quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Contagem Regressiva!


Contagem Regressiva 

 
A cidade estava totalmente agitada na expectativa da chegada do ano novo. Contagem regressiva. Muitas pessoas nas ruas tentavam voltar para casa, a fim de poderem comemorar o novo tempo com seus familiares. Crianças brincavam ao ar livre da inocência sem euforia alguma. Amantes e enamorados contemplavam o arrebol cintilante que, no horizonte festivo, caminhava para o último pôr do sol, para o derradeiro anoitecer daquele ano. O coração pulsava na inquietação do momento. Natal já tinha passado, e papai Noel, frustrado, perdeu toda a coloração de suas vestes, desbotadas pelo esgarçamento do tempo. Ele teria de esperar mais um ano para saber se o brilho tosco de seus cabelos ainda seria o mesmo. Será que alguém se lembraria dele? Onde será que ele se escondeu?
Uma criança distraída na calçada, tentando contar as estrelas, que pipocavam no céu, encantou-se com os fogos de artifício que anunciava a iminente chegada do ano novo. Um show pirotécnico acendia no céu escuro de ruas apertadas as esperanças do alvorecer de um novo tempo na esteira cronológica da existência. Mas, a verdade é que ele ainda não havia chegado. O sonho de criança é como a fantasia de papel Noel, quando ele pensa que está aí, já sumiu no horizonte do esquecimento do Natal. Ele pensou até em mudar de nome, em não mais se chamar papai Noel. O avançar solene do tempo exige uma coisa de cada vez na celebração dos encantos da natureza, da vida, do quotidiano, das emoções perdidas no ralo tênue da efemeridade insaciável dos acontecimentos. Até mesmo a lua tímida resolveu aparecer longínqua, mas majestosa e brilhante, distribuindo beleza e encanto ao evento. Todavia, sempre é tempo de sonhar, de renovar os anseios inequívocos da felicidade, da realização pessoal e coletiva, pois, “ninguém é uma ilha”.
Réveillon não se vive sozinho, distante do ninho, calafetado de linho, boiando num copo de vinho, com o incômodo da solidão. Companheiros e amigos ajudam no acalanto festivo do dealbar inerente à conclusão da meia-noite. Não por acaso, “quando se vai ao fundo da noite, encontra-se com uma nova aurora”, e com ela todas as esperanças se renovam no fugidio instante que se desprende de 2011 para dar lugar a 2012.
Entre o natal e o ano novo, muita magia se apresenta no ar. Pessoas cheias de esperanças estão na espera da plenitude do tempo para a realização de novos desejos de felicidade. Quem chegará lá, depois dos limites escondidos na inconsciência do tempo, daquilo que virá, e se virá, no limiar das novidades e surpresas do porvir? A vida, por si mesma, rebenta como um milagre florescido no sertão árido e seco, cuja coloração vai dando asas e credibilidade aos embates emergentes da existência. E o contraste verde-escuro das belas paisagens, desabrocha dentro da alma como canteiros de esperança, como de esperança deve ser o destino desconhecido de cada novo ser, de cada nova flor vicejante na origem luminosa da nascente de sua aurora, de maneira que muitos assaltos da nossa alma podem precipitar-nos no esconderijo do que poderíamos chamar “a inconsciência do tempo”. Mas, o que é o tempo? Não sei se, um dia, encontraremos uma resposta satisfatória a essa pergunta. Ao longo dos séculos, muitos se perguntaram sobre o que ele seria, sobre o seu significado e sobre a sua dimensão na realidade concreta da vida dos homens: existe, realmente, o tempo? Para adentramos no santuário do seu mistério, precisamos de tempo, ou melhor, temos necessidade do tempo.
O que é essa categoria humana, que nos permite viver tantas experiências, tantas possibilidades de realizações na vivência concreta dos fatos, verdadeiros e reais, que constituem o antes e o depois da História dos homens? Na verdade, o depois chega à nossa consciência tendo passado, quase imperceptível, pelo crivo da nossa inconsciência, ou mais categoricamente, pelos escombros de nossa capacidade de consciência, que nada mais é do que a plenitude da concepção de um fato que, só depois de ter acontecido, pode ser elaborado na imagem da visibilidade momentânea de nossa fantasia, qual espécie de resgate da sucessão dos anos decorridos. Somos o que somos no tempo, enquanto possibilidade de realização tangível, captada pelo esvair-se dos fatos repentinos que morrem para deixar espaço a outros. Nascemos crianças e nos tornamos velhos no tempo, pois os acontecimentos não cessam senão no pós-limiar intenso e imediato do último suspiro. E é provável que nem sequer tenhamos tempo para dizer, no trepidar emocionante do derradeiro adeus: “Acta est fabulas!” – “o espetáculo acabou”, como dissera o imperador Augusto ao despedir-se do cenário conturbadamente dramático de sua vida. O fato é que o tempo passa rápido demais, e as lembranças da vida vão se perdendo no redemoinho voraz do esquecimento. Não sem razão, a Bíblia afirma, embora na concepção dos ímpios, que “breve e triste é a nossa vida, o remédio não está no fim do homem, não se conhece quem tenha voltado do Hades. Nós nascemos do acaso e logo passaremos como quem não existiu; fumo é o sopro do nosso nariz, e o pensamento centelha do coração que bate. Extinta ela, o corpo se tornará cinza e o espírito se dispersará como ar no inconsistente. Com o tempo, nosso tempo cairá no esquecimento e ninguém se lembrará de nossas obras; nossa vida passará como uma nuvem – sem traços – se dissipará como a neblina expulsa pelos raios do sol e, por seu calor, abatida. Nossa vida é a passagem de uma sombra, e nosso fim, irreversível; o selo lhe é aposto, não há retorno” (Sb 2,1-5).
A cidade é grande. A dimensão de seus bairros ou arrabaldes periféricos esconde a pobreza e o encanto mágico de muitos anelos. A família faz festa reunida no aconchego de suas necessidades. As estrelas do céu trocam manifestações de “feliz ano novo”, embora elas mesmas continuem as mesmas de antes. Cada pontinho de luz perdido na dimensão do espaço sideral noturno é o reflexo nítido da esperança de dias melhores. Todavia, a luminosidade acelerada de bons e alvissareiros votos nem sempre chega para todos. Com efeito, encostada no leito de seu sofrimento, uma velha senhora não tinha muita certeza se poderia contemplar a beleza do novo dia, do novo ano. Seu coração estava cheio de angústia e tristeza porque, sozinha e abandonada, sentia saudade dos seus parentes e amigos. De fato, a possibilidade de viver novos tempos e fazer novas experiências, acoberta, na convicção adormecida da memória, a certeza do inesperado. O vai e vem infrene das conquistas sublimes do curso temporal da realização não pára, e a euforia noturna da sociedade em festa retoma o seu curso.
O caminho noturno da vida interior esconde as ciladas não visíveis ao imediato porvir. A praia estava em polvorosa, mas ainda havia muito chão do tempo para ser percorrido no alvoroço inquietante em busca de um bom lugar para se quietar à espera dos clarões pipocando no escuro céu da passagem de ano, que carrega uns consigo e deixa outros para trás, enterrados na letargia temporal que os faz dormir para sempre. Assim, na indiferença dos que se agitavam com as expectativas dos novos tempos sociais no redemoinho da agitação, aquela velhinha não veria a chegada do ano novo. Sua fragilidade e solidão eram apenas suas. Reminiscências pressurosas abriam os vãos da memória e passeavam desimpedidas na saudade da vida enrugada no rosto desgastado pelas rugas, marcas do início do fim da vulnerabilidade radical da impotência que não sobrevive a si mesma. A vontade de superar as deficiências do estado em que se encontrava não lhe permitiria transpor o inevitável constrangimento do escoar-se, sem querer, do hálito existencial que morre deixando o corpo inerte. E, no turbilhão violento do mundo alheio à serenidade desesperada de sua agonia, longe de tudo e de todos, amordaçada na insuficiência de suas forças vitais, o seu coração parou antes de soar o último minuto para a chegada do ano novo!
Nascer, viver e morrer são verbos sequenciados, que não conseguem sincronizar a plenitude do existir senão na decorrência fatídica de seu total desaparecimento. Feliz ano novo! Sem mortes, sem angústias, sem frustrações, mas com a convicção do acolhimento das sementes que o tempo plantará na seara da vida, fazendo-as frutificar no momento oportuno da glória solene da realidade.