terça-feira, 18 de junho de 2013

Março de 2005, entre Roma e Jerusalém


Março de 2005, Entre Roma e Jerusalém 

 



Estou na portaria do Pontifício Colégio Pio Brasileiro, e espero alguém que me vem buscar. É uma quarta-feira, e são 16h30min. O coração bate forte. A ansiedade sufoca a lentidão da espera, mas, o tempo passa rápido, e eis que aparece o esperado professor de Teologia Bíblica da Pontifícia Universidade Gregoriana, Pe. Mássimo Grilli, decano do departamento dessa disciplina, que nos conduzirá ao Aeroporto. No carro, já estão dois colegas do Colégio Internacional “Maria Mater Ecclesiae”. O sol brilha forte sobre o horizonte da “Cidade Eterna”. A primavera se anuncia, embora com lampejos de verão. Roupas menos pesadas, ar menos frio, alegria rebenta nos lábios de sorrisos festivos. Estamos indo a Jerusalém. Vamos “subir” à Cidade Santa de Jerusalém que, profetizada, lamentada, destruída, chorada, reconstruída, “cercada de montanhas”, vai ser visitada por mais um grupo de estudantes de Teologia Bíblica da sobredita Universidade e, entre eles, há um carirense. Pouco tempo depois de termos deixado o Pio Brasileiro, encontramo-nos no Aeroporto Fiumicino, de Roma, onde outros amigos nos aguardam. Finalmente, todos juntos, num total de 11 pessoas, preparamo-nos para o controle de passagens e passa-portes e, de igual modo, para o embarque. O vôo de número 0A 240, da Companhia Aérea Olimpic, levar-nos-á a Atenas, sede dos Jogos Olímpicos de 2004, vista e contemplada pelos olhos do mundo inteiro que se voltava para o brilho das competições e das medalhas. 

 


Pontualmente, às 19h29min, o avião decola, chegando a Atenas às 21h04min. Nessa cidade, tivemos um tempo de espera até o próximo vôo, que estava previsto para 1h15min, horário local, pois, com a nossa chegada de Roma, avançamos o ponteiro do relógio em uma hora. Passeando pelo Aeroporto, vimos letreiros em grego e inglês, e a sensação é a de que o mundo inteiro parece igual. Os homens são os mesmos em qualquer lugar. Contudo, a “babilônia” causada com a confusão das línguas, provocou a dispersão dos humanos que se encontram sem se reconhecerem e, assim, tentam se sobrepor uns aos outros. Ainda bem que a morte coloca todos no mesmo pé de igualdade. A morte é o mais forte princípio de igualdade entre todas as diferenças antropológico-culturais de todas as civilizações e em todos os tempos. Todavia, nossa viagem não se detém nos reflexos arrancados da situação do momento. Assim, tendo encontrado o nosso guia, Cesare Geroldi, um sacerdote jesuíta, que vinha de Milão, devemos subir à Jerusalém, depois de gritarmos: “Terra à vista!”

Atenas, 1h43min, o vôo 0A 301, da mesma Olimpic, leva-nos ao Aeroporto Davi Ben Gurion, de Tel Aviv, onde aterrissa às 3h16min. Ao mesmo tempo que o avião vai diminuindo a velocidade, cresce e aumenta a expectativa agradável e esperançosa dos belos dias vividos no real sonho de Jerusalém, o que começa no alvorecer de um novo dia.

Do momento da chegada até sair do aeroporto, devo confessar que experimentei uma ligeira frustração. Por causa de informações que me deram sobre o rigoroso controle dos passageiros, viajei com o coração apreensivo e angustiado, quando, na realidade, não aconteceu nada de grave. Apenas algumas brevíssimas perguntas, e saí do aeroporto sem dificuldades. Mas não aconteceu o mesmo com um amigo venezuelano. Tinha autorização para entrar no país e não havia nada registrado nos computadores locais. Um problema! Depois de muita espera, quando todos já estávamos do outro lado do controle de ingresso dos turistas, a situação foi remediada. 

 


Então, sim, algum tempo depois, pudemos contemplar Jerusalém a olhos nus. Chegamos ao Pontifício Instituto Bíblico, onde ficamos hospedados, às 5h30min, depois de viajarmos mais ou menos 40 minutos do aeroporto. A noite se fez breve, e percebemos despontar no céu de Jerusalém a luminosidade radiante de um novo amanhecer, enquanto a mente, ritmada pelo coração, reza, serenamente, o “Benedictus Dominus Deus Israel qui visitavit et fecit redemptionem plebi suae et erexit cornu salutis nobis in domo David pueri sui” (Lc 1,68-79). É uma das mais belas metáforas de Jesus, a Luz do Mundo, “o sol nascente que nos veio visitar para iluminar a quantos jazem entre as trevas e na sombra da morte estão sentados, e para dirigir os nossos, guiando-os no caminho da paz”. É o eco profundo destas palavras que desperta e acorda nossos sentimentos para a experiência a ser vivida na Terra de Jesus, “a começar por Jerusalém” (Lc 24,47). Já são 6h30min, o Sol brilha esplendoroso sobre a Cidade Santa de Jerusalém. Porém, mereço um breve repouso, pois, às 9h30min, teremos nosso primeiro encontro e, assim, não posso repousar muito.

A luz do sol imponente que brilha sobre Jerusalém é de um esplendor extraordinário e misterioso! É como se o Sol não existisse, e a sua luminosidade tivesse outra origem. São 9h30min, e o nosso guia, Cesare Geroldi, conduz-nos a um lugar estratégico da cidade turística e, dali, vamos vislumbrar, tentando satisfazer a curiosidade de alguma pergunta, a textura estranha das complexidades históricas e culturais que acobertam a Jerusalém de hoje, mas cujo véu, tecido de inextrincáveis fios de civilizações e culturas, vem estampado da coloração de um passado que remota aos tempos de outrora.

 


Estamos sobre a Torre de Davi, o museu histórico da Cidade Santa, que figura entre os sítios arqueológicos e históricos mais importantes de Jerusalém, e simboliza a velha cidade, antiga e adormecida nas noites perdidas de seu tempo. Seu passado glorioso e intrigante encontra aqui a força expressiva de sua escalada histórica, e parece despertar aos olhos do turista a “inibidora sensação” de que a Jerusalém da fantasia, buscada e sonhada pelo desejo de conhecê-la é mais atraente e fascinante do que aquela contemplada, agora, com os olhos embaçados de tanta confusão. Todavia, querer compreender a complexidade insolvente de suas conjunturas e vicissitudes atuais seria mais do que uma inatingível presunção, já iniciada com a derrota. Não posso esquecer a frase curiosa e provocante que li numa revista missionária francesa, “Peuples du Monde”, sobre Jerusalém: “Quando se passa um dia em Jerusalém, escreve-se um livro; um mês, um artigo; um ano, não se pode escrever mais nada, de tão grande que é a confusão”.

É, pois, isso o que os nossos olhos, quase angustiados, veem aqui. A Cidade está dividida em 4 bairros: o Bairro Cristão, o Armênio, o Judeu e o Mulçumano. Para chegar à compreensão do que influenciou e determinou essa divisão, seria necessário descer os degraus da história para, depois, grimpá-los através dos vários mosaicos da exposição cronológica dos fatos que provocaram a constituição da Jerusalém hodierna. Na verdade, uma tarefa para muitas páginas de leitura da história, lida e relida, do complexo universo cultural que acolheu, entre nós, a chegada do próprio Filho de Deus.