terça-feira, 17 de julho de 2012

No cálice da amizade, flores e espinhos

           NO CÁLICE DA AMIZADE, FLORES E ESPINHOS

                            

Já escutamos muitas frases bonitas sobre a amizade e os amigos: “A amizade não se improvisa. Surge como o sol do coração da noite”; “A amizade é o maior bem da vida”; “Quem encontra um amigo, encontra um tesouro”; “O amigo é o irmão que o coração escolheu”; “Fujam de mim os amigos, e de mim fugirão todos os meus tesouros!”; “Um amigo verdadeiro é alguém que crê em ti ainda que tu deixes de crer em ti mesmo”; “Cultivar um verdadeiro amigo requer dedicação e tempo”; “A amizade é o ingrediente mais importante na receita da vida”; “Uma vida sem amigos é como viver numa ilha deserta, sem água, sem alimentos, sem luz”; “Um verdadeiro amigo é alguém capaz de tocar teu coração desde o outro lado do mundo”; “Um verdadeiro amigo é alguém que te conhece tal como és, compreende onde tens estado, acompanha-te em teus lucros e teus fracassos, celebra tuas alegrias, compartilha tua dor e jamais te julga por teus erros”; “Quem descobre a verdadeira amizade, encontra-se com um tesouro”; “Que é um amigo? É uma única alma que vive em dois corpos”; “A amizade duplica nossas alegrias e divide nossa tristeza”; “Se plantares uma semente de amizade, recolherás um ramo de felicidade”; “Enquanto se tenha, ao menos um amigo, ninguém é inútil”; “É muito difícil encontrar um bom amigo, mais difícil ainda deixá-lo e impossível esquecê-lo”; “Amigos de verdade não se separam, apenas seguem caminhos diferentes”.

Tantos outros pensamentos poderiam ser elencados aqui. Certamente, você, caro leitor, deve ter os seus! No dia internacional da amizade, vale a pena recordar as boas coisas que a vida nos presenteou, sobretudo, em relação à amizade e aos amigos de verdade, que não nos abandonam nunca, mesmo quando as ciladas das “turbulências afetivas” pretendem estragar a colheita dos sentimentos bons que plantamos no canteiro da vida. De fato, como é bom e saudável a lembrança dos amigos e a companhia daqueles que nos demonstram carinho, afeto, admiração, apreço, consideração, enfim, simpatia recíproca nos diálogos necessários à proximidade dos amigos. A conversa franca e o espírito de camaradagem na cumplicidade da busca feliz da realização, a participação na vida do outro, a possibilidade de partilhar sonhos e anseios de realização pessoal ou profissional, o confronto com os desafios do bem-querer, a esperança de poder confiar suas lágrimas e tristezas a alguém, a certeza do desabafo seguro e confidente no apoio do ombro amigo, a satisfação carinhosa do acolhimento sincero, despretensioso, a felicidade em não se sentir sozinho nas agruras da existência, a presença longínqua na lembrança do amigo, que o reencontra no embalo da saudade, tudo isso são flores crescidas no cálice da amizade. Tudo isso é a manifestação grandiosa da multiplicidade dos sentidos na convivência fraterna, amiga, cordial diante do outro. No entanto, o mesmo cálice que abriga as flores da beleza festiva dos sentimentos, também acolhe espinhos no desajeitado incômodo, consciente ou não, das feridas afetivas.

Como gostaríamos que as amizades fossem perfeitas, que todos os nossos amigos nunca saboreassem o desgosto afetivo dos contratempos relacionais! Mas não existe amizade perfeita, porque os amigos não são perfeitos. Trata-se, então, de uma realidade a ser também considerada no ninho da rede desconfortável dos pressentimentos. Assim como a vida é maior que todos os seus problemas, do mesmo modo deveriam ser as amizades e os amigos. É muito ruim quando as amizades se destroem sem a possibilidade do diálogo. Na verdade, indiferença e dureza diante das vicissitudes indesejadas no comportamento com os outros, só aumentam o tamanho da ferida, com toda a carga de dor e sofrimento que lhe é devida. Com efeito, quando duas ou mais pessoas andam pela mesma estrada, uma delas não pode errar o caminho sozinha. Infelizmente, pode acontecer de a responsabilidade ser atribuída somente a uma das partes. Desse modo, no banquete da amizade, é muito triste quando o preço da conta não é partilhado pelos comensais envolvidos na consumação de seu repasto. Quem nunca fez experiências desse tipo? Quem nunca se debateu diante de incongruências concernentes ao círculo de amigos? Difícil é saber quem nunca tenha sido atingido pelas flechas projetadas pelo orgulho ferido na voragem inconsequente da reciprocidade interesseira!

Negar ao outro o direito de resposta no protagonismo envolvente da amizade é trair a própria consciência de participação na bondade ou na desfortuna da infidelidade diante do amigo. É esconder-se na utopia de pensar-se isento de culpa, quando não estão evidenciadas as concessões favoráveis às cobiças mesquinhas e escusas da vantagem das disposições alheias. Dada a possível complexidade do discurso, tudo isso poderia ser sintetizado em uma pergunta: “O que, realmente, eu busco, em relação aos amigos, às amizades?” Claro que a resposta é livre, mas tenho certeza de que muitos não encontrarão serenidade no balanço consciente de suas convicções mais profundas. Então, façamos um bom e válido exame de consciência para redescobrirmos o valor e a dignidade da presença dos autênticos amigos em derredor de nós. Não nos deixemos cair na cilada do distanciamento por circunstâncias improvisadas da inexperiência – ou da falta de maturidade – por tudo aquilo de bom que vivemos juntos na vivência comprometida da verdadeira amizade. Sem dúvida, não é possível que nada tenha sobrado das diligências de preocupação, desvelo, cuidado, vigilância, dedicação e cordialidade nos tempos de bonança afetiva do abraço dos amigos. Não já disseram que a arte de viver consiste no fato de podermos tirar o maior bem do maior mal possível? Não valeria essa consciência reflexiva no depoimento das amizades? Se não fosse assim, como, então, poderíamos superar a nós mesmos, nossos próprios fracassos, nossas próprias limitações? Por isso que já afirmaram que o homem só é capaz de amadurecer quando ele puder superar a si mesmo. E superar a si mesmo é dar-se a possibilidade de rever os erros relacionais, as atitudes suspeitas de provocação e acinte diante dos iguais, dos semelhantes.

Dessa necessidade de sobrevivência relacional, podem brotar muitas e surpreendentes descobertas do quanto vale o outro, do quanto importa aquele que, não por vontade própria, mas por conjunturas alheias ao seu alvedrio, encontrou-se enrascado na aventura perigosa dos afetos atraídos e traídos, sentidos e ressentidos, repulsos. Essa “aventura perigosa dos afetos” pode significar o estrago que os espinhos poderiam trazer à beleza e ao perfume das bonitas amizades. Mas a teologia dos espinhos não deixa de ter o seu valor. Basta que saibamos cuidar da preciosidade da flor que está protegida pela suposta agressividade dos espinhos, para percebermos que uma amizade isenta de contrariedades pode não resistir às tempestades arbitrárias do desconhecido mundo da afetividade. Por isso que no “cálice da amizade”, há flores e espinhos juntos. Mais ou menos, como na afirmação do Pe. Fábio de Melo: “Flores e espinhos são belezas que se dão juntas. Não queira uma só, elas não sabem viver sozinhas. Quem quiser levar a rosa para sua vida, terá que saber que com ela vão inúmeros espinhos. Mas não se preocupe, a beleza da rosa vale o incômodo dos espinhos…". Que feliz coincidência! No início de minha reflexão, não pensei que eu poderia deparar-me com a significativa colocação de meu irmão no sacerdócio de Cristo. Como diria Jesus, pela comparação das ideias, não estamos muito longe do reino dos céus!

Realmente, uma amizade sem espinho é como um canteiro de flores desprotegidas e vulneráveis na superficialidade de sua exposição indefesa à brutalidade dos agressores. Nesse contexto, mais do que lamentar as perdas afetivas dentro do circuito das amizades, deveríamos valorar mais aquelas que ainda não se perderam no labirinto vicioso das conjecturas provocativas das inabilidades sentimentais do turbilhão de nossas afeições, simpatias, inclinações, presunções e desejos de mutualidade e amor. Não obstante tudo, a verdade é que só amamos as pessoas até onde elas permitem que participemos de sua história, de sua vida.