segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A Singular História de Israel

A Singular História de Israel



Preparando-nos para a celebração do Natal de Jesus, os textos da Sagrada Liturgia vão conduzindo nossos passos na direção do Senhor que vem. Mas, os textos, também, recordam-nos os fatos maravilhosos que o Deus de Israel realizou em favor do seu povo, escolhido e eleito. Daí brota o fato extraordinário de Israel fazer parte da singular história em que o único Deus verdadeiro entra em contato com um povo, o seu povo. Assim, no meio das nações pagãs, Israel apresenta-se grande na sua dimensão histórica e espiritual por tornar-se o sinal vivo da aliança que Deus fez com toda a humanidade. Diante da complexidade que envolve o manto da religião de Israel no horizonte da teologia da revelação, não é o caso, aqui, de entrarmos em pormenores desnecessários quanto ao que, no momento, interessa-nos, isto é, a possibilidade de fazer alguns acenos relativos à Revelação de Deus ao seu povo, especialmente, à luz da Sagrada Escritura. Mesmo por que a história de Israel, como a encontramos na Bíblia, não a temos em nenhum outro registro dos anais dos povos antigos. Trata-se, realmente, também por esse aspecto, de uma história singular, particular, privilegiada pela bondade de seu Deus que não esquece o seu povo. 

Inicialmente, gostaria de trazer a lume um pensamento impetrante do profeta Isaías em que ele diz o seguinte: “Desde os tempos antigos nunca se ouviu, nunca se havia sabido, os olhos não tinham visto um Deus que agisse em prol dos que esperam nele, exceto a ti. Sim, tu te irritaste contra nós e, com efeito, nós pecamos, mas permaneceremos para sempre em teus caminhos e assim seremos salvos. Todos nós éramos como pessoas impuras, e nossas ações como pano imundo. Murchamos todos como folhas que secam, nossas transgressões nos levam como o vento. Não há ninguém que invoque teu nome, que se erga, firmando-se em ti, porque escondeste de nós tua face e nos abandonaste ao capricho das nossas transgressões. E no entanto, Iahweh, tu és nosso pai, nós somos a argila e tu és o nosso oleiro, todos nós somos obras de suas mãos. Não te irrites, Iahweh excessivamente, não conserves para sempre a lembrança do pecado. Olha, pois, para nós: somos todos teu povo” (Is 64,3-8). Pela citação, sabemos que o texto citado faz parte do conhecido Terceiro Isaías, cuja tradição faz remontar sua pessoa ao tempo depois de quando Israel havia sido exilado, distante de todos os bens que o Senhor lhe havia favorecido nos tempos de antanho, no correr da história de infidelidade e desobediência aos mandamentos divinos, aos propósitos perenes da aliança eterna. Num contexto mais amplo, o texto está inserido em circunstâncias cruciais para o povo eleito. É um texto tremendo e luminoso. O profeta lamenta a situação a que o povo se deixou arrastar por conta da infidelidade, do materialismo e do espírito de autossuficiência longe de Deus. Sem Deus, Israel apequena-se demais. 

Ao longo de sua história, Deus sempre tentou advertir Israel contra os perigos da idolatria, consequência do abandono de seu próprio Senhor. De modo mais incisivo, o povo era convidado a não esquecer o quanto o Senhor havia feito em seu favor, levando-o à consciência de sua memória histórica. De fato, Deus sempre carregou o seu povo em asas de águias: “Ele o achou numa terra do deserto, num vazio solitário e ululante. Cercou-o, cuidou dele e guardou-o com carinho, como se fosse a menina de seus olhos. Como a águia que vela por seu ninho, e revoa por cima dos filhotes, ele o tomou, estendendo as suas asas, e carregou em cima de suas penas. O único a conduzi-lo foi Iahweh, nenhum deus estrangeiro o acompanhou” (Dt 32,10-12). Era o modo como Deus lhe demonstrava carinho e proteção, de que Israel não deveria, jamais, esquecer-se. Sobretudo na fartura, Israel havia sido advertido: “Contudo, fica atento a ti mesmo, para que não esqueças a Iahweh teu Deus, e não deixes de cumprir seus mandamentos, normas e estatutos que hoje te ordeno! Não aconteça que, havendo comido e estando saciando, havendo construído casas boas e habitando nelas [...] que teu coração se eleve e te esqueças de Iahweh teu Deus que te fez sair do Egito, da casa da escravidão” (Dt 8,11-14). Eis, porém, o que acontecera: “Uma vez que não servistes a Iahweh teu Deus com alegria e generosidade quanto estava não abundância, servirá então o inimigo que Iahweh enviará contra ti, na fome e na sede, com nudez e privação total. Ele porá em teu pescoço um jugo de ferro até que sejas exterminado” (Dt 28,47-48). Mas, Deus é Deus, e não permitirá que Israel seja envergonhado, decepcionado, frustrado, diante das nações circunvizinhas. Israel reconhece seu pecado e sua falta, por isso que o profeta insiste, confiando na ternura, no amor e na misericórdia divinos: “Iahweh, tu és nosso pai, nós somos a argila e tu és o nosso oleiro, todos nós somos obras de suas mãos. Não te irrites, Iahweh excessivamente, não conserves para sempre a lembrança do pecado. Olha, pois, para nós: somos todos teu povo”. O grito quase desesperado do profeta implora a piedade de Deus para o seu povo. Não obstante tudo, aquele era o povo de Deus. 

Chafurdando na lama do pecado, Israel reconhece sua falta e espera na piedade de seu Senhor. Totalmente prostrado por conta do exílio na Babilônia, provocado pela infidelidade do povo que vai levado pela tirania inconsequente de Nabucodonosor, o estado de ânimo de Israel apresenta-se abatido, inconsolável, mas esperançoso. O Senhor não haverá de faltar-lhe justamente agora, pois o seu amor é sem fim, para sempre (Sl 118). Deportando de sua capital religiosa, longe do templo e das condições físicas e espirituais que favoreçam o louvor ao seu Deus, a reconstrução de Jerusalém quando do retorno do exílio é a mais viva expressão do quanto Israel precisa reencontrar-se na sua restauração interior. Tudo isso também é fruto de uma promessa divina, anunciada pela boca do profeta que clama a Jerusalém: “Põe-te em pé, resplandece, porque tua luz é chegada, a glória de Iahweh raia sobre ti. Com efeito, as trevas cobrem a terra, a escuridão envolve as nações, mas sobre ti levanta-se Iahweh e sua glória aparece sobre ti. As nações caminharão na tua luz, e os reis, no clarão do teu sol nascente” (Is 60,1-3). Apesar da humilhação diante dos povos inimigos, nem tudo está perdido para Israel, que se reconhece necessitado de seu Senhor, a quem ele se lembra de recorrer nas situações mais graves e penosas de sua dura existência enquanto povo teimoso, de dura cerviz. 

Por tudo isso, o povo de Israel é um povo feliz, mormente, quando reconhece sua radical dependência divina. Seu Deus não é invenção humana. O verdadeiro Deus de Israel, o nosso Deus bendito pelos séculos, não é criação de nossa mente vazia de explicações lúcidas e coerentes às razões da própria fé. O Deus de Israel é o Deus que se revela ao seu povo, a ponto de, na progressão histórica de sua epifania, de sua manifestação plena, visitar-nos na Encarnação do Filho. Por isso que a religião não é “um sonho da mente humana”, como afirmara Ludwig Feuerbach, citado por Rubem Alves, em que “vemos as coisas reais no fascinante esplendor da imaginação e do capricho... O homem – esse é o mistério na religião – projeta o seu ser na objetividade e, a seguir, faz-se objeto dessa imagem projetada de si mesmo, agora transformada em sujeito”. Tantos séculos passados, após a amarga experiência de Israel, não é que o cenário vivido pela humanidade, quanto ao desafio do abandono e da fé no Deus único, vivo e verdadeiro, tenha mudado muito. O homem farta-se de conhecimentos científicos e tecnológicos e pensa poder encontrar neles a segurança para sua vida, sua existência. Que o digam os métodos falidos e transtornados da economia global para os quais os grandes líderes mundiais tentam encontrar uma solução rápida e eficaz, sem o saber como. 

Mesmo que o Senhor da História não seja reconhecido como tal pelas manias ensandecidas da autossuficiência humana, ele continuará sendo o princípio e o fim de tudo. Todavia, sem ele, a humanidade seguirá, com desespero incontrolável e pânico paralisante, bordejando desenfreada em direção ao abismo profundo de sua autodestruição.