terça-feira, 24 de julho de 2012

Ovelhas sem Pastor

Ovelhas sem Pastor 


No Evangelho de Marcos, 6,30-43, eis que encontramos Jesus com os discípulos diante das multidões, que o procuravam, e se compadece delas porque “eram como ovelhas sem Pastor”. Os povos famintos por justiça e verdade, sempre se perceberam enganados pelos líderes que estão mais interessados em si mesmos do que pelo bem-estar daqueles que são seus súditos. Então, assim que aparece um novo charlatão prometendo isso e aquilo, as multidões não deixam de ir atrás dele pela força do fascínio e da atração de discursos falaciosos e ilusórios. 

Dificilmente, no meio da agitação de seguidores desejosos de pão e de conhecimento, apresenta-se alguém que, de fato, esteja preocupado com as necessidades do povo. Certamente, cansado de promessas falsas de quem quer somente atingir algum cargo eleitoreiro – que o digam os políticos de plantão às portas das eleições – Jesus parece mostrar algo diferente à curiosidade de todos que o cercam. Ele sabe dos desafios que provocam o povo usado pelos falsos pastores de Israel, que não cumprem com fidelidade e perseverança as exigências de sua missão. Olhando os campos da Palestina, como é comovente ver a importância dos pastores de ovelhas que cuidam de cada uma delas com a mesma atenção e desvelo. O cajado para defender as ovelhas é um símbolo muito rico nos lábios de Jesus, que se apresenta como o “Bom Pastor”, diante do qual todos podem encontrar segurança e consolo nas “verdes pastagens” de sua presença. Ele não é como os falsos pastores que pensam apenas em usufruir de tudo aquilo que as ovelhas possam favorecer às suas ambições. 

Não somente, Cristo acolhe todas as ovelhas de Israel, todos os filhos de Deus, mas, ele também se derrama em compaixão, participando de suas dores, curando suas feridas, aliviando o fardo pesado de suas preocupações, ensinado as coisas de Deus, revelando as intenções mais secretas do coração do Pai amoroso e fiel, que não faz distinção de pessoas, e ama todos com igual intensidade e misericórdia. Com efeito, a dimensão profunda de sua manifestação amorosa chega a todos os que se abrem à riqueza insondável de Cristo, o Filho de Deus feito homem, caminheiro conosco pelas estradas empoeiradas da terra. Como afirmaria Daniel Rops, “a pureza [dos sentimentos] de Cristo é como um cristal sem falha”. Ele se compadece de todos nós, de todas as nossas misérias humanas, de todos os nossos pecados. Ele vem ao nosso encontro para ajudar-nos a caminhar pela sinuosa estrada das pedras de nosso desequilíbrio interior. É, pois, esse Deus, visível e presente, quem alimenta a esperança de que não estamos sozinhos no mundo. Ele dá-nos a certeza de que somos seu povo eleito, escolhido e amado, na radicalidade de sua misericórdia. O problema é que nem sempre estamos dispostos a ouvir a voz do Bom Pastor, que é Jesus. Por que será que somos tão arredios e rebeldes à doce voz daquele que não quer outra coisa senão o nosso próprio bem e a nossa plena felicidade? Por que será que preferimos seguir a autossuficiência das escolhas erradas que fazemos a deixar conduzir-nos pela segurança bendita da orientação do Senhor, o nosso Bom Deus? 

A voz de Deus sempre foi um incômodo a ser vencido na aspereza quotidiana da secura espiritual de todos os tempos. Também na sociedade contemporânea, na qual o materialismo enche cada vez mais a vida das pessoas, tornando-as vazias de Deus, a voz divina parece estar sufocada pelo barulho dissonante do consumismo exagerado das vozes do mundo, o que não permite que os apelos divinos à penitência e à conversão encontrem ecos dentro da consciência perturbada do homem moderno, que só escuta o próprio eu e as aspirações mais danosas à tranquilidade de seu espírito. Na verdade, o pecado do povo de Israel, de abandono e desprezo às leis divinas e ao comportamento digno dos eleitos de Deus, demonstra-se sempre o mesmo em todos os tempos e em todas as civilizações. De fato, o desespero da busca frenética pela felicidade sem Deus, é o contexto mais trágico e pernicioso no qual o homem se debate, sem sucesso, quando pensa poder desvencilhar-se daquele que é a razão de seu ser, de sua existência, de sua vida, com tudo aquilo que ela pode proporcionar-lhe na moldura temporal de todas as suas vicissitudes e possibilidades de realização. Somente quando o homem descobrir que a sua nobreza é consequência da grandeza radical de sua total dependência à soberania divina – que tudo criou e preserva com sabedoria surpreendente e inovadora – é que ele poderá descansar em paz seu espírito de busca impaciente e até perturbadora. Enquanto mais estiver longe de Deus, mais agitado será o espírito do homem que vagueia pelo deserto interior sem encontrar o oásis necessário às “verdes pastagens” que somente o Bom Pastor pode assegurar-lhe e oferecer-lhe, de modo definitivo e eterno. 

É difícil aproximar-se de Jesus sem permitir que ele mude o coração e transforme a vida das pessoas. Esse é um dos traços psicológicos e espirituais de sua divindade, isto é, o de tornar divinos os que lhe dão acesso livre aos rebordos mais íntimos e ocultos de sua personalidade. Indubitavelmente, quando o coração de Deus se derrama sobre o coração do homem, submetido às graças sobrenaturais de seu Criador, tudo se modifica de maneira totalmente nova. As trevas se transformam em luz, a cegueira do pecado na visão da graça, as imperfeições humanas na plenitude do próprio Deus, Santo e Perfeito. Todavia, para que isso aconteça de modo satisfatório, é preciso que o esforço humano diante da bondade de Cristo colabore e corresponda aos próprios anseios depositados no coração de Deus que procura o homem sem jamais se cansar. E é, justamente, o que Cristo faz quando vê o povo perdido e desorientado nas aflições que tanto o machucam e o ferem, sobretudo, por causa da frieza e da indiferença de seus iguais. Se Deus se aproxima de nossa humanidade, querendo resgatá-la do abismo da sofreguidão e do sofrimento em que ela se encontra mergulhada, é porque também deseja que nos ajudemos uns ao outros dentro dos limites que nos são permitidos superá-los. Deus é bom conosco para que nos tornemos melhores com nossos irmãos. Deus cuida de nós, a fim de que também cuidemos uns dos outros. Trata-se, na verdade, do mandamento do amor que solicita à generosidade de cada um o toque fraterno da caridade que desconhece restrições e condicionamentos. 

Se o amor incondicional do pastor pelas ovelhas nos escandaliza, é porque ainda não entendemos ou fingimos não entender a atitude de Cristo que assinalou, com o seu próprio sangue, a carne viva de sua pessoa, quando assumiu, concretamente, “que não há maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos”. Somente o amor puro de Deus é capaz de ver além de todas as necessidades humanas, satisfeitas na contraluz da pessoa do Verbo, que se fez igual a nós em tudo, exceto, no pecado.