sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Ausência ou presença de Deus?


Ausência ou Presença de Deus?


 


Refletindo sobre ausência ou presença de Deus no mundo contemporâneo, não podemos deixar de considerar o grande e inaudito Tesouro que nós católicos temos que é Cristo Eucarístico. Sempre silencioso e discreto, Ele se encontra à nossa disposição no Tabernáculo de muitas Igrejas, ou em exposição nos oratórios para os transeuntes que O procuram. Ele é o Deus visível aos nossos olhos. 

 


Numa cidade como Paris, diferentemente de Londres onde os católicos da Inglaterra são um pouco mais de vinte por cento (?), respiramos o verdadeiro Catolicismo, o tradicional de Roma, com missas bem cantadas, e o incenso subindo como expressão dos louvores e das preces que sobem da assembleia reunida em nome de Cristo por quem Deus Pai realiza o milagre da Eucaristia. Como diria o Cardeal Yves Congar (1904-1995), essa é a Igreja que eu amo. As igrejas sempre estão abertas. E, no geral, também há um padre para atender os fiéis. Há também lugares de adoração ao Santíssimo como acontece na Rue Gay Lussac, número 39, até as vinte e horas. Ou seja, mesmo nas selvas de pedras hodiernas, não obstante a largura histórica das grandes cidades como Paris, quem procura Deus O encontra. Talvez, o problema esteja no fato de que nós vivemos buscando as migalhas de Deus, aqui e ali, pelos espaços vazios da interioridade invadida por todas as sedes de plenitude que atravessam o nosso espírito, quando, na verdade, Ele está lá, todo inteiro, a Vida por excelência, a nos esperar, enquanto nós nem sequer temos coragem de olhar diretamente nos seus olhos. Parece que fugimos dele por que não conseguimos perceber, de modo suficientemente bem, o alcance da grandeza infinita de seu amor incondicional por todos nós, sem exceção. Todavia, apenas quando o homem voltar-se totalmente para o seu Senhor, é que ele, então, reencontrará o brilho de sua face luminosa refletida do próprio rosto de Deus. Até lá, Deus continuará esperando-o, amorosamente. Ele está sempre presente, mas a nossa sensibilidade não consegue demonstrar-se ao alcance de Deus. É ela que precisa ser trabalhada pela ascese espiritual do coração que procura Deus. Um autor moderno escreveu um livro muito interessante sobre a “liberdade interior” no qual ele afirma que o caminho que nos conduz aos bens – ou ao Bem, por excelência – sobretudo, àqueles aos quais estamos ligados porque são nossos – e que nós podemos amar porque é o único que nos faz crescer como expressão do que há de mais elevado em nós, é um caminho difícil. No entanto, os obstáculos que nós encontramos somos nós mesmos que não cessamos de colocá-los na estrada. Desse modo, haveria algo de terrificante quanto ao que o caminho do Bem (desejado) seria tão sinuoso quanto pleno de dificuldades. Isso significaria dizer que o Bem seria alcançado somente pelas almas da elite, pelos atletas supertreinados das virtudes, pelos espíritos mais puros e ardentes. Os outros teriam de viver somente para os bens particulares que não poderiam possuir senão sendo possuídos por eles. Lá onde está o seu tesouro, ali estará também o seu coração. (Yann-Hervé Martin). Jesus falou sobre isso. Felizmente – continua o autor – basta consultarmos a profundezas do nosso espírito para saber que, às vezes, nós desejamos o que há de mais elevado e que o objeto de nosso desejo está bem perto do coração. O caminho que nos aproxima dele se torna longe simplesmente em razão dos inumeráveis desvios que não cessam de nos distanciar dele. Mas, na realidade, esse bem está tão próximo, mais íntimo a mim do que eu de mim mesmo (certamente, uma referência ao pensamento de Santo Agostinho que afirmou que Deus é mais próximo – intimior: mais íntimo – de mim do que eu mesmo). Ele está próximo de mim, e eu, distante dele. E o autor recorda a citação de Santo Agostinho nas suas Confissões: “Vós estáveis dentro de mim; e eu estava fora de mim!” (Cap. X, xxviii). 
 


Nesse contexto da busca pelo Bem supremo à altura do homem e de sua natureza, o autor fala da “ascese” como um meio e não um fim, um ideal. E a primeira palavra que ele acopla a esse vocábulo é o “exercício”. Assim, a ascese é um modo de exercitar-se para reencontrar o caminho de si mesmo, da interioridade, da alegria e do bem. Portanto, “exercício” é o sentido primeiro do termo. Por exemplo, o estudante que quer colocar sob seu domínio sua lição de matemática multiplica os exercícios para estar seguro de tê-los entendido bem. O pianista que quer tocar suas sonatas, leva horas e horas treinando, num ritmo quase tirano, sem relaxar seus esforços, movido por um desejo ardente de tocar bem. O esportista que luta por uma medalha ou um título não hesita em se fazer mal, a fim de saltar cada vez mais alto ou correr mais veloz. E aquele que gostaria de encontrar o caminho do Bem poderia deixar-se levar por satisfações medíocres? Aquele que visa o que há de maior em si mesmo não teria necessidade nenhuma de exercitar-se? Então, seria preciso renunciar á alegria, essa alegria que ele abandonaria à criança feliz por sua nota, ao pianista contente por ter tocado bem, ao atleta realizado por ter ido ao fundo de si mesmo. Se Nietzsche apresentou terríveis críticas ao que ele chamou de “ideal ascético” – talvez, entendido como a renúncia radical de todos os bens da vida e de si mesmo, já que as pessoas seriam criaturas descontentes, elevadas, atingidas por um desgosto incurável e profundo por elas mesmas, pela Terra e pela vida, que se atacam por se fazer sofrer pelo prazer de sofrer – a ascese bem discernida nada tem a ver com o ideal perverso da rejeição do prazer, de toda força verdadeira ou de toda alegria. Vista por esse ângulo, ela seria uma violência nociva da alma contra ela mesma e contra o corpo. Ela seria a figura patológica de um ódio de si e da vida, a vida voltada conta ela mesma, a vida que se nega e se condena. Seria o ideal repugnante do sofrimento como valor soberano, o ideal masoquista de um sofrimento que brotaria dele mesmo, “a crueldade voltada sobre si mesma”, enfim, uma fruição ignóbil do pecado que deve ser colocada à distância. Abandonando algumas considerações do autor sobre outras compreensões da “ascese”, e que não cabem aqui, ele considera que a verdadeira ascese não é fraqueza, mas força; não é ressentimento, mas desejo e vontade; não é negação, mas alta afirmação do bem maior; não é fascinação diante do mal, mas liberdade; pois não se trata de dizer “não” aos desejos, mas de dizer “sim” ao mais desejável. Por conseguinte, ela é o exercício cotidiano de uma liberdade possuída do Bem, e por isso mesmo desprendida do que a subjuga, do que a domina.

Em outras palavras, longe de escravizar o homem dentro dos limites de sua liberdade interior, a ascese leva-o para fora de suas prisões, desamarra-o dos condicionamentos errados das percepções contraditórias que o impedem de conquistar o seu Verdadeiro Bem. É por isso que, enfatizando ainda o raciocínio de nosso autor, renunciar a certas satisfações sensíveis não é uma maneira de negar-lhes todo o valor, mas de colocá-las em seu devido lugar. Todo prazer é bom quando não nos distancia do Bem; todo desejo é sã quando nutre em nós o desejo da alegria; toda alegria é boa quando é consciente de que em nós se eleva, elevando-nos consigo. Por tudo isso, a ascese não é uma maneira de recusar as alegrias da existência, os prazeres da vida, mas um modo para governá-los, orientá-los. Sua lógica não é a da repressão, mas a da liberdade. Fazer o exercício da hierarquização de seus prazeres em face da alegria é aprender a não se deixar tiranizar por eles. Tudo isso para dizer que aquele que sabe o que quer e quer o que ama é, então, a figura de um homem verdadeiramente livre. Ele pode usufruir dos bens da vida sem está apegado a eles, de modo que nada lhe é proibido. Sem dúvida, essa sentença final desemboca na expressão de Santo Agostinho que estigmatizou o imperativo: “Ama e faze o que queres!”. 

 


Quem ama não peca, como quem é livre não se deixa orientar pelos caminhos do mal. No entanto, é preciso que a vontade encontre o caminho do coração, a fim de que o exercício da ascese nos permita encontrar a verdadeira senda das orientações da nossa vida diante de Deus. Eis, então, o desafio constante, muitas vezes, sacudido pelos desejos terrenos que não nos permitem avançar na direção do verdadeiro Bem.