segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Maran atha!


Maran atha 



Desde que Cristo veio a primeira vez, assumindo a nossa humanidade na sua Encarnação, e tendo subido aos céus, após a sua Morte e Ressurreição, a Igreja inteira, em atitude de oração humilde e insistente, não se cansa, jamais, de repetir, esperançosamente, o “Maran atha” (1Cor 16,22). O vocábulo, de origem aramaica, entrou bem cedo na linguagem cristã da Liturgia para exprimir, na perene celebração da Igreja peregrina, o desejo sincero de seu definitivo encontrou com o Senhor na sua Parusia, isto é, na sua segunda vinda. Por isso a “exclamação imperativa”: “Nosso Senhor, vem!”.
Em vários contextos do Novo Testamento, seu significado é o mesmo, embora apresente nuanças diferentes: “O Senhor está próximo” (Fl 4,5); “Assim, também vós, esperai com paciência e fortaleceis os vossos corações, porque a Vinda do Senhor está próxima” (Tg 5,8); “O fim de todas as coisas está próximo” (1Pd 4,7); “Eis que venho em breve” (Ap 22,7); “Aquele que atesta estas coisas, diz: ‘Sim, venho muito em breve!’ Amém! Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22,20). Todas essas expressões traduzem a iminência do retorno do Filho do Homem, “em sua glória” (Mt 24,31), como Senhor e Juiz da História. Naquele grande e tremendo dia, o segredo de muitos corações serão revelados. Então, o Senhor se apresentará para o julgamento final, quando “serão reunidas todas as nações e ele separará os homens uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos bodes” (Mt 24,32), como nos revelam as Sagradas Escrituras. Com efeito, não por acaso, a sábia e milenar liturgia da Igreja renova a cada instante, e todos os dias, o anseio permanente de que tal promessa se realize: “Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição. Vinde, Senhor Jesus!”.
Embora, vez por outra – especialmente, em viradas de milênio – alguns falsos profetas nefastos da agonia tentem apressar o grande final do palco ilusório desse mundo, aquele momento derradeiro não foi revelado a ninguém, nem mesmo ao Filho de Deus. De fato, perguntaram os discípulos ao seu Mestre: “Senhor, é agora o tempo em que irás restaurar a realeza em Israel? E ele respondeu-lhes: ‘Não compete a vós conhecer os tempos e os momentos que o Pai fixou com sua própria autoridade’” (At 1,6-7), de maneira que “daquele dia e da hora, ninguém sabe, nem os anjos dos céus nem o Filho, mas só o Pai” (Mt 24,36). O fato é que esse momento de radical transformação acontecerá, e a Igreja jubilosa do Senhor se entusiasma e se anima com essa promessa de restauração de todas as coisas na plenitude dos tempos, porquanto “passarão o céu e a terra. Minhas palavras, porém, não passarão” (Mt 24,35). Num horizonte mais profundamente teológico, diante do contexto paulino, tal “aclamação” pode expressar três funções: “Primeiro expressa sinceros votos de que o Senhor venha logo. Depois de escrever uma extensa carta cheia de hostilidade, reprimendas e instruções, Paulo com certeza deseja que o Senhor venha logo para justificar o que ele disse e fez com os apóstolos (cf. 1Cor 4,3-5). Segundo, é usada para corrigir a concepção errônea dos coríntios quanto à posição que têm em Cristo. [Ou seja, que] o senhor virá de novo para conduzi-los ao novo reino com seus corpos ressuscitados ou transformados [...]. E, finalmente, funciona para exortá-los a viver dignamente diante do Senhor. Já que enfrentarão seu julgamento na sua vinda (1Cor 3,11-15), uma súplica pela vinda do Senhor lembra-os de se comportarem sempre de maneira apropriada, principalmente na vida pessoal, bem como no culto comunitário” (Dicionário de Paulo e suas cartas).
Sem dúvida, o mistério celebrado na Eucaristia, considerada como “penhor da vida futura”, encerra a grandeza da expectativa da comunidade dos crentes que, com os olhos voltados para os céus, aguardam “a bem-aventurada esperança e a vinda do nosso Salvador Jesus Cristo” (Catecismo da Igreja Católica, n. 1404). E é para essa realidade escatológica futura que também aponta a celebração do Natal do Senhor. Desse modo, a Igreja inteira nunca se cansa de incentivar uma vivência cristã mais conforme à proximidade com a chegada do Salvador.
Na concepção de Kuhn, o “Maran atha” é ou uma profissão de fé no Cristo glorificado presente na comunidade dos seus fieis, sobretudo, quando se celebra a Eucaristia, afirmando que “nosso Senhor está aqui”, ou é o grito da comunidade tensa no desejo de seu retorno. Evidentemente, não é isso o que encontramos na coloração festiva da luminosidade fria e distante de nossas ruas e casas durante o tempo natalino. Às vezes, nenhum sinal do verdadeiro sentido do Natal do Senhor está presente na avareza comercial das publicidades e do intercâmbio de presentes que acaloram os encontros de “fraternidade” no final do ano. De fato, no flagrante paganismo do mundo moderno, o brilhantismo de muitas festas cristãs assumiram conotações que nada falam do mistério de Deus que se fez “carne [homem] e habitou entre nós” (Jo 1,14). Pior ainda, o Deus misericordioso que, na sua humanidade, rebaixou-se ao nível de se igualar aos pecadores, a fim de proporcionar-lhes a verdadeira felicidade, tem sido cada vez mais expulso do mundo que ele mesmo criou e o redimiu, escandalosamente, numa demonstração gratuita de amor sem limites. Como nos lembra um autor moderno, afirmando: “Bastaria considerar a barbarização que o calendário cristão sofreu: o domingo é weekend, Todos os Santos é Halloween, o 25 de dezembro se identifica com Papai Noel, a Epifania é só a Befana, a velha bruxa que traz presentes às crianças na noite de Reis (na Itália)” (Svidercoschi).
Não obstante tudo, na consciência dos verdadeiros cristãos, jamais morrerá o encanto da “teologia da luz”, que, na noite do nascimento de uma frágil criança, enche de claridade e esperança os devaneios provocantes de uma sociedade adormecida nos porões escuros de sua suposta e mórbida autossuficiência. Que na noite santa de Natal, estejamos, vivamente, acordados para acolher o Senhor que vem, mais uma vez, devolver-nos o resplendor da dignidade humana que acende em nosso coração a certeza de que nem tudo está perdido e de que, no aparente caos que nos cerca, o mundo ainda tem Dono.