terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Mysterium nunc patefactum

Mysterium nunc patefactum 



Durante muito tempo, a manifestação de Deus em sua plenitude na Pessoa do Filho ficou escondida no segredo do tempo. Daí a certeira e bela expressão de São Paulo: “Àquele que tem o poder de vos confirmar segundo o meu evangelho e a mensagem de Jesus Cristo – revelação de mistério envolvido em silêncio desde os séculos eternos, agora, porém, revelado [mysterium nunc patefactum] e, pelos escritos proféticos e por disposição do Deus eterno, dado a conhecer a todas as nações, para levá-las à obediência da fé – a Deus, o único sábio, por meio de Jesus Cristo, seja dada a glória, pelos séculos dos séculos! Amém” (Rm 16,25-27). De fato, trata-se de uma breve síntese do grande mistério da revelação de Deus que se fez acessivelmente visto em Jesus, pois “Ele é a imagem do Deus invisível” (Cl 1,15). E é justamente isso que celebramos durante o tempo do Advento que nos prepara para o Natal de Jesus.
Deus entra no tempo e desvela os segredos de sua Pessoa, fazendo-se pessoa como nós na carne de nossa humanidade. E o mundo inteiro se transformou com sua chegada. A vida se encheu de brilho; a pobreza, de significado; os sonhos, de esperança; as dificuldades do quotidiano, de superação; as tristezas, de consolação; as dores, de alívio; as angústias, de serenidade; os medos, de coragem; a caducidade, de renovação; a velhice, de juventude; as feridas, de bálsamo leniente; o caos interior, de harmonia; o diálogo, de compreensão; as palavras, de sentido; as dilacerações, de atilhos; os desafetos, de reconciliação; o vazio, de plenitude; enfim, o próprio homem, de Deus mesmo. Essa é, então, a grande novidade à qual os homens devem abrir-se, como diz São Paulo, a fim de poderem viver “a obediência da fé”, cujo exemplo maior foi o próprio Cristo quem deu com o testemunho radical de sua submissão à vontade do Pai. Na verdade, a obediência é a expressão incondicional da gratuidade do amor. Não por acaso, São João Bosco pregava: “Faze-te amar para, depois, fazer-te obedecer”. O amor desfaz as amarras do coração, tornando-o livre para a obediência. De fato, esse foi o testamento espiritual de toda a vida de Cristo vivida até o fim, até os limites extremos de sua generosa entrega (Jo13).
Esse “mistério agora revelado” jamais será atingido pela compreensão humana em toda a sua totalidade. A riqueza insondável do mistério de Cristo estará sempre além de qualquer esforço humano de nossa inteligência. Enquanto mais meditamos e refletimos sobre ele, com todas as consequências místicas de sua verdade escondida de nossas percepções, mais parecemos distantes dele, senão pela parte do envolvimento que nos cabe, redentoramente, na participação de seu próprio mistério. A palavra é de um dos maiores místicos da Igreja de Cristo, do século XVI, São João da Cruz: “É preciso cavar fundo em Cristo, que se assemelha a uma mina riquíssima, contendo em si os maiores tesouros; nela por mais que alguém cave em profundidade, nunca encontra o seu fim ou termo. Ao contrário, em toda cavidade aqui e ali novos veios de novas riquezas. Por isso que o apóstolo Paulo falou acerca de Cristo: Nele estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência de Deus (Cl 2,3). A alma não pode ter acesso a estes tesouros, nem consegue alcançá-los se não houver antes atravessado e entrado na espessura dos trabalhos, sofrendo interna e externamente e sem ter primeiro recebido de Deus muitos benefícios intelectuais e sensíveis e sem prévio e contínuo exercício espiritual”. E o Santo continua com profunda intuição cristológica: “Tudo isto é, sem dúvida, insignificante; são meras distrações para as sublimes profundidades do conhecimento dos mistérios de Cristo, a mais alta sabedoria a que se pode chegar nesta vida. Quem dera reconhecessem os homens ser totalmente impossível chegar à espessura das riquezas e da sabedoria de Deus! Importa antes entrar na espessura das labutas, suportar muitos sofrimentos, a ponto de renunciar à consolação e ao desejo dela. Com quanta razão a alma, sedenta da divina sabedoria, escolhe antes em verdade entrar na espessura da cruz”. Que desconfortável intuição: “Entrar na espessura da cruz”, para entender o vislumbre luminoso de sua encarnação.
A cruz de Cristo é o arco dentro do qual a sua vida se esgota e desaparece na impenetrabilidade do mistério colocado na penumbra da nossa fé. Assim, a mesma luz que brilha no Natal do Senhor resplandece na manhã da ressurreição depois do suplício do Calvário. Ou seja: é a vida toda de Cristo que cintila no momento de sua chegada em meio à nossa humanidade. Curiosamente, em alguns ícones que retratam o nascimento de Cristo, ele aparece revestido de uma mortalha e sua manjedoura é semelhante a um túmulo. Vida e morte se completam no mistério da existência do Filho de Deus que “se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Que estupendo mistério! Ele se fez pobre da nossa humanidade, a fim de nos enriquecer da sua divindade. Esse tem sido o resumo do motivo de sua presença no meio de nós. O “mistério da iniquidade” suplantado pelo “mistério da graça”. Com efeito, “de sua plenitude, todos nós recebemos graça por graça” (Jo 1,16), conferindo-nos os dons divinos da salvação. Por sua vez, ao aludir à manifestação do Verbo de Deus entre os homens, Santo Hipólito afirma: “Deus possuía o Verbo em si mesmo, e o Verbo era imperceptível para o mundo criado; mas fazendo ouvir a sua voz, Deus tornou-o perceptível. Gerando-o como luz da luz, enviou como Senhor da criação aquele que é sua própria inteligência. E este Verbo, que no princípio era visível apenas para Deus e invisível para o mundo, tornou-se visível para que o mundo, vendo-o manifestar-se, pudesse ser salvo”. Salvo de que? Sem dúvida, do pecado que afasta o homem de Deus.
Cristo faz a ponte que permite o homem reencontrar o caminho do céu. Por isso que, sem nos deixar contaminar pelo preconceito dos que apresentam uma imagem errada e distorcida de Deus e de Cristo, devemos permitir-nos crescer no conhecimento das verdades que encerram a manifestação de Jesus. Portanto, com sinceridade de coração e honestidade de inteligência, precisamos abrir-nos ao caudal das riquezas inexoráveis da proximidade com Cristo, sobretudo, pelo dom sublime da amizade com ele. Precisamos buscá-lo nas escrituras e encontrá-lo nos sentimentos que nos tornam mais próximos uns dos outros pela mediação de Cristo. No entanto, para que isso aconteça é necessária a superação da mentalidade mesquinha que não permite o homem ver além de si mesmo. Na verdade, tantos são os bons sentimentos que embalam os gestos de corações generosos no período natalino, que não podemos esquecer-nos de trazer em nós as pulsações do coração de Cristo, sempre aberto e disposto ao acolhimento dos irmãos. Todas essas siluetas da comiseração fraterna estão relacionadas às moções do Natal do Senhor.
Por conseguinte, o olhar voltado para a gruta de Belém e a pobreza do recém-nascido deve encher de esperança os sonhos de plenitude que despertam a humanidade para o melhoramento de suas relações interpessoais. Não importa a distância de onde nos encontramos, o véu na noite linda de Natal quer abraçar a todos; não importam as intenções perdidas pela indiferença, a sensibilidade do Menino-Deus quer aproveitar o desejo dos presentes oferecidos aos necessitados do caminho; não importam as lágrimas derramadas, o choro do menino de Belém que enxugá-las todas. Como no filme “o quarto sábio”, vale o desprendimento que socorre a quem precisa dos agasalhos que não eram propriamente seus, mas que lhe foram úteis na urgência instantânea da partilha provocada pela surpresa do momento. Cristo recebe os dons que lhe ofertamos nos irmãos caídos na rua da miséria, do desprezo, da marginalidade social, da frieza de transeuntes abastados pela ganância egoísta do ter, sem a preocupação do ser na contramão da vida alheia.
Que bom seria se, no final do percurso da nossa vida, pudéssemos dizer: “Senhor, todos os presentes que eram para Ti, foram entregues aos irmãos necessitados que apareceram no caminho antes que eu Te encontrasse”. E ele pudesse responder-nos: “Não se preocupe! Eu recebi todos os seus presentes!” Se é verdade que Cristo se esconde sob o semblante dos pobres, como diria a Beata madre Tereza, também é verdade que tudo o que lhe for oferecido com generosidade de espírito não deixará de ter a sua oportuna recompensa.