terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Obra Literária Agostiniana...

Obra literária Agostiniana 

 

Quanto à obra literária de Santo Agostinho, que poderíamos dizer? Sem dúvida, não é nosso objetivo abordar, em tão efêmero discurso, todas as suas obras. No entanto, é plausível fazer referência às mais importantes, resaltando, que, no segundo tópico, faremos alusão somente à sua magnífica obra literária intitulada As Confissões. No final de sua vida, o próprio Santo Agostinho se encarregou de fazer o rol de seus trabalhos, contendo 232 livros, divididos em 93 obras, em cujo total não havia inserido os Sermões nem as Cartas, algumas das quais constituíam verdadeiros tratados. 

É Daniel Rops quem o declara: “E assim nos aparece rodeado por uma muralha de livro, pelos dezesseis majestosos tomos da Patrologia latina de Migne, ou pelos grossos volumes do Corpus de Viena – uma muralha que, devemos confessá-lo, o protege admiravelmente”. Daniel Rops, notável gênio da literatura francesa, certamente, inspirado por grande amor à Igreja de Cristo, dedicou dez tomos de suas obras somente ao estudo da História da Igreja, como que tecendo um véu luminoso, acobertando e acompanhando a íngreme escalada dos séculos através da Igreja. Ele é o nosso convidado especial. Portanto, fala, ó exímia enciclopédia historiadora: “Se é de elementar cultura ter, pelo menos, dado uma vista de olhos às Confissões, é de um nível mais elevado – nos nossos dias – ter uma certa ideia da cidade de Deus, apenas os teólogos (e Deus sabe...) têm estudado De Trinitate, e os pregadores a Doutrina Cristã. Quem se importa agora, a não ser os especialistas na obra do Santo, com obras ricas de páginas admiráveis, como, por exemplo, a e o Símbolo, ou esse manual de ‘agostinismo’ que é o Enchiridion? A simples enumeração de seus livros encheria um capítulo. Na sua marcha para Deus, expressão que resume esta obra multiforme, o filósofo dos Diálogos vai a par do teólogo de A verdadeira religião, dos escritos sobre A fé, do tratado da Trindade e da Cidade de Deus. Para espalhar e desenvolver a verdade, o teórico do Enchiridion, o moralista dos opúsculos, trabalha lado a lado com o apologeta da Doutrina Cristã e, ao aprofundarmos nas suas bases, configura-se o exegeta que demonstra a Conciliação dos Evangelhos, e o comentarista de São João e de São Paulo. E temos ainda de pôr de lado, os inumeráveis livros e brochuras que lançou, como dardos acerados, contra os hereges de todas as castas, que nunca deixou de combater. Juntemos ainda trezentos e sessenta e três sermões – ou talvez quatrocentos e cinquenta – considerados autênticos, e duzentos e sessenta cartas que chegaram até nós, certamente de entre alguns milhares... E essa enumeração não passa de um insuficiente esboço deste monumento do espírito”. 

Como aconteceu a todos os homens da História – sejam eles figuras proeminentes ou anônimas, reluzentes ou obscuras, diáfanas ou opacas, lúcidas ou dementes, inteligentes ou néscias, e como, sem dúvida, acontecerá a cada um de nós, no momento oportuno, vivendo o hoje da evolução cronológica e da revolução tecnológica – Santo Agostinho viveu à penumbra, fatalmente, sofrível da solidão involuntária da senescência e da decrepitude agonizante de seus derradeiros suspiros. Sitiada, Hipona parecia ter chegado ao fundo do abismo. Em 430, Genserico insurge, avassaladoramente, com seus soldados ruivos e assalta a cidade do grande santo. Há uma luta contínua contra os invasores, porquanto se sabia muito bem o que aconteceria se o vândalo se tornasse senhor: o intento da luta era retardar, por pouco que fosse, o horror inevitável. É, pois, nesse contexto de guerra, num momento em que os ânimos se encontram agitados e perturbados na história de Hipona, que, embora tudo parecesse orientado para o desespero, “havia um homem que era a própria encarnação da esperança e da coragem. Era um ancião, já gasto pela idade e pelas fadigas e de sua vida de lutas. Acabava de fazer setenta e cinco anos, mas, se as forças físicas – que nunca tinham sido consideráveis – declinavam, o espírito nunca fora mais luminoso nem a vontade mais firme. Nos trinta e quarto anos, ao longo dos quais vinha habitando no seio desse povo, sempre representava a sua consciência viva; e quando chegou a hora do drama, manteve-se no seu posto. Nada mudou na sua existência costumeira. Como sempre, orava, orava muito, lia, escrevia, ensinava o Evangelho e dava abrigo, sem se cansar, aos infelizes que se juntavam à sua porta. Regularmente, continuava a fazer ressoar, sob as abóbadas da Basílica Maior, a sua voz enfraquecida que quebrava o silêncio angustioso do seu auditório. E quando os sitiados de Hipona recolhiam a palavra de seu bispo, sentiam crescer em si, mais do que a vã confiança humana, essa firmeza de ânimo que vai haurir a sua seiva de Deus” (Daniel Rops). 

A despeito de tudo, de toda a agitação conflituosa de Hipona, é justamente no meio dos seus que o Santo quer morrer, sem se furtar às incongruências do instante desafiador: “O bispo, alma da resistência, no entanto, está preso ao seu leito, moribundo. Agora, quer ficar só com Aquele que ele havia buscado tão longe quando, na verdade, ele estava tão perto, no âmago esmo de seu desejo. Fechando-se, os seus olhos já descobrem a outra margem, onde sua esperança lançava âncoras” (Hamman). 

Após essas últimas palavras, tão bem dispostas na essência e no conteúdo, o silêncio é o comentário mais eloquente a comunicar-nos a grandeza sublime de uma alma apaixonadamente incansável em busca da verdade suprema, único bem que satisfaz, de modo pleno, o “inquietum cor nostrum”, deixando na fímbria da alma humana, envolvida pelo mistério da vida dos santos, a vontade de chorar...