domingo, 1 de julho de 2012

Uma vida que se derrama sem Egoísmo

                                 UMA VIDA DERRAMADA SEM EGOÍSMO

                                         

Numa sociedade em que cada um procura viver tirando proveito de todas as situações de comodidade para não sofrer nem se sentir perturbado por nenhum tipo de desconfortos, o testemunho de Chiara Corbela é uma grande lição de vida, pois ela preferiu priorizar a gravidez ao tratamento de câncer. De fato, não é nessa direção que vai a permissão do aborto de anencéfalos e a possibilidade de tantos outros crimes relacionados ao aborto, como no caso de descobrir-se que mãe não tenha condições financeiras ou psicológicas de criar o filho? Não é nesse sentido que a velhice é encarada com o desprestígio dos inúteis e inválidos da civilização moderna? 

Eis a breve história da vida de Chiara, que recebi num e-mail, do portal de notícias Zenit, por Salvatore Cernuzio: “ROMA, segunda-feira, 18 de junho de 2012. Neste sábado, na igreja de Santa Francisca Romana, da capital italiana, foi celebrado o funeral da jovem Chiara Petrillo, falecida depois de dois anos de sofrimento provocado por um tumor. A cerimônia não teve nada de fúnebre: foi uma grande festa em que participaram cerca de mil pessoas, lotando a igreja, cantando e aplaudindo desde a entrada do caixão até a saída. [...] A luminosa jovem romana de 28 anos, com o sorriso sempre nos lábios, morreu porque preferiu escolher adiar o tratamento que podia salvá-la. Ela preferiu priorizar a gravidez de Francisco, um menino desejado desde o começo de seu casamento com Enrico. Não era a primeira gravidez de Chiara. As duas anteriores acabaram com a morte dos bebês logo após cada parto, devido a graves malformações. Sofrimentos, traumas, desânimo. Chiara e Enrico, porém, nunca se fecharam para a vida. Depois de algum tempo, chegou Francisco. As ecografias agora confirmavam a boa saúde do menino, mas, no quinto mês, Chiara teve diagnosticada pelos médicos uma lesão na língua. Depois de uma primeira intervenção, confirmou-se a pior das hipóteses: era um carcinoma. Começou uma nova série de lutas. Chiara e o marido não perderam a fé. Aliando-se a Deus, decidiram mais uma vez dizer sim à vida. Chiara defendeu Francisco sem pensar duas vezes e, correndo um grave risco, adiou seu tratamento para levar a maternidade adiante. Só depois do parto é que a jovem pôde passar por uma nova intervenção cirúrgica, desta vez mais radical. Vieram os sucessivos ciclos de químio e radioterapia. Francisco nasceu sadio no dia 30 de maio de 2011. Mas Chiara, consumida até perder a vista do olho direito, não conseguiu resistir por mais do que um ano. Na quarta-feira passada, por volta do meio dia, rodeada de parentes e de amigos, a sua batalha contra o dragão que a perseguia, como ela definia o tumor em referência à leitura do apocalipse, terminou”. 

Ainda bem que, não obstante tudo, a encruzilhada da fé permite-nos depoimentos desse nível. Abrir mão da própria vida, para não destruir outra vida, é mais do que a certeza de que a consciência cristã exige “perder tudo” por causa de Cristo e dos irmãos. Pena que notícias desse tipo sejam escondidas e não publicadas pela grande imprensa. Vida cristã séria não dá ibope. Fosse tomada por Chiara a atitude radical de extrair o seu filho para não morrer, podendo antecipar o tratamento, talvez, o sensacionalismo dos tabloides televisivos ou escritos tivessem divulgado, à saciedade, o azedume de mais uma devoradora de vida. Mas, não. O anonimato do testemunho cristão chega somente ao conhecimento de poucos. Por isso que, às vezes, penso que a vida da Igreja é uma vida paralela, que vai ao lado, ou ao largo, afastadamente, do furacão do mundo moderno, que não se sente atraído por histórias mais edificantes. No depoimento de Frei Vito, “a morte de Chiara foi o cumprimento de uma prece. Depois do diagnóstico de 4 de abril, que a declarou doente terminal, ela pediu um milagre: não a própria cura, mas o milagre de viver a doença e o sofrimento na paz, junto com as pessoas mais próximas. E nós vimos morrer uma mulher não apenas serena, mas feliz”. Também ela confidenciara ao seu esposo, Enrico: “Talvez, no fundo, eu não queira a cura. Um marido feliz e um filho sereno, mesmo sem ter a mãe por perto, são um testemunho maior do que uma mulher que venceu a doença. Um testemunho que poderia salvar muitas pessoas...”.

A vida dos santos é um rasgo de luminosidade pouco presente nas trevas da sociedade contemporânea. Mas, nem por isso, ela precisa ser sufocada, escondida, vilipendiada aos escombros das tragédias cotidianas de violência e morte. Hoje, fala-se tanto da educação dos jovens, por que, então, modelos desse tipo não poderiam ser-lhes apresentados? Será que, realmente, Escola, Educação e Religião não possuem nada em comum dentro do universo formativo? Outro dia eu ouvi uma senadora dizer que a escola não é lugar de religião. Escola é lugar de ciência. A escola não é lugar de “dogmas!” Por incrível que pareça, a expressão surgiu no contexto da tão badalada discussão da “educação sexual” que os mestres da moral e da ética modernas – como se o certo e o errado mudassem de fase conforme a degradação moral avança no comportamento dos homens – querem impor, educativamente, às crianças e aos adolescentes, instigando todo tipo de taras e liberação geral de seus instintos, sem o mínimo de controle ou, pelo menos, de orientação ética digna da formação de seu caráter e de sua personalidade. Se for verdade que “a escola não é lugar de dogmas”, por que será que o Estado tenta impor, aleatoriamente, seus “dogmas” educacionais – por votação da maioria! Pior, às vezes, de uma minoria – como se fossem a verdade última descoberta a ser abraçada? O fato é que ninguém tenta livrar o homem de uma ideologia sem querer impor-lhe outra ainda mais cega e autoritária. Basta ver as lutas de classes. Aqueles que lutam por liberdade como suspiro da opressão, quando assumem o poder, são mais tiranos e déspotas do que seus anteriores caudilhos. 

Dadas as problemáticas inclinações de nossa humanidade, ferida pelo pecado, quanto antes trabalharmos nas pessoas a superação dos conflitos e a busca progressiva das virtudes, mais a humanidade se embelezará com as forças de sua dignidade. Com efeito, Segundo Livio Franzaga, “a virtude, efetivamente, é rodeada de beleza e projeta na pessoa um ideal de perfeição que desperta energias ocultas. Desde os mais tenros anos da vida é preciso educar o ser humano para o uso da razão, da liberdade e da responsabilidade. Uma moral de proibições não poderá jamais formar um homem e conduzi-lo à maturidade”. Todavia, tão descaracterizado de valores está o comportamento do homem moderno que “a palavra virtude caiu em desuso no vocabulário contemporâneo e ainda mais em desuso está o ideal de uma vida virtuosa. Desta maneira, porém, arrisca-se de perder uma grande tradição rica de conteúdos espirituais. Vivemos em um mundo onde o que importa é o que cada um possui e não o valor de suas qualidades morais. Falta na sociedade uma proposta educacional que indique, por meio de gestos decididos, os valores universais sem os quais o homem não se realiza” (Livio Franzaga). E o mesmo autor continua: “A prática da virtude é por natureza árdua e trabalhosa. Trata-se de dominar os instintos e as paixões de uma natureza humana desordenada e rebelde, a qual, se for deixa entregue a si mesma, torna o ser humano escravo e infeliz. A virtude, efetivamente, mesmo que percorra um caminho árduo e estreito, torna feliz aquele que a pratica. Enquanto o vício, que gosta de escolher estradas amplas e cômodas, no fim acaba deixando um gosto amargo na boca”. A prática das virtudes já é o início de uma vida orientada para a santidade. Eis, pois, a “estrada obrigatória” que nos conduzirá à realização plena da dignidade humana e de sua futura felicidade. 

No meio do emaranhado das dificuldades que enfrentamos para viver as “virtudes”, mesmo os cristãos corremos o risco da contaminação mundana pela falácia dos contravalores que grassam em todos os ambientes. Tudo consequência da constatação de que “a sociedade na qual vivemos, onde até os cristãos arriscam-se a ser condicionados, não percebe mais a necessidade da formação moral do ser humano, recebida da grande tradição grega da paideia (educação). Recuperar esse valor fundamental é na atualidade mais que nunca urgente não só no plano religioso, mas também no plano civil” (Livio Franzaga). Sem dúvida, somente uma vida derramada sem egoísmo – sobretudo se for inspirada e iluminada pela fé cristã – é capaz de abrir-se ao horizonte das virtudes, mesmo se o preço a ser pago for a exigência radical da própria vida.