da vida interna da Igreja. Através das surpresas do Espírito Santo, poderá aparecer um papa, cujo nome não havia nem sequer sido mencionado pela maioria e que, de repente, virá eleito sendo, justamente, o eleito do Espírito Santo para conduzir a Igreja peregrina no dealbar do novo milênio. Como dizia o teólogo jesuíta, Francesco Rossi de Gasperis, em Jerusalém, num encontro que tivemos, “Deus faz o seu jogo santo nos jogos sujos dos homens!” Sábias palavras que, claro, foram citadas num contexto diverso daquele que vive a Igreja hoje, mas que, de certa maneira, podem também ser aplicadas ao aspecto humano da vida da Igreja.

O Conclave teve o seu início da tarde de hoje, 18 de abril, às dezesseis horas e trinta minutos, horário de Roma, mas que foi acompanhado pelo mundo inteiro através das lentes televisivas de jornalistas e repórteres que se encontram na “Cidade Eterna” para acompanhar o evento histórico do momento. Segundo informações da Secretaria de Estado do Vaticano, são mais de três mil e quinhentos jornalistas credenciados junto à Santa Sé.

Os cardeais encontram-se hospedados na Domus Sanctae Marthae – Casa de Santa Marta –, inaugurada por João Paulo II, há poucos anos. Quando ele foi benzer e inaugurar a casa, perguntou qual era o quarto do papa e lhe responderam: “Aqui não tem lugar para papa!” O fato é que a casa foi preparada especialmente para albergar os cardeais durante o Conclave e, em princípio, isso acontece apenas depois da morte do papa. Neste Conclave, são 115 cardeais eleitores. Depois de se reunirem na Sala da Benção do Palácio Apostólico, o Cardeal Decano dá início ao rito de ingresso no Conclave dizendo, em latim, a língua oficial da Igreja, o seguinte: In nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti. Amém. E a oração continua, em latim: “O Senhor, que guia os nossos corações no amor e na Paciência de Cristo, esteja com todos vós.” R- “E com o teu espírito”. Depois, continua: “Veneráveis irmãos, depois de termos celebrado os divinos mistérios, entraremos agora em Conclave para eleger o Romano Pontífice. Toda a Igreja unida a nós na oração, invoca instantemente a graça do Espírito Santo, para que seja eleito por nós um digno Pastor de todo o rebanho de Cristo. O Senhor dirija os nossos passos no caminho da verdade a fim de que, pela intercessão da sempre bem-aventurada Virgem Maria, dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo e de todos os Santos, façamos sempre o que lhe é agradável.”

Em seguida, forma-se a procissão. Dirigindo-se à Capela Sistina, todos saem da Casa de Santa Marta, em procissão, cantando a ladainha de todos os santos, incluindo os santos da Igreja do Oriente e do Ocidente. Uma vez adentrados na Capela Sistina, os cardeais ocupam cada um o seu próprio e devido lugar. O Livro dos Santos Evangelhos é colocado em um lugar adaptado e digno, de modo a presidir à celebração e às deliberações dos Cardeais até a eleição do Romano Pontífice. Acabada a litania com as invocações, o Cardeal Decano, estando em pé junto ao altar, entoa a invocação solene do Espírito Santo: Veni, creator Spiritus...  Subsequente a essa oração, vem feito pelos Cardeais o juramento, na presença de todos quantos participaram da procissão solene. O Cardeal Decano pronuncia, em voz alta, uma forma do juramento em que eles prometem, obrigam-se e juram “observar fielmente e escrupulosamente todas as prescrições contidas na Constituição Apostólica do Sumo Pontífice João Paulo II, Universi Dominici Gregis, emanada no dia 22 de fevereiro de 1996”.

Outra parte do juramento diz o seguinte: “Igualmente, prometemos, nos obrigamos e juramos que, qualquer um de nós que, por divina disposição, for eleito Romano Pontífice, empenhar-se-á em desenvolver fielmente o munus Petrinum de Pastor da Igreja universal e não deixará de afirmar e defender infatigavelmente os direitos espirituais e temporais, mas também a liberdade da Santa Sé.” Subitamente, cada um dos Cardeais eleitores, conforme a ordem de precedência, presta o juramento com esta fórmula: “E eu (N.), Cardeal (N.), prometo, obrigo-me e juro (colocando a mão sobre o Santo Evangelho). Assim, Deus me ajude e estes Santos Evangelhos que toco com a minha mão.” Então, tendo sido apresentado o juramento individual do último dos Cardeais eleitores, o Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias, o bispo Piero Marini, que tantas vezes o vimos ao lado do Papa João Paulo II, intima: “Extra Onmes!” – “Fora, todos!”. E os que não vão participar do Conclave abandonam a Capela Sistina. As portas são fechadas. São dezessete horas e trinta e sete minutos. É quase o começo do Conclave, faltando apenas a exortação que será apresentada pelo eclesiástico eleito para tal ocasião, segundo as normas do Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis. Para este Conclave, a sorte caiu sobre o Cardeal Tomas Spidlik, de 86 anos, que não é eleitor, pois só podem votar no Conclave os cardeais que não tiverem 80 anos completos. Ele deverá falar aos Cardeais eleitores da gravíssima responsabilidade que lhes compete e sobre a necessidade de que, na eleição do Romano Pontífice, ajam, em tudo, com reta intenção, procurando fazer apenas a vontade de Deus e olhando, tão somente, o bem de toda a Igreja. Terminado o aconselhamento, também o Cardeal Tomas Spidlik e o Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias devem deixar a Capela Sistina. É, pois, assim, que enceta, verdadeiramente, o primeiro e histórico Conclave do início do Terceiro Milênio. Dessa maneira, como no silêncio da noite da Sede Vacante que espera e se prepara para o encontro com uma nova aurora, acompanhamos os Cardeais eleitores em espírito de oração e vigília na esperança de que, por certo, dentro de poucos dias ouviremos, entusiasmados, o solene anúncio “Habemus Papam...” – “Temos Papa!”.

Quem será e como se chamará o próximo papa, não o sabemos ainda. A inquietação da imprensa e dos comentadores é muito intensa, e qualquer palpite não passa de palpite, isto é, não passa de um esforço de pressentimento ou de suspeita que se esvanece e se dissipa no ar como a fumaça preta subindo na chaminé da Capela Sistina e enchendo de curiosidade e espanto os milhares de olhos que se concentram na expectativa de saber se já fora eleito o novo papa. Contudo, a certeza só virá com a fumaça branca espalhando-se no céu de Roma e anunciando ao mundo inteiro o “Habemus Papam”, enquanto, na Basílica do Vaticano, soam os sinos para confirmar a chegada da boa notícia.