domingo, 14 de setembro de 2014

Olharão para aquele que trespassaram

Olharão para Aquele que trespassaram 

 


Na festa da Exaltação da Santa Cruz, somos convidados a elevar nossos olhos para o Senhor nosso Deus e Salvador, Jesus Cristo. Desde que ele entrou no mundo, participando de nossa vida e história, toda a nossa existência está atravessada pelo mistério de sua Encarnação.

Já no Antigo Testamento, encontramos a expressão prefigurativa bem remota que, a pedido do próprio Deus, por meio de Moisés, planta a esperança da salvação, que cura o homem nas profundezas mais radicais de suas rebeldias, na serpente pendurada pela haste. O povo que andava com Moisés em direção à Terra prometida, no meio das dificuldades do caminho do deserto, com fome e sede, sem água nem pão, reclamou contra Deus e o seu servo Moisés, de modo que o Senhor enviou serpentes venenosas para morder o povo e matá-lo. Arrependidos, eles clamaram misericórdia, e Deus pediu que Moisés colocasse a imagem de uma serpente de bronze sobre uma haste, a fim de que todo aquele que fosse mordido se curasse olhando para ela (Nm 21,4-9). Quem fosse mordido e olhasse para ela “permanecia vivo” (v. 9). “Deus não elimina as serpentes, mas oferece um antídoto. Através da serpente de bronze feita por Moisés, Deus transmite a sua a força de cura que é a sua misericórdia, mais forte do que o veneno do tentador. Jesus se identificou com esse símbolo. De fato, por amor o Pai deu o seu Filho Unigênito aos homens para que tenham a vida (Jo 3,13-17). E esse amor imenso do Pai impulsiona o Filho Jesus a fazer-se homem, a fazer-se servo, a morrer por nós e a morrer sobre uma cruz. Por isso, o Pai o ressuscitou e lhe deu a senhoria sobre todo o universo. [...] Quem se confia a Jesus Crucificado recebe a misericórdia de Deus que cura do veneno mortal do pecado.” (Papa Francisco). 



Segundo a tradição bíblica, a morte é uma das consequências do pecado, e o livro da Sabedoria de Salomão afirma que foi por inveja do diabo que a morte entrou no mundo (Sb 2,24). Desse modo, diante da pequenez humana, cujos horizontes se fecham pelas atitudes mesquinhas da desobediência, tantos séculos passados, eis que Cristo, pregado na árvore da Cruz, se torna o nosso Salvador pela obediência incondicional à vontade do Pai. Ele se aniquilou a si mesmo na sua kênosis, no seu rebaixamento até à nossa humanidade pecadora, “obediente até a morte e morte de cruz” (Fl 2,8). Aquele que não conhecera o pecado, Deus o fez pecado por nós. Ele subiu à cruz no nosso lugar, a fim de que também nós estejamos crucificados com ele, conforme a expressão de São Paulo: “Eu estou crucificado com Cristo, já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim. Minha vida presente na carne eu a vivo pela fé no Filho de Deus que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,19-21). Por Ele, nós temos acesso à vida eterna, à vida em plenitude que Ele veio nos trazer.

O enigma da cruz do Senhor permanecerá um mistério aos olhos incrédulos dos que não aceitam o paradoxo da radicalidade de seu amor derramando até o fim sobre o pecado de todos os homens (Jo 13). “Como Moisés elevou a serpente no deserto, assim é preciso que o Filho do Homem seja elevado [da terra], a fim de que todo aquele que crê tenha a vida eterna. Porque Deus amou de tal maneiro ao mundo, que enviou o seu Filho Unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,14-16). Portanto, no tempo da vida nova, da vida renovada pela Cruz do Senhor, não olhamos mais para a serpente de bronze, mas olhamos diretamente para o Cristo que, uma vez elevado sobre a terra, atrai para si todos os olhares (Jo 12,32). Somente com os “olhos fixos nele” (Hb 12), encontraremos a expressão máxima da vida que permanece para sempre. Se olhando para a serpente, o povo de Deus se curava e permanecia vivo, quanto mais agora, o povo do Novo Testamento poder alcançar as graças infinitas do cumprimento pleno de todas as promessas antigas. Do mesmo mistério que nos distancia de Deus, a morte, Deus mesmo faz brotar as águas santificantes da graça que nos reaproxima d’Ele, por meio de Cristo que participa de nossa morte humana. “Depois, o Anjo me mostrou o rio da Vida, límpido como o cristal, que fruía do trono de Deus e do Cordeiro” (Ap 21,1). O trono do Cordeiro de Deus imolado por nós é a Cruz do Senhor. Ali teve início a glorificação de Jesus, pela qual ele abriu-nos o acesso ao Pai: “Em verdade, em verdade, vos digo, se o grão de trigo caído na terra não morre, ele permanece só; mas se ele morre produz muito fruto. [...] Pai, glorifica o teu Nome. E do céu veio uma voz que dizia: Eu o glorifiquei e o glorificarei de novo” (Jo 12,24-28). 


“Ó cruz gloriosa, Tu és digna de nosso louvor. Tua preciosa madeira é o maravilhoso sinal pelo qual o mal foi vencido e o mundo redimido pelo sangue de Cristo. Aleluia!”. 


A Cruz do Senhor também traduz o sentido profundo de todas as buscas e angústias humanas. Nosso coração sedento de Deus, dilacerado pelas carências de todo tipo – a falta de amor que não permite que nos sintamos amados; a ausência do perdão que nos faz sentir excluídos da vida das pessoas; a pobreza material que, muitas vezes, diminui e apaga o brilho de nossa dignidade; a miséria que nos tira o gosto de viver; as desilusões com as pessoas em quem confiavam que frustram e minam a esperança da convivência fraterna, amiga – tudo isso deve conduzir-nos ao encontro com o Senhor na Cruz. Lá, ele nos espera, a fim de que assumamos nossa “parte de sofrimento como um bom soldado de Cristo” (2Tm 2,3). Com efeito, não podemos nos esquecer de que ele ainda falou: “Se alguém me serve que ele me siga; e onde eu estiver lá estará também o meu servo” (Jo 12,26). 

 


Não podemos fugir do confronto com a Cruz do Senhor, sobretudo, pelo incômodo que ela nos causa. Se quisermos ser verdadeiros discípulos do Senhor, carregando atrás dele a nossa cruz, devemos nos deixar inquietar pelas chagas de suas feridas abertas por causa do amor por nós. É a piedade marcada pelo sofrimento do Senhor que nos ajuda no processo de conversão a Ele. 



Nós vos adoramos, Santíssimo 
Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos. 
Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo! Amém