segunda-feira, 16 de abril de 2012

O retorno dos deuses e a injustiça do palácio da justiça!

O RETORNO DOS DEUSES E A INJUSTIÇA DO PALÁCIO DA JUSTIÇA

                                           
                                                             
                                                
Há alguns anos, eu escrevi um texto no distinto Jornal da Cidade de Aracaju, intitulado “a insanidade dos deuses”, no qual afirmava que “por não aceitarem ser ‘criaturas’, os homens acabam tentando usurpar o lugar de Deus, embora a insanidade dos deuses modernos seja um delírio que os aflige na inquietação de suas próprias limitações”. Pois, então, eis que os deuses retornam para cometer injustiças dentro do próprio palácio da justiça. Quer dizer, aqueles que deveriam tutelar o direito mais sagrado da pessoa, que é o direito à vida humana, inclusive, assegurado pela Constituição Federal, com todas as consequências e prerrogativas de sua dignidade, dizendo fazer “justiça”, eles terminam por autorizar, com raciocínios torpes, escusos e suspeitos, o assassinato de vidas indefensas.

Até parece uma brincadeira de mau gosto, imaginar que uma lei injusta, porque contrária às leis divinas, seja capaz de fazer descansar, de modo tranquilo e sereno, a consciência de uma mãe mortífera, que entrega sua cria, ou melhor, seu filho, para ser tragado pela brutalidade inconsequente dos carniceiros satânicos da modernidade. Quem os homens pensam que são? Senhores do bem e do mal? Detentores supremos do direito de decidir sobre quem deixar viver ou fazer morrer pela truculência de suas sentenças arbitrárias e levianas? Deuses? Bem dizia o pensador Proude que o homem é a única criatura para a quem a tortura e a morte de seus semelhantes são divertidas em si.

O fato é que o homem moderno tem se servido do avanço da tecnologia sofisticada para eliminar o sofrimento da vida das pessoas, patrocinando e causando o próprio sofrimento a si mesmo e a terceiros. E o que é o sofrimento? O dicionário Aurélio dá-nos as seguintes definições: “Ato ou efeito de sofrer; dor física; angústia, aflição, amargura; paciência, resignação: infortúnio; desastre”. Digamos que o Aurélio apresenta somente uma apreciação geral do que pode deixar o homem perturbado no agito indesejado de seus sentimentos. Todavia, tão grave é o crime de assassinar pessoas indefesas, como a declaração de possível interrupção da gravidez de anencéfalos, como decretou o Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 11 de abril, que nenhuma lei humana será capaz de amenizar, lenir ou mitigar a dor das consciências assassinas. Sim, porque, quando a ciência não era capaz de detectar as possíveis deformações de um embrião ou de um feto, eles poderiam desenvolver-se até o momento em que as condições físicas e temporais permitissem-no. Agora, há pressa em varrer, o mais rapidamente possível, do útero das mulheres, os fetos anencéfalos, sem constrangimento, nem respeito, nem dor pela destruição da vida alheia. E não sejamos ingênuos a ponto de pensar que vamos ficar só nisso. Preparemo-nos, pois, não vai demorar muito tempo, e outras pessoas terão o “direito” de liberarem-se ou de serem liberadas do sofrimento, por provocarem estorvos à sobrevivência de uma sociedade determinada pela raça pura, sem os condicionamentos molestadores dos imperfeitos, dos inúteis, dos improdutivos, enfim, dos que, por alguma razão, não estiverem à altura nem ao nível da maestria dos perfeitamente, irrepreensivelmente, acabados, e bem acabados.

Trata-se de pessoas que se tornarão um peso para a sociedade consumista, pragmática, onde só valem os produtivos. E aí, nessa lista de contraventores da lisura da perfeição social, poderíamos colocar os dementes, os velhos, os doentes em fase terminal, já inconscientes – auxiliados pelo processo de aceleração da morte, a eutanásia – os bandidos nas prisões, que dão um prejuízo incalculável aos cofres do Estado, os ladrões, também, os de colarinho branco, mesmo que o Congresso Nacional houvesse de ser fechado, de uma vez por todas, os políticos corruptos, e, por que não dizer (?), muitas outras pessoas, aparentemente normais, que se comportam como anencéfalos ambulantes, que andam por aí, em plena luz do dia, completamente desprovidas de cérebros, ditando, sobretudo, para os indefesos e vulneráveis dentro do sacrário da vida intrauterina, quem deve alcançar ou não a linha de chegada à existência, rompendo os grilhões do seio materno e desabrochando, de modo milagroso e surpreendente, no canteiro florido do mundo dos vivos. 


A vida do feto não é a vida da mãe. De fato, um novo ser existe dentro das condições naturais que o próprio Criador, Deus – e não os homens arvorados ao posto de Deus, como se eles mesmos fossem deuses – estabeleceu, a fim de que seu projeto criacional desse curso à preservação da espécie humana. Mesmo em casos de estupro, em que a lei já aprova a chance do aborto, não se trata de um “apêndice” da mãe nem de “uma coisa”, mas de uma vida própria, com todos os potenciais necessários à sobrevivência, caso deixem que se desenvolva na dinâmica do “tempo e da alimentação”, o que aconteceu a cada um de nós, também, ao meu ilustre leitor. Ou será que não? Que não tivemos um início no minúsculo universo criacional divino, onde a vida rebenta com todo o resplendor de sua criatividade extraordinária? Foi o pai da microbiologia, Luiz Pasteur, quem disse maravilhado: “Enquanto mais eu estudo o infinitamente pequeno, mais admiro o infinitamente grande”. E como tem peso a palavra de um cientista, quando todos gostaríamos de que ele fosse ateu e descrente, fechado e obtuso, na presunção de suas supostas descobertas. Os homens digam o que quiserem dizer, comportem-se como julgam que seja a “retidão” de suas intenções, mas nada poderá mudar os rumos intrínsecos às leis da natureza humana, segundo as disposições nelas colocadas desde todo o sempre. Como também o homem, por mais avançado que se considere no ramo da ciência e da técnica, nada, jamais, poderá mudar os anseios de seu coração desejoso de plenitude, pois, mesmo depois de viajar pela extensão do universo, cruzando o espaço sideral interestrelar, voltando a casa, ele sentar-se-á ao lado de si mesmo, e continuará chorando e lamentando os limites de sua finitude, os arroubos espinhosos de seus sofrimentos, a impotência de seus cálculos insuficientes e a angústia desesperada de todas as suas fatídicas incongruências.

Então, vamos seguir matando, eliminando as pessoas, e quando todos os considerados desqualificados à vida forem destruídos, ainda haverá muita sede de sangue e de morte no coração da besta humana que se tem demonstrado tão cruel e covarde. Que Deus tenha piedade de nós! E que seu amor sublime encoraje os vacilantes, mas desejosos de justiça e de paz quanto ao repeito pelo próximo, independentemente de suas condições físicas, psicológicas, espirituais, morais, sociais, econômicas. Não somos donos de nada. Não somos donos de ninguém. Pensemos na coragem daquela mulher “com espírito viril” do livro dos Macabeus, que viu todos os seus sete filhos torturados e mortos, enquanto ela mesma os encorajava a não desanimarem diante dos tormentos mais atrozes. Assim se expressa o texto sagrado: “Mas sobremaneira admirável e digna de abençoada memória foi a mãe, que, vendo morrer seus sete filhos no espaço de um só dia, soube portar-se animosamente por causa das esperanças que no Senhor depositava. A cada um deles exortava na língua de seus pais, cheia de nobre sentimentos, animando com coragem viril o seu raciocínio de mulher. E lhes dizia: ‘Não sei como é que viestes a aparecer no meu seio, nem fui eu que vos deu o espírito e a vida, nem também fui eu que dispus organicamente os elementos de cada um de vós. Mas o Criador do mundo, que formou o homem em seu nascimento e deu origem a todas as coisas, é ele quem vos retribuirá, na sua misericórdia, o espírito e a vida, uma vez que agora fazeis pouco caso de vós mesmos, por amor às suas leis’” (2Mc 7,20-23). Quem senão Deus é capaz de colocar a vida dentro do útero da mulher? E a senhora, dirigindo-se ao último filho, pediu-lhe com insistência: “Eu te suplico, meu filho, contempla o céu e a terra, e observa tudo o que neles existe. Reconhece que não foi de coisas existentes que Deus os fez, e que também o gênero humano surgiu da mesma forma. Não temas este carrasco. Ao contrário, tornando-te digno dos teus irmãos, aceita a morte, a fim de que eu torne a receber-te com eles na Misericórdia” (2Mc 7,28-29).

Claro que as motivações eram outras. No entanto, os jogos mortais de homens matando homens sempre obscureceram o sentido profundo de sua própria existência e dignidade. E o manto negro do silêncio continuará sufocando o grito engasgado de muitos outros indefesos nas garras letais de seus donos e senhores, que os trituram com requintes de crueldade sem que ninguém ouse posicionar-se contra. Espero que não seja necessário que Deus apague a luz projetada sobre o palco do mundo nem feche as cortinas de sua criação por causa da resistência acintosa de sua criatura mais brilhante e genial ou mais animalesca e demente, que é o próprio homem.