quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Santo Agostinho, suas confissões e a responsabilidade de ser Bispo...


Santo Agostinho, suas Confissões e a Responsabilidade de ser Bispo 

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As atribuições de um bispo, na época de Santo Agostinho, eram inúmeras em relação às que percebemos em nosso tempo. Eles eram encarregados de muitos deveres e obrigações. Somente para nos situarmos um pouco, vejamos, por exemplo, qual era o papel de um bispo daquele tempo, consoante o define perfeitamente Chateaubriand em um de seus estudos históricos. 


Ele nos revela que, na complexidade exigente de tantas atividades de um bispo, ele batizava, confessava, pregava, ordenava penitências privadas ou públicas, lançava anátemas ou levava excomunhões, visitava os doentes, assistia aos moribundos, enterrava os mortos, resgatava os cativos, nutria os pobres, as viúvas e os órfãos, fundava hospitais e hospícios para os leprosos, administrava os bens de seu clero, pronunciava-se como juiz de paz nas causas particulares ou arbitrava desavenças entres as cidades. Ao mesmo tempo, publicava livros e tratados de moral, disciplina, teologia, escrevia contra os hereges e os filósofos; ocupava-se de ciência e de história, ditava cartas para as pessoas que o consultavam numa ou noutra religião, correspondia com as igrejas e com os bispos, os monges e os eremitas; sediava concílios e sínodos; era chamado ao conselho dos imperadores, encarregado de negociações; era enviado a usurpadores ou príncipes bárbaros para desarmá-los ou contê-los; além do que outros poderes religiosos, políticos e filosóficos concentravam-se no bispo. 

De acordo com o sobredito, fica-se mais do que evidente a ampla e diversificada atividade pastoral do bispo naqueles tempos tão difíceis em que a Igreja avançava vagarosamente. Foi, portanto, em meio a tantas obrigações que o Bispo de Hipona escreveu com determinação o livro que, entre tantos outros, entraria para a história da humanidade como uma obra prima de sua genialidade, contendo a “mais apaixonante aventura espiritual: a busca de Deus”. Aos olhos do mundo, suas páginas se abrem, uma após outra, para aquilo que o homem constata ser, de modo consciente ou não, infinitamente superior a si mesmo, transcendendo-o: o próprio Deus. Ele o atrai irresistivelmente. Eis, então, a experiência tão normal que faz Santo Agostinho, ao abrir-se para Deus. 


Provavelmente, As Confissões foram escritas, mais ou menos, entre os anos que vão de 397 a 398. É uma obra que está dividida em treze livros extraordinários, compondo o conjunto do texto. Há uma parte autobiográfica, os livros de I – IX, permeados de culpas e agradecimentos ao Bom Deus pela misericórdia que lhe concedeu desde quando ele era criança, desde a sua infância. O livro X contém uma análise, feita com muita perspicácia psicológica, em que Santo Agostinho expõe sua posição ético-religiosa no momento mesmo em que escreve. Por fim, a terceira parte, dos livros XI – XIII, traz consigo o comentário sobre os primeiros versículos do livro do Gêneses, contido na Bíblia. Aliás, tais versículos favorecem oportuna ocasião para ele fazer, mediante várias interpretações alegóricas, profundas considerações sobre Deus e o mundo, o tempo e a efemeridade; de igual modo, ele também tece louvores que exaltam a grandeza do Criador e sua infinita bondade. Com efeito, não foi em vão que Santo Agostinho afirmou: “Se o homem é feito à imagem e semelhança de Deus, a sua verdade, estimulando o que de mais elevado existe na própria alma. É claro que Deus não está onde está o pecado, a angústia, que deriva do pecado. Pelo contrário, Deus está onde se procura com sinceridade a própria salvação e a dos outros, isto é, onde se vive na graça de Deus. Portanto, conhecer realmente a si mesmo para chegar àquele que nos é mais íntimo que nós mesmos”. 


Mais tarde, ao fazer um reexame de toda a sua obra, o próprio Santo Agostinho constatou em suas Retratactiones (II, 6): “Os treze livros de minhas confissões louvam o Deus justo e bom por meus males e bens, e elevam até ele a mente e o coração dos homens; senti esse feito enquanto o escrevia, e torno a senti-lo cada vez que os leio”. Na verdade, trata-se de um livro de altíssima mística, de modo que ele tem sido lido ao longo dos séculos. E a evidência irrecusável de tal verificação, está proeminentemente muito bem estampada na lucidez espiritual envolvente de suas laudas. Certamente, quem o leu aí retornou muitas vezes para bebericar da inexaurível fonte de deleite espiritual, místico, teológico ou filosófico, descoberto em cada nova releitura, o que sempre deixa transparecer o conteúdo cada vez mais profundo. Sem tergiversações nem evasivas, é uma obra de requintado estilo literário, em que o metafórico sobrepuja, de maneira sobeja, o puramente textual, transpondo o que está aquém da própria escrita, da própria letra, que, se não for bem entendida, pode gerar conflitos e perturbações involuntárias, abalando, como ondas agitadas pelo vento em conjunturas de tempestade, a leveza do ser e a tranquilidade da alma, no seu interior. Sobre quantas coisas não escreveu Santo Agostinho nessa sua obra?! 


Assim, bastaria projetarmos rapidamente nosso olhar sobre o índice e seus subsequentes temas, para que, logo, percebêssemos a necessidade de um capítulo inteiro, e bem considerável, para conseguirmos elencar todos os tópicos. Com efeito, um espírito atilado e dotado de aguda perspicácia intelectual, com certeza, descobriria aí um terreno inesgotavelmente fértil para analisar ou investigar, de modo profundo e especulativo, cada um desses títulos, ou subtítulos de maneira a atingir toda a riqueza das águas refrescantes de sua obra.