domingo, 25 de novembro de 2012

Ventos do Ceticismo Agostiniano...

Ventos do Ceticismo Agostiniano 

 

Apesar de ter se convertido ao Cristianismo, Santo Agostinho permaneceu por algum tempo envolvido nas malhas dialéticas do ceticismo, uma doutrina filosófica que, ainda hoje, embora sob moldes diferentes e com matizes mais sutis, mas não menos nociva, continua agindo sobre as pessoas, de modo que elas julgam a impossibilidade de nenhuma posse da verdade firme ou absoluta como critério para suas incertezas. Santo Agostinho também passou por esse caminho de indagação duvidoso, mas de rebrada atenção quanto aos níveis de conhecimento desejado pela inteligência humana. O radicalismo dos céticos foi assumido, de modo especial, por Pirro de Élide (360-270 a.C.), a partir de quem se pode falar dos “pirrônicos” ou do “pirronismo”. 

É por esse tempo que Santo Agostinho começa a degustar da Filosofia apresentada pelos Acadêmicos, cuja doutrina imergia a inteligência e a capacidade de conhecer no poço sem fundo do ceticismo, que pregava a incapacidade humana de conhecer verdadeiramente as coisas. Era preciso duvidar de tudo já que não era possível ter o conhecimento certo de nada. Santo Agostinho fora contaminado pela suposta ideia de que os chamados Acadêmicos eram os mais esclarecidos dos filósofos, quando asseveravam que era necessário duvidar de tudo e que o ser humano nada pode compreender da verdade, isto é, que ela lhe era simplesmente inacessível. Todavia, nem mesmo esse novo modo de ver e perceber as coisas lhe aprazia nem lhe satisfazia a inteligência, desejosa de muito saber. Por conseguinte, enquanto o homem vagueia infatigavelmente por múltiplas e diversas filosofias estranhas, julgando-as verdadeiras ou tentando encontrar nelas a verdade, ao mesmo tempo, ele manifesta no seu “coração inquieto” o desejo ardente de possuir a verdade, e esta outra coisa não é senão o próprio Deus. Foi, então, o que aconteceu a Santo Agostinho, um homem com alma de gigante, cuja talha e envergadura ensoberbecem e encantam a curiosidade de quem o lê, investigando-lhe a íntima essência da busca incansável de Deus. 

Desembaraçando-se do ceticismo sáfaro que o assaltara, era chegada a hora de folhear as páginas especulativas do neoplatonismo, levando-o a encontrar “respostas” para o problema do mal, que o inquietara também durante sua permanência no maniqueísmo. Ou seja, é justamente por meio do neoplatonismo que Santo Agostinho chega à conclusão de que o mal nada mais é do que a privação do ser, a privação do bem, caracterizada como limitação e carência. A partir de então, sua vida toma novo rumo, enquanto ele intui que o conhecimento de Deus se adquire com a purificação que liberta o homem de tudo o que é sensível, dificultando o homem no impulso infrene de sua ascensão para Deus. O vilipêndio das paixões e a espiritualidade do neoplatonismo tornaram-se atraentes. Santo Agostinho começava então a sentir o imenso desejo de libertação dos sentidos. Então, num inesperado voo de sua alma longe da frondosa árvore do ceticismo, encontrou alegria e satisfação profundas para seu espírito, numa adesão total e voluntária à doutrina cristã, que, por coincidência, também significava adesão à fé convicta do próprio Cristo, permanecendo até o fim de seus dias, quando repousara para sempre em Deus, à sombra dessa incomparável árvore, com todos os ramos e folhagens inerentemente centrados no tronco da eternidade. Santo Agostinho se converteu ao Cristianismo, fazendo-se batizar na noite pascal de 387, por Santo Ambrósio, aos trinta e três anos de idade, como reza a Liturgia da Igreja, que se expressa no eloquente hino que diz: “Com a idade de Cristo desce às águas, com o pão que nos transforma se nutriu, e da antiga Beleza, tarde amada, novos selos abriu...”.  

“Vá e viva em paz, pois é impossível que se perca um filho de tantas lágrimas!” Foi essa a resposta lúcida e contundente, dada por um bispo já meio aborrecido à Santa Mônica, mãe de Santo Agostinho, quando ela, com exigência quase intransigente, tentou instigá-lo a ter uma conversa com ele no intento de dissuadi-lo do mal, refutá-lo dos erros e ensinar-lhe a verdade. Mesmo assim, as palavras foram recebidas por Santa Mônica como vindas do céu para sua consolação. Como não beber da fonte inexaurível de espiritualidade que foram a vida e o testemunho vivo desse imenso farol para o Cristianismo dos séculos terceiro e quarto! Não apenas de sua vida, mas também de seus escritos muito profundos. Segundo Daniel Rops, “pensem o que pensarem os preguiçosos e os tolos, uma das qualidades superiores do escritor ou do artista é a fecundidade”. 

Quem o poderia prever? Do coração inquieto, em busca da verdade, e da angústia de uma mãe que vê o filho no caminho do mal e do erro, surge uma luz que não se extinguirá jamais da inteligência que por ela se deixa envolver. O caminho para Deus é, verdadeiramente, pleno de idas e vindas inopinadas, imprevisíveis. Como Santo Agostinho mesmo afirmara, num íntimo diálogo com Deus: “Como é impenetrável o abismo de tuas decisões!”. Assim são os frêmitos de uma alma totalmente aberta às vicissitudes arrebatadoras do Espírito Divino.