quarta-feira, 12 de junho de 2013

O Papa Francisco e os Jesuítas

O Papa Francisco e os Jesuítas 

 

Todo mundo sabe que o Papa Francisco pertence à Congregação dos Jesuítas, na qual ele recebeu parte de sua formação acadêmica e espiritual, desde quando decidiu ser sacerdote. Pois bem! No dia 7 de junho de 2013, ele teve o privilégio de encontrar-se com um grande grupo de pessoas que pertencem à família jesuítica. O evento aconteceu na sala Paulo VI. Na verdade, tratou-se de uma oportuna ocasião para que, mais uma vez, ele pudesse expressar o sentimento de gratidão e reconhecimento, tantos séculos passados desde a fundação, da ainda atual importância da Congregação fundada por Santo Inácio de Loyola, no século XVI. A festa desse santo acontece no dia 31 de julho.
Segundo a historiografia eclesiástica, ele “nascera em Azpeitia, Países Bascos, em 1491, décimo terceiro e último filho. Aos 14 anos, foi enviado à carreira eclesiástica, mas depois de um breve tempo renunciou decididamente a ela e escolheu a carreira militar, mais cheia de aventuras e mais de acordo com o seu caráter. Na juventude não foi nenhum santo, ao contrário, uma vez acabou indo ao tribunal e só a posição social de sua família evitou sua condenação à prisão”. Somente mais tarde, depois de muitas idas e vindas entre as estripulias da vida mundana, no meio de uma cultura que valorizava a fama e o prestígio social – tendo se envolvido em muitas batalhas, inclusive, quebrando a perna em uma delas – entrou num processo de conversão, que o conduzia sempre mais a Cristo e às inspirações do espírito, ou ao que ele mesmo chamou de “discernimento dos espíritos”. Certa ocasião, estando ainda acordado, viu, de modo muito claro, a imagem de Nossa Senhora, trazendo o menino Jesus nos braços. Tal visão foi motivo de grande consolação para sua vida interior. Sentiu desgosto pela vida passada, sobretudo, quando voltada para a sensualidade. Foi, então, que ele se transformou em outra pessoa. A partir daquele momento, desprezou a glória do mundo, a fim de que tudo em sua vida estivesse em função da maior glória de Deus. Por conseguinte, em meio às circunstâncias da conversão, rezou ao Senhor, dizendo: “Toma, Senhor, e aceita toda a minha liberdade, minha memória, minha inteligência e toda a minha vontade, tudo aquilo que eu sou e possuo. Tu me deste, a Ti, Senhor, o restituo; tudo é teu. Dispõe de mim segundo tua vontade; dá-me teu amor e tua graça, pois esta me basta”. Em Paris, atraiu os primeiros companheiros com os quais fundou a depois conhecida Companhia de Jesus. O Papa Jorge Mario Bergoglio, argentino, nasceu no seio dessa Congregação Religiosa.
No encontro com os jesuítas, o Santo Padre dispensou o discurso preparado para a ocasião – por considerá-lo longo e chato – e preferiu que lhe fossem dirigidas perguntas da plateia, certamente, algo também preparado antes, porque o grupo era grande e nem todos poderiam manifestar ao Romano Pontífice sua demanda de curiosidade. Eis o tom de sua afirmação, publicada no site do Vaticano: “Preparei este discurso para vo-lo dizer, mas… são cinco páginas! Torna-se um bocado chato... Vamos fazer o seguinte: eu farei um breve resumo e, depois, entrego o que está aqui escrito ao Padre Provincial – dá-lo-ei também ao Padre Lombardi – para que todos o tenhais por escrito. Em seguida, é possível que alguns de vós queiram fazer qualquer pergunta e podemos dialogar um pouco. Gostais assim ou não? Sim?! Então sigamos por esta estrada”. Na verdade, trata-se de algo muitas vezes realizado pelo seu predecessor, o Papa Bento XVI, quando reunia crianças da catequese ou grupos de jovens na Praça do Vaticano. Lembro-me de ter presenciado um momento daqueles, num final de tarde, enquanto o sol ia se pondo no horizonte da Cidade Eterna, quando ele se dispôs a responder a tantas curiosidades dos jovens e adolescentes. Não me esqueço de uma risada que o então Papa Bento XVI deu, depois que uma criança lhe disse: “Santo Padre, os meus pais pedem que eu vá para a catequese na Igreja todo domingo. Mas eles não vão. O senhor poderia dar-lhes algum conselho?”. A praça inteira sorriu com o Romano Pontífice. 


No caso específico do Papa Francisco, atendendo às inquietações de muitas pessoas, que o interrogaram, os temas giraram em tornas das dificuldades próprias da vivência cristã, as dúvidas, as incertezas, as inseguranças do caminho de uma atitude coerente com a própria fé, vivida e impressa nos atos, das preocupações com o mal que a riqueza pode causar diante do mundo em que a pobreza traz sofrimento para tantos irmãos. Ele também foi inquirido sobre se teria desejado ser papa, se encontrou alguma dificuldade em abandonar a família e os amigos. Já num contexto mais amplo, quanto às conjunturas sociais, políticas e econômicas, por que está passando a Itália, sua resposta abordou um leque de situações que não estão isoladas, mas que dizem respeitos à própria comunidade humana, dispersa pelo mundo inteiro. Ei-la: Tu dizes que a Itália está num momento difícil. É verdade, há uma crise. Mas eu diria: não só a Itália... todo o mundo, num momento, se encontrou em crise. A crise! A crise não é uma coisa ruim; é verdade que nos faz sofrer, mas devemos – principalmente vós, jovens – saber ler a crise. Que significa esta crise? Que devo fazer para ajudar a sair da crise? A crise, que estamos a viver neste momento, é uma crise humana. Dizem: é uma crise econômica, é uma crise de trabalho. Sim, é verdade! Mas por quê? Este problema do trabalho, este problema na economia é consequência do grande problema humano. Aquilo que está em crise é o valor da pessoa humana, e nós devemos defender a pessoa humana. Neste momento, recordo... – eu já contei isto três vezes, mas fá-lo-ei uma quarta – recordo a história que li uma vez, a história contada por um rabino medieval do ano 1200. Este rabino explicava aos judeus daquele tempo a história da Torre de Babel. Construir a Torre de Babel não era fácil: tinha-se de fazer os tijolos. E como se fazem os tijolos? Tinha-se de procurar o barro e a palha, misturá-los e levá-los ao forno: era um trabalhão. Com este trabalho todo, um tijolo tornava-se um verdadeiro tesouro! Depois havia que levar os tijolos lá para cima, para a construção da Torre de Babel. Se um tijolo caía, era uma tragédia; castigavam o trabalhador que o deixara cair... Era uma tragédia! Mas, se porventura caía um homem, não acontecia nada! Esta é a crise que estamos a viver hoje: esta é a crise da pessoa. Hoje a pessoa não conta; contam os euros, conta o dinheiro. Ora Jesus, Deus deu o mundo, deu toda a criação, não ao dinheiro, mas à pessoa, ao homem e à mulher, para que a fizessem progredir. É uma crise da pessoa... Está em crise, porque hoje a pessoa – atenção, isto é verdade – é escrava! E nós temos de nos libertar destas estruturas econômicas e sociais que nos escravizam. Esta é a vossa tarefa”. 

 

No final do colóquio, um jovem chamado Tiago, trazendo a lume o panorama de pobreza que acoberta alguns países, sobretudo, na África, quis saber o que fazer para “conviver com essa pobreza”, como comportar-se diante dela. E o Santo Padre foi muito feliz na sua argumentação: “Antes de mais nada, gostava de dizer uma coisa a todos vós, jovens: não deixeis que vos roubem a esperança! Por favor, não vo-la deixeis roubar! E quem é que te rouba a esperança? O espírito do mundo, as riquezas, o espírito da vaidade, a soberba, o orgulho. Todas essas coisas roubam-te a esperança. Onde encontro a esperança? Em Jesus pobre, em Jesus que Se fez pobre por nós. Tu falaste de pobreza. A pobreza chama-me a semear esperança, para ter, também eu, mais esperança. Isto pode parecer um pouco difícil de entender, mas recordo que uma vez o Padre Arrupe escreveu uma boa carta aos Centros de pesquisa social, aos Centros sociais da Companhia. Lá explicava como se deve estudar o problema social. Mas concluía, dizendo a todos nós: ‘Olhai, não se pode falar de pobreza, sem fazer experiência com os pobres’. Tu falaste da geminação com o Quênia: a experiência com os pobres. Não se pode falar de pobreza, de pobreza abstrata... esta não existe! A pobreza é a carne de Jesus pobre, na criança que tem fome, na pessoa que está doente, nas estruturas sociais que são injustas. Ide, vede nos fundos marginalizados a carne de Jesus; mas não deixeis que vos roube a esperança o bem-estar, o espírito do bem-estar que, no fim, faz de ti um nada na vida! O jovem deve apostar em altos ideais: este é o meu conselho. Mas a esperança, onde a encontro? Na carne de Jesus sofredor e na verdadeira pobreza. As duas estão interligadas”.
Para tratar o homem e suas questões mais emergenciais, dentro do complexo universo geopolítico e cultural, o que envolve várias circunstâncias de vilipêndio da própria dignidade humana, o Papa Francisco fala da sensibilidade com que devemos sentir os irmãos, colocando-nos na sua pele, a fim de podermos entender melhor o verdadeiro sentido das angústias que os aflige no âmago de suas necessidades mais primárias.