sábado, 29 de dezembro de 2012

A Mensagem da Missa do Galo...


A Mensagem da Missa do Galo


          
          No dia 24 de Natal, na Basílica do Vaticano, o Santo Padre, o Papa Bento XVI, mais uma vez, presenteou-nos com uma de suas joias literárias de pura sensibilidade crítica e verdade. Para aqueles que não tiveram a oportunidade de conhecer o seu texto, eu gostaria de partilhar alguns pontos de sua reflexão.
O pensamento do Papa, como sempre, está penetrado de lucidez e coragem: “Sempre de novo me toca também a palavra do evangelista, dita quase de fugida, segundo a qual não havia lugar para eles na hospedaria. Inevitavelmente se põe a questão de saber como reagiria eu, se Maria e José batessem à minha porta. Haveria lugar para eles? E recordamos então que esta notícia, aparentemente casual, da falta de lugar na hospedaria que obriga a Sagrada Família a ir para o estábulo, foi aprofundada e referida na sua essência pelo evangelista João nestes termos: ‘Veio para o que era Seu, e os Seus não O acolheram’ (Jo 1, 11). Deste modo, a grande questão moral sobre o modo como nos comportamos com os prófugos, os refugiados, os imigrantes ganha um sentido ainda mais fundamental: Temos verdadeiramente lugar para Deus, quando Ele tenta entrar em nós? Temos tempo e espaço para Ele? Porventura não é ao próprio Deus que rejeitamos? Isto começa pelo fato de não termos tempo para Deus. Quanto mais rapidamente nos podemos mover, quanto mais eficazes se tornam os meios que nos fazem poupar tempo, tanto menos tempo temos disponível”. A alocação do Santo Padre faz pensar como realmente o homem chamado pós-moderno tem se esforçado tanto para não fazer referência a Deus na sua vida cotidiana. Tudo parece ser fruto da autossuficiência burra que permite à criatura os devaneios de arrogância e superioridade!
Eis que o Papa continua: “E Deus? O que diz respeito a Ele nunca parece uma questão urgente. O nosso tempo já está completamente preenchido. Mas vejamos o caso ainda mais em profundidade. Deus tem verdadeiramente um lugar no nosso pensamento? A metodologia do nosso pensamento está configurada de modo que, no fundo, Ele não deva existir. Mesmo quando parece bater à porta do nosso pensamento, temos de arranjar qualquer raciocínio para afastá-Lo; o pensamento, para ser considerado ‘sério’, deve ser configurado de modo que a ‘hipótese Deus’ se torne supérflua. E também nos nossos sentimentos e vontade não há espaço para Ele. Queremo-nos a nós mesmos, queremos as coisas que se conseguem tocar, a felicidade que se pode experimentar, o sucesso dos nossos projetos pessoais e das nossas intenções. Estamos completamente ‘cheios’ de nós mesmos, de tal modo que não resta qualquer espaço para Deus. E por isso não há espaço sequer para os outros, para as crianças, para os pobres, para os estrangeiros. A partir duma frase simples como esta sobre o lugar inexistente na hospedaria, podemos dar-nos conta da grande necessidade que há desta exortação de São Paulo: ‘Transformai-vos pela renovação da vossa mente’ (Rm 12, 2). Paulo fala da renovação, da abertura do nosso intelecto (nous); fala, em geral, do modo como vemos o mundo e a nós mesmos. A conversão, de que temos necessidade, deve chegar verdadeiramente até às profundezas da nossa relação com a realidade”.
         A ideia do Sumo Pontífice atravessa a necessidade urgente que o mundo tem de Deus, porque, enquanto mais longe dele, mais longe estaremos uns dos outros, especialmente, dos marginalizados e pobres, daqueles que, de alguma maneira, precisam de nosso apoio e de nossa solidariedade. De fato, o mundo caótico em que vivemos também é consequência do distanciamento do Criador, pois, sem Ele, perdemos o rumo certo e a direção correta do nosso destino de felicidade e realização. Aliás, uma curiosidade que constamos, à medida que alguém aumenta suas posses e riquezas, é o fechamento diante de Deus e do outro. Isso eu constatei, claramente, vivendo experiências na Europa, opulenta e rica, onde o olhar para o outro já parece ser um pedido de esmola, e na África, onde a miséria e a pobreza tornam as pessoas mais solícitas e fraternas porque passam pelas mesmas dificuldades. Quando, então, Deus desaparece do horizonte da sociedade, a situação se torna mais drástica e recrudesce, gravemente, nos relacionamentos humanos. Daí o barril de pólvora da violência e do desrespeito à dignidade humana que explode em todo momento.
Portanto, diante das conjunturas de ateísmo prático e de agressão ao outro, por tantos tipos de intolerância e de incapacidade de aceitação do diferente, mesmo que, por decisões e critérios pessoais, fira o projeto de realização querido por Deus para todos, cada um de nós pode trabalhar em prol do respeito que é devido a todos, de maneira indiscriminada. Por isso que o Papa fala de conversão e reza: “Peçamos ao Senhor para que nos tornemos vigilantes quanto à sua presença, para que ouçamos como Ele bate, de modo suave, mas insistente, à porta do nosso ser e da nossa vontade. Peçamos para que se crie, no nosso íntimo, um espaço para Ele e possamos, deste modo, reconhecê-Lo também naqueles sob cujas vestes vem ter conosco: nas crianças, nos doentes e abandonados, nos marginalizados e pobres deste mundo”.
          Consequentemente, a percepção do “Vigário de Cristo na Terra” se detém em muitas outras questões que só poderiam dignificar ainda mais a pessoa humana se observadas pela humildade do acolhimento de Deus e, a partir dele, de todos os homens, irmãos de carne e sangue, na fraternidade universal.