terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Encantos do meu Sertão


Encantos do meu Sertão 




Janeiro de 2013. Foi a primeira vez que pensei em passar alguns dias de férias circulando pelos encantos de meu lindo sertão, desde quando fui ordenado sacerdote. Nada como estar com nossos familiares e amigos. Voltar ao berço de nossas origens é legitimar a verdade sobre nós mesmos, sobre nossa história e sobre o nosso eu mais profundo. Por isso que eu não consigo entender por que algumas pessoas não se sentem à vontade ao dizerem de onde são, quais suas origens humildes, não muito sofisticadas quanto à importância e ao conhecimento do lugarejo desconhecido onde nasceram. Não diria que sou parisiense, se não o fosse. E, de fato, não o sou, porquanto sou “caririense” – quer dizer, carirense. O neologismo quer, somente, poder rimar com o termo “parisiense”. Assim, eu sou muito orgulhoso da bela Carira onde me criei dos oito aos dezesseis anos, quando tive de ingressar no Seminário Menor de Aracaju, no dia 14 de fevereiro de 1987, há, exatos, 26 anos. Quanto chão já foi percorrido até aqui! 


Como eu já tive a oportunidade de dizer, eu nasci na roça, no povoado Carreiro, a seis quilômetros do município. Isso não me causa nenhum constrangimento. Minha mãe estava sozinha e, depois, ficamos nós dois, porque a parteira chegou atrasada ou, talvez, eu tenha me apressado. Será que eu já estava ciente de que uma vida é muito pouca e curta para aprendermos tanto? Não sei! Às vezes, imagino-me com a necessidade de “reencarnar-me”, a fim de que eu possa usufruir mais tempo e poder fazer novas experiências no encantado planeta Terra. Para alguns, “a lei do eterno retorno” poderia soar como uma maldição, e deve ser mesmo. Já pensou uma vida vivida na desgraça e sempre retornada aos mesmos pontos de sofrimento e dor? Segundo algumas teorias, a reencarnação é o princípio da possibilidade de regeneração ou degradação, a partir de critérios de avaliação de como tenha sido a própria existência das pessoas em vidas passadas, algo em que, evidentemente, eu não acredito. Se em outras vidas, você foi uma pessoa boa, dadivosa, generosa, na próxima reencarnação, sua vida poderia melhorar. Mas se ela não foi tão boa assim, sua existência poderia, contrariamente, degringolar em projetos nefastos de infelicidade e angústia. Todavia, a imaginação humana é o único veículo capaz de possibilitar viagens fantasiosas nos meandros de sua própria criatividade. E isso me parece um brinquedo perigoso, mas, ao mesmo tempo, divertido e contagiante. Com efeito, não foi assim que o famoso Walt Elias Disney “nos tubos de um órgão viu, uma vez, um grupo coral com rostos que cantavam”, o que, tempos depois, tornou-se uma clássica cena do filme “Branca de Neve e os Sete Anões”? Apenas o homem racional tem a prerrogativa de sua fértil imaginação. Que maravilha, pois é dessa maneira recreativa que ele percorre mundos inimagináveis e fantásticos. Somente a viagem do espírito pode resgatar o valor supremo da existência humana, em todas as dimensões e estágios de suas percepções. Quem, andando pelas terras secas do sertão carirense, que se precipitam nos portões do grande Sertão da Bahia, cujas fronteiras, depois de cinco quilômetros, abrem-se para à caatinga e às terras tórridas de sua vegetação rasteira, não pensaria nos mesmos recantos obscuros da alma sertaneja que se debate na infertilidade sofrida dos desejos de suas conquistas? À mente sensata e perceptível responde o coração agitado pelos sentimentos leais de quem ama sua terra natal. 


A natureza renasce com poucos pingos d’água! Foi o que aconteceu com a chuva minguada, mas perseverante, que caiu há alguns dias antes na redondeza. A “verdura” do milagre das pastagens que surgem ao embalo da garoa mansa ou torrencial, que se derrama sobre o duro chão da seca, reveste-se de esperança e contentamento para os olhos cansados do habitante agreste nas expectativas alvissareiras da produção e do lucro. É ali onde nasce o desejo de sucesso financeiro e sobrevivência diante dos obstáculos da vida. Singrando terra adentro, ainda são verdadeiras as palavras que Dom Luciano Duarte dissera, há muito tempo, quando ainda não havia asfalto em Carira, e ele passara alguns dias em “Frei Paulo Moleque”, como era considerada a cidade antes de mudar de nome: “Vejo assim, com meus próprios olhos, o destino desta parte do nosso povo, cuja vida é função da chuva. Nós, da praia, não sabemos o que é isto. Ouvimos falar na seca, sofremos a subida dos preços, assistimos ao desfile trágico dos retirantes, mas não temos a noção da seca, que transforma esse solo fértil num tapete infinito de terra queimada, o sol implacável torturando os campos, meses e meses, e a poeira fina, vermelha, carregada nas costas do vento, sobre as roças desertas”. Não tenham dúvida de que essa é uma descrição fiel do que seja o Sertão do Carira, que inicia logo que, pela hoje BR 235, passa por Fei Paulo e Mocambo – “habitação miserável” – em direção a Paulo Afonso. Daí que Dom Luciano Duarte continua sua descrição geográfica, tentando atingir as fímbrias da alma do sertanejo: “A estrada de Paulo Afonso é uma fita vermelha, pregada na roupa verde que o inverno revestiu no sertão”. Por incrível que pareça, a realidade do Sertão é a mesma descrita por Dom Luciano Duarte. Nada mudou senão a pista que foi feita até os limites com a Bahia, cinco quilômetros depois de Carira. A “linha vermelha” até ali se tornou “preta”, mas depois continua rasgando o chão vermelho da precariedade contraproducente diante dos avanços de pistas interrompidas pela corrupção que levou para o bolso de alguém o custo dos recursos do projeto de modernidade, de modo especial, para os povos do Sertão da Bahia que habitam a vastidão do que poderíamos chamar a terra dos sem fim. 


Vivendo a simplicidade da vida no Sertão, tão acolhedor quanto ameaçador pela resistência de suas lavouras, que hoje são fartas e amanhã, não muito abundantes, ainda podemos conceber na efervescência do espírito a capacidade para o espanto, a admiração, quando temos a oportunidade de pedalar pelas estradas escuras do asfalto que cintilam diante da luminosidade, quase tímida, da lua. Mas não é somente a lua dos amantes ou românticos. Ela é também a lua dos poetas e escritores, que se aliam às surpresas de suas formas para externar sentimentos de gratidão ao próprio espetáculo fascinante da natureza. Da natureza que também pipoca nas verdes pastagens pontilhadas pelos ipês amarelados pelas flores douradas da exuberância típica do pau d’arco não violáceo. É o próprio toque do esplendor natural que nasce do duro chão nordestino, fazendo despontar no coração do sertanejo brilhos de intensa esperança para a reanimação da alma. 


Muitas estradas antigas ainda se conservam as mesmas de outrora, carregando sobre suas costas nuas pedras, piçarra e poeira. Algumas vão em direção às fontes dos tempos da minha infância, e a visão de hoje parece ser a mesma do menino do interior que, da carroça de burro, experimentava o tempero da vida através da labuta diária de seus pais. Na verdade, sempre uma emoção particular poder rever os mesmos cantos da “aurora da minha vida, da minha infância querida, que os tempos não trazem mais”, senão pelas reminiscências adormecidas e ressuscitadas pelo entusiasmo íntimo das boas recordações. É a linha contínua da vida que se refaz ao buscar os pontos perdidos pela distância geográfica e afetiva da puerilidade contida no hoje do homem amadurecido pela existência afora. Com efeito, onde houver um alinhamento de memória trilhando os caminhos do passado, certamente, também haverá fios de felicidade bordando o presente da constituição do eu momentâneo no auge mágico do agora. E aí pode ser onde vive a felicidade que nos habita na realização de nós mesmos.