quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Um voo para Paris II



Um voo para Paris II




O Jardim do Palácio Luxemburgo, que é o lugar do Senado Francês, é um espetáculo durante o verão. Um lugar de lindos jardins, grandes árvores e muitas flores bem tratadas e sempre coloridas. Paris está quente para um nordestino. A temperatura atinge os 22 graus durante o dia. As pessoas passeiam com roupas leves. Ali as pessoas se encontram, conversam, comem o lanche trazido de algum comércio das proximidades, estudam, leem, enfim, aproveitam a cultura do espaço aberto no meio da relva para viver, descansar da agitação do dia, brincar e jogar. As crianças são as pessoas que mais chamam a atenção pela espontaneidade com os brinquedos modernos sobre rodas. Com duas rodas, com três rodas, a criançada se arrisca por entre os adultos na companhia dos pais ou de alguém mais velho. E conversam maravilhosamente bem. E parecem gente grande.

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo por tudo. Não poderia ter recebido melhor presente de aniversário. Mais um presente de sua Igreja em favor de meu crescimento intelectual, mas também espiritual e humano. Quanto realmente eu precisaria melhorar nesses aspectos, porque cada um que olhar para si mesmo com honestidade de consciência sabe que não é o melhor dos homens! O pensamento de um homem não é ele todo. Jamais seu discurso poderia atingir a plenitude do que ele é na sua essência mais íntima. Cada um é sozinho desde quando nasce, por onde quer que passe durante sua breve existência até o dia de sua morte. Por isso, a solidão é a característica mais profunda e intrínseca à própria singularidade do ser pessoa. Logo, sozinho por sozinho, tanto faz se em Aracaju ou Paris, em Londres ou Nova York, contanto que não nos esqueçamos do significado fundamental daquilo que somos segundo o que Deus mesmo plantou na constituição inerente ao mais original e recôndito de nosso ser. E ainda que não sejamos capazes de nos derramar todo, por inteiro, no balde dialético de nossas percepções, a intuição da necessidade de mudança é a primeira luz que se acende no vislumbre interior de nossas próprias convicções. E é, pois, iluminados pela sua esperança que devemos caminhar sempre avante, reconhecendo que nossa vida está diante de nós e não podemos ficar olhando ara trás. Viajar sozinho é ruim, mas isso já está dentro de nosso sangue vocacional. Com certeza, um companheiro de viagem poderia tornar as paisagens da estrada mais divertidas. Porém, não havia mais ninguém no pacote que me foi oferecido. Desse modo, vou atravessando as plagas de meu próprio espírito e do mundo que me acompanha por onde passo. O importante é não nos determos parados no tempo, enquanto a vida puder levar-nos mais longe. Passeando em Paris, eu pude subir, a pé, os quase setecentos degraus que nos conduzem ao segundo andar da Torre Eiffel. A cada passagem pelos degraus da escada, o panorama parisiense se tornava mais encantador para todos os lados. Quando o tempo retardar os meus passos, tornando-os ainda mais lentos ou vagarosos, isso não me será mais possível, mesmo se também existe a possibilidade de grimparmos a torre de elevador. O ritmo da vida é quem determina aonde poderemos ir ou não. Até que, um dia, paralisaremos definitivamente. É a incumbência da finitude que nos arrasta para os páramos etéreos de sua fatalidade. E, inexoravelmente, seguiremos o anseio de sua vontade contra a qual nada poderemos fazer. 

  
 Quando a vida escorre para o pôr do sol 
 Ã‰ o pensamento da morte que, de novo nos assalta, pela ânsia de vida que carregamos dentro de nós. E não sei por que razão misteriosa esse tema me fascina tanto. Será que é porque só vive bem quem pensa na morte? A vida me fez sozinho e sozinho morrerei, porque desde quando fomos jogados na corrente do tempo somos encaminhados para lá. Como na concepção de Jean Mouttapa, que prefaciando o livro de François Chang, da Academia Francesa – Cinq méditations sur la mort  – afirmou que sempre chegará o momento em que a morte nos deixará sem palavras. É quando, então, se impõe o silêncio... Ou o poema que é a palavra transfigurada. Por isso, a quinta de suas meditações toma emprestada a voz poética, a fim de que, o canto, além da morte, tenha a última palavra (François Chang). A explosão da vida se ilumina em face da morte. Na concepção desse autor, a morte faz parte da vida enquanto processo de transformação. Por isso, não podemos falar da morte sem apelo à sacralidade da própria vida. De cultura oriental com influência na ocidental, pois ele morou na França, aonde chegou em 1948, esse autor considera o fato de que, sensíveis às condições trágicas de nosso destino, ao menos nós deixamos a vida nos invadir pela sua insondável espessura, fluxo de promessas desconhecidas e de indizíveis fontes de emoção. Seguindo a intuição de Tao, ele fala que a “Via”, a gigantesca marcha orientada do universo vivo, mostra-nos que um Sopro de vida, a partir do Nada, fez advir o Tudo. Com efeito, como o materialismo para qual “nada existe”, nós também falamos do Nada, mas esse Nada significa Tudo. A morte faz-nos tocar com o dedo o inacreditável processo que faz balançar o Tudo no Nada. Ela nos permite conceber o estado do Não-Ser. Desse modo, ainda dentro de sua linha de raciocínio, cada um de nós, no curso da vida, se confrontou com a morte de entes queridos ou até mesmo desconhecidos e, sobre outro plano, nós mesmos estivemos “mortos”. Daí, somos levados a tomar consciência da onipresença e do poder da morte – morte individual, morte da espécie. Todavia, curiosamente, uma intuição nos diz também que é a nossa consciência da morte que nos faz ver a vida como um bem absoluto e o advento da vida como uma aventura única que nada saberia substituir. Mais adiante, ele usa o verbo estritamente filosófico “devenir”, que na [pobreza da] língua portuguesa poderia ser definido assim: “Transformação incessante e permanente pela qual as coisas se constroem e se dissolvem noutras coisas; devir, vir a ser” (Dicionário Aurélio). A dinâmica da vida seria isso, quer dizer, um transformar-se, um “vir a ser”, de modo que em francês ele se expressou da seguinte maneira: “La vie: quelque chose qui advient et qui devient” (François Chang) [“alguma coisa que acontece e se transforma”]. Talvez, os filósofos de profissão tenham uma tradução melhor! No entanto, uma explicação ulterior é apresentada pelo próprio autor quando se refere ao fato de que uma vez acontecida – “advinda” – a vida entra no processo do vir a ser, da transformação. Sem vir a ser, não existiria vida, de modo que a vida é vida apenas vindo a ser [estando em processo de transformação?]. 

  
A famosa Sorbonne de Paris - Celeiro de pensadores universais 
 Na sua visão, é nesse sentido que podemos compreender a importância do tempo, porque é dentro dele que a vida se desenvolve. Por conseguinte, é precisamente a existência da morte que nos confere a dimensão do tempo. Assim, “vida-tempo-morte” é um todo indissociável, a menos que isso não seja “morte-tempo-vida”. Portanto, se o tempo parece-nos um terrível devorador de vidas – continua o autor – ele é, ao mesmo tempo, o grande fornecedor. (François Chang). Embora pareça contraditório ou paradoxal, a ideia segue uma lógica que encontramos também em autores cristãos, como no caso de Gerhard von Rad que definiu o tempo como “a possibilidade dos eventos”, isso dito em relação à história da Criação apresentada no livro do Gênesis da Bíblia – ele era um grande estudioso do Antigo Testamento. Como se o tempo houvesse começado a existir no momento em que Deus “decidiu” criar as coisas, desencadeando o processo dos eventos.