quarta-feira, 11 de julho de 2012

Vocação: Dom e Mistério

                                  VOCAÇÃO: DOM E MISTÉRIO

                            


Hoje, sexta-feira 13, do mês de julho de 2012, a cidade de Carira está em festa pela Ordenação Sacerdotal do Diác. Marcelo Conceição. A primeira ordenação que aconteceu na referida cidade, foi a minha, no dia 21 de janeiro de 1998. Portanto, há quase 15 anos. De fato, já me preparo para comemorar o “Jubileu de Cristal” sacerdotal, em janeiro de 2013, com a graça de Deus. Na ocasião, pretenderei lançar um livro comemorativo, com algumas reflexões sobre a vasta, rica e complexa literatura paulina, que envolve o raciocínio doutrinal de sua teologia e cristologia. Portanto, aguardemo-lo! Quanto ao Pe. Marcelo Conceição, ele é o sétimo filho sacerdote de Carira. No ensejo de momento tão importante na sua vida, desejamos-lhe fecundo ministério e profícuas bênçãos divinas para o exercício de seu sacerdócio. 

A vocação sacerdotal foi dita pelo Beato João Paulo II como sendo “Dom e Mistério”, quando, ao completar cinquenta anos de vida sacerdotal, publicou um livro assim intitulado. Logo no início, ele afirma que “toda vocação sacerdotal é um grande mistério, é um dom que supera infinitamente o homem. Cada um de nós, sacerdotes, o experimenta claramente durante toda a nossa vida. Perante a grandeza deste dom, sentimos nossa inaptidão”. O Beato tem razão quando fala da nossa “inaptidão” relacionada ao “dom” e ao “mistério” da vocação sacerdotal. Quem, na verdade, estaria em condições humanas para compreender, plenamente, tão profundo “mistério”? Quem, de fato, estaria “apto” – “apropriado”, “habilitado”, “idôneo”, “capaz” – para suprema missão e responsabilidade? Não por acaso, a Carta aos Hebreus declara, com lucidez e serenidade textual, falando de Cristo como sumo e eterno Sacerdote: “Ninguém, pois, se atribua essa honra, senão quem foi chamado por Deus, como Aarão” (Hb 5,4). Trata-se, com efeito, da consciência sacerdotal de que Cristo fala no Evangelho de São João: “Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi e vos designei para irdes e produzirdes fruto e para que o vosso fruto permaneça” (Jo 15,16). Desse modo, assevera o Beato João Paulo II, “as palavras humanas não são capazes de arcar com o peso do mistério que o sacerdócio leva em si”. Segundo o Cura d’Ars, São João Maria Vianney, padroeiro dos sacerdotes, tal mistério só será compreendido em toda a sua plenitude no céu.
Enquanto “dom”, a vida do sacerdote se derrama no serviço à Igreja em favor dos irmãos, pelo espírito de generosidade, de doação de si mesmo, do desprendimento de tantos outros bens da vida, a fim de que sua entrega se concretize de modo mais total e radical, como é simbolizada pela prostração por terra no rito da ordenação. É o que enfatiza o Beato João Paulo II quando lembra que “quem está para receber a ordenação sagrada prostra-se por terra com todo o corpo e apoia a fronte no chão do templo, manifestando desse modo a sua completa disponibilidade para exercer o ministério que lhe é confiado”. E mais adiante, ele explica: “Naquele jazer estendido no chão em forma de cruz, antes da ordenação, acolhendo na própria vida – como Pedro – a cruz de Cristo, e com o Apóstolo fazendo-se ‘chão’ para os irmãos, está o sentido mais profundo de toda a espiritualidade sacerdotal”. Para quem pensa que os sacerdotes não possuem uma espiritualidade própria, eis que ela se baseia, fundamenta-se e se fortalece no próprio testemunho de Cristo, cuja vida inteira foi um “derramar-se” ininterrupto de sacrifício, oferenda e doação incondicional, sobretudo, ao dizer na última ceia: “Tomai e comei, isto é o meu corpo”; “Bebei dele todos, pois isto é o meu sangue, o sangue da Aliança que é derramado por muitos para remissão dos pecados” (Mt 26,26-28). A generosidade de Cristo é a mesma que deve ser vivida pelo sacerdote, pois, como afirmou o Servo de Deus, o Card. Van Thuan, ao oferecer o corpo de Cristo na missa, o padre também se oferece com ele. Trata-se, pois, de uma imolação contínua, até o fim. 


Enquanto “mistério”, a grandeza de Deus se realiza por meio desse “tesouro em vaso de argila [que opera pela graça de Cristo], para que esse poder incomparável seja de Deus e não de nós” (2Cor 4,7). Com efeito, somos instrumentos de Deus – e ousaria dizer como São Paulo, nós somos “vasos de eleição”. Os sacerdotes foram escolhidos por Cristo, dentre seus irmãos, para intermediar as graças de que eles não são proprietários, mas, administradores. Na realidade, é justamente dentro da zona do “mistério” vocacional que o sacerdote se faz servidor do próprio mistério ou dos “mistérios de Deus”. A afirmação é de São Paulo: “Portanto, considerem-nos os homens como servidores de Cristo e administradores dos mistérios de Deus. Ora, o que se requer do administrador, é que ele seja fiel” (1Cor 4,1-2). Destarte, sem se afastar dos limites da dimensão administrativa, o Beato João Paulo II reconhece que “precisamente assim é que o sacerdote recebe de Cristo os bens da salvação, para distribuí-los convenientemente pelas pessoas às quais é enviado. Trata-se dos bens da fé. O sacerdote, portanto, é homem da palavra de Deus, o homem do sacramento, o homem do ‘mistério da fé’. Pela fé, ele tem acesso aos bens invisíveis, que constituem a herança da redenção do mundo realizada pelo Filho de Deus. Ninguém pode considerar-se ‘proprietário’ destes bens. Todos somos seus destinatários. Mas, em virtude do que Cristo estabeleceu na última ceia, o sacerdote tem a missão de administrá-los”. Como é grande a sublimidade dessa vocação! E o Beato João Paulo II continua: “A vocação sacerdotal é um mistério. É o mistério de um admirável comércio – admirabile comercium – entre Deus e o homem. Este dá a Cristo a sua humanidade, para que Ele se possa servir dela como instrumento de salvação, como se fizesse deste homem um outro eu. Se não se capta o mistério deste ‘intercâmbio’, não se consegue compreender como pode acontecer que um jovem, escutando a palavra ‘Segue-me!’, chegue a renunciar a tudo por Cristo, na certeza de que, por este caminho, a sua personalidade humana ficará plenamente realizada”. É a mesma força da consciência e do dom do mistério que acompanha o vocacionado no seguimento generoso, fiel e alegre de seu Senhor e Mestre. 

Tudo isso acima referido é um pouco da luminosidade da vida do sacerdote. Todavia, no bojo de sua humanidade, condicionada pelos acintes das tribulações próprias do ser humano, sua vivência também se caracteriza e se evidencia pelos desafios de seu ideal vocacional. Assim, ele experimenta na própria pele o que significa que “somos atribulados por todos os lados, mas não esmagados; postos em extrema dificuldade, mas não vencidos pelos impasses; perseguidos, mas não abandonados; prostrados por terra, mas não aniquilados. Incessantemente e por toda parte trazemos em nosso corpo a agonia de Jesus, a fim de que a vida de Jesus seja também manifestada em nosso corpo” (2Cor 4,8-9). De fato, é nessas horas de aparente escuridão interior, em meio aos sofrimentos, ao isolamento e à solidão, que o sacerdote demonstra maturidade espiritual, unindo sua vida à do Mestre, que também pôde dizer: “Pai, se queres [se é possível], afasta de mim este cálice!” (Lc 22,42), mas se colocou inteiramente, com incondicional fidelidade, à mercê da vontade do seu Pai bendito. Sacerdócio, dom, sacrifício e mistério de uma vida oferente que se consome até o fim, como o fez Jesus, o Sumo e eterno sacerdote da nova Aliança no seu sangue, vertido no suplício da cruz para nossa salvação eterna. Dele emana toda a grandeza da vida e do exercício do ministério sacerdotal na terra, entre os irmãos, nossos irmãos na carne.