segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Verdades sem pudor nem constrangimento


Verdades sem pudor nem constrangimento 

 



O tão simples quanto chocante gesto de renúncia do Papa Bento XVI suscitou muitas e belas reflexões. E, que bom, no mesmo Jornal em que podemos encontrar palavras de zombaria e desprezo pelo Santo Padre renunciante – como se com a sua abdicação o próximo papa fosse defender e aprovar todos os desejos e taras animalescas de comportamentos aberrantes, como gostaria um setor da sociedade contemporânea – podermos expor percepções diferentes do mesmo fato, no requinte democrático e de liberdade de expressão em que vivemos. Trata-se do testemunho de um jovem que, com palavras ditas sem pudor nem constrangimento, mostra-nos o alcance de sua compreensão sobre a atitude ímpar de um velho de 85 anos. O texto a seguir foi encontrado no site Catecismo Jovem – Youcat, de 15 de fevereiro. 


“Tenho 23 anos e ainda não entendo muitas coisas. E há muitas coisas que não se podem entender às 8 horas da manhã quando te acordam para dizer em poucas palavras: ‘Daniel, o papa renunciou’. Eu apressadamente contestei: ‘Renunciou? ’ A resposta era mais que óbvia: ‘Renunciou, Daniel, o papa renunciou’. O papa renunciou. Assim amanheceu escrito em todos os jornais, assim amanheceu o dia para a maioria, assim rapidamente alguns tantos perderam a fé e outros muitos a reforçaram. Poucas pessoas entendem o que é renunciar. Eu sou católico. Um de muitos. Desses que durante sua infância foi levado à missa, cresceu e criou apatia. Em algum ponto ao longo da estrada deixei pra lá toda a minha crença e a minha fé na Igreja, mas a Igreja não depende de mim para seguir, nem de ninguém (nem do Papa). Em algum ponto da minha vida, voltei a cuidar da minha parte espiritual e, assim, de repente e simplesmente, prossegui um caminho no qual hoje eu digo: Sou católico. Um de muitos sim, mas católico por fim. Mas assim sendo um doutor em teologia, ou um analfabeto em escrituras (desses que há milhões), o que todo mundo sabe é que o Papa é o Papa. Odiado, amado, objeto de provocações e orações, o Papa é o Papa, e o Papa morre sendo Papa. Por isso, hoje, quando acordei com a notícia, eu, junto a milhões de seres humanos, nos perguntamos: ‘Por quê? Por que renuncia, senhor Ratzinger? Sentiu medo? Sentiu a idade? Perdeu a fé? A ganhou?’ E, hoje, 12 horas depois, creio que encontrei a resposta: O senhor Ratzinger renunciou toda a sua vida. Simples assim. 


O papa renunciou a uma vida normal. Renunciou ter uma esposa. Renunciou ter filhos. Renunciou ganhar um salário. Renunciou a mediocridade. Renunciou as horas de sono pelas horas de estudo. Renunciou ser só mais um padre, mas também renunciou ser um padre especial. Renunciou preencher a sua cabeça de Mozart, para preenchê-la de teologia. Renunciou a chorar nos braços de seus pais. Renunciou a, tendo 85 anos, estar aposentado, desfrutando de seus netos na comodidade de sua casa e no calor de uma lareira. Renunciou desfrutar de seu país. Renunciou seus dias de folga. Renunciou sua vaidade. Renunciou a defender-se contra os que o atacavam. Sim, isso me deixa claro que o Papa foi, em toda sua vida, muito apegado à renuncia. 


E, hoje, voltou a demonstrar. Um papa que renuncia a seu pontificado quando sabe que a Igreja não está em suas mãos, mas nas mãos de alguém maior, parece ser um Papa sábio. Nada é maior que a Igreja. Nem o Papa, nem seus sacerdotes, nem os laicos, nem os casos de pedofilia, nem os casos de misericórdia. Nada é maior que ela. Mas ser Papa nesse tempo do mundo, é um ato de heroísmo (desses heroísmos que acontecem diariamente em nosso país e ninguém nota). Recordo sem dúvida, as histórias do primeiro Papa. Um tal... Pedro. Como morreu? Sim, em uma cruz, crucificado igual ao seu mestre, mas de cabeça para baixo. Hoje em dia, Ratzinger se despede de modo igual. Crucificado pelos meios de comunicação, crucificado pela opinião pública e crucificado pelos seus irmãos católicos. Crucificado pela sombra de alguém mais carismático. Crucificado na humildade que tanto dói entender. É um mártir contemporâneo, desses a que se podem inventar histórias, desses a que se pode caluniar e acusar à vontade, que não respondem. E quando responde, a única coisa que faz é pedir perdão. ‘Peço perdão pelos meus defeitos’. Nem mais, nem menos. Quanta nobreza, que classe de ser humano. Eu poderia ser mórmon, ateu, homossexual e abortista, mas ver uma pessoa da qual se dizem tantas coisas, que recebe tantas críticas e ainda responde assim... Esse tipo de pessoa, já não se vê tanto no mundo. 


Vivo em um mundo onde é engraçado zombar do Papa, mas que é um pecado mortal zombar de um homossexual (e ser taxado como um intolerante, fascista, direitista e nazista). Vivo em um mundo onde a hipocrisia alimenta as almas de todos nós. Onde podemos julgar um senhor de 85 anos que quer o melhor para a Instituição que representa, mas lhe indagamos com um: ‘Com que direito renuncia?’. Claro, porque no mundo NINGUÉM renuncia a nada. Ninguém se sente cansado ao ir pra escola. Ninguém se sente cansado ao ir trabalhar. Vivo um mundo onde todos os senhores de 85 anos estão ativos e trabalhando (sem ganhar dinheiro) e ajudam às massas. Sim, claro. 


Mas, agora, sei, senhor Ratzinger, que vivo em um mundo que vai sentir falta do senhor. Em um mundo que não leu seus livros, nem suas encíclicas, mas que em 50 anos se lembrará de como, com um simples gesto de humildade, um homem foi Papa, e quando viu que havia algo melhor no horizonte, decidiu partir por amor à sua Igreja. Vá morrer tranquilo, senhor Ratzinger. Sem homenagens pomposas, sem um corpo exibido em São Pedro, sem milhares aclamando aguardando que a luz de seu quarto seja apagada. Vá morrer como viveu mesmo, sendo Papa: humildemente. Bento XVI, muito obrigado, por renunciar”. 


Penso que a visão desse jovem pode fazer calar o mundo de hipocrisia e egoísmo de algumas pessoas que só se sentem de bem com a vida quando encontram alguém em quem jogar o azedume de suas raivas e a rejeição de suas próprias frustrações. Pessoas que se julgam melhores que o Papa e, portanto, no direito de desferir-lhe as mais injustificadas e desqualificadas acusações de todo tipo. De fato, pouquíssimos sãos os homens que suportam tudo isso no silêncio interior do sacrário de sua consciência, porque sabem que a verborreia chata de discursos em autodefesa é contrária ao próprio testemunho de Cristo que, qual cordeiro conduzido ao matadouro, não ousou, se quer, abrir a boca diante de seus tosquiadores. Com efeito, em silêncio vivem e morrem os grandes amigos de Deus, depositando somente nele a responsabilidade de qualquer juízo sobre as consequências de suas ações.