segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Onde nasce o mal!

Onde nasce o mal 

 

O pensamento de André Wéninn afirma: “Na experiência humana, a violência é um dado primeiro, bruto. Por isso, a meus olhos, a Bíblia não seria pouco crível se passasse ao lado dessa realidade muitas vezes invasora, pois ela não somente está presente nas sociedades em que todo ser humano se encontra quando vem a este mundo, mas também marca profundamente cada indivíduo desde seus primeiros instantes. O nascimento não constitui, para a criança, uma violência saída de um paraíso de que se vê expulsa para ser lançada num mundo frio e privado de sentido? E esta é apenas a primeira separação. Outras virão, todas marcadas com o sinal de certa violência, e sustentadas – mas nem sempre – por um amor que ajuda a crer em um sentido possível. Nessas condições, crescer em humanidade não consiste em recusar essa violência inevitável, mas em integrá-la aprendendo a reconhecer que ela pode abrir brechas para crer e se tornar humano. Assim, uma boa violência que abre para a vida acompanha uma má violência que semeia a morte, sem que se saiba bem onde passa a linha de demarcação entre as duas”. 

Refletir sobre o “homem bíblico” é mais do que buscar entender o sentido de suas encrencas existenciais. É projetar luzes e sombras sobre o perfil psicológico e espiritual de sua essência antropológica no redemoinho de todas as suas carências mais íntimas ou desejos mais profundos de plenitude. Portanto, nessa linha de pensamento, “o mal se aninha no coração do mistério da vida”, segundo o vislumbre literário do primeiro livro da Bíblia. Assim, “o mal entrou no mundo por culpa dos protoparentes e de um tentador malévolo e traiçoeiro; a culpa não é de Deus. Gn 3 tem o seu exórdio ou preparação no capítulo 2: o jardim, as árvores, o preceito, a nudez da inocência e da culpa, as mesmas pessoas – só o tentador é novo” (Dom João Terra). O tentador, considerado por Cristo como o “pai da mentira” (Jo 8,44), instiga o homem à desobediência do preceito divino para “não comer do fruto proibido” (Gn 3,3), o que constitui a essência de seu pecado, cujas consequências – “desencanto, vergonha e concupiscência” – obnubilam o rosto transfigurado e luminoso de sua intimidade com o Criador. Eis, pois, uma definição de pecado que pode se traduzir em tudo aquilo que o homem faz que desagrada a Deus: “O pecado não é uma transgressão qualquer, mas uma declaração de independência de um ser que se considera autônomo e emerge e ergue-se diante de alguém que toma o seu lugar. O homem pretende ocupara o centro, o lugar de Deus, e deseja conseguir por natureza o que só receberá pela graça. O sujeito dessa transgressão é o ser humano em sua integridade” (J. Alegre Aragües). 

Desse modo, “a manducação do fruto proibido ou a transgressão do preceito os tornou diferentes e em consequência disso sentem o rubor da nudez. Mas não devemos ficar simplesmente nesta vergonha da nudez corporal, pois ela tem alcance mais profundo, sendo na realidade a consciência da culpa cometida. Eles sentem agora que fizeram uma coisa que não deviam ter feito. Nessa concatenação dos efeitos do pecado o nosso narrador mostra seu conhecimento profundo do coração humano. Realmente, ‘a árvore da ciência tornou-se a árvore da consciência’ (Heinisch)” (Dom João Terra). 

São Gregório de Nissa já afirmava na sua Grande Catequese: “Nenhuma origem do mal teve o seu princípio na vontade divina, porque a maldade fugiria da condenação, se pudesse dar a Deus o título de seu criador e patrão. Entretanto, de alguma maneira o mal nasce de dentro, produzido pela ação da vontade, sempre que a alma se afasta do bem. Como a vista é uma atividade da natureza e a cegueira é a privação daquela atividade física, assim a mesma oposição ocorre entre a virtude e o vício. Não é, de fato, possível conceber a existência do mal senão como ausência de virtude”. Também há quem afirme que, “mais do que uma informação sobre a origem do mal, trata-se de seu caráter de culpa. O ‘porquê’ do mal não tem resposta teológica, a não ser o fato de que a teologia indica na cruz a superação do mal” (J. Alegre Aragües). 

A verdade é que, de todos os seres criados, somente o homem teve a lâmpada bruxuleante de sua consciência acesa. Somente ele tem consciência do existir. E ele pagará caro por isso. Todavia, o preço dessa conta está relacionado às decisões de seu coração vacilante e às escolhas de sua liberdade hesitante, que não sabe bem para que lado pender, buscando o equilíbrio interior de sua condição originária de intimide com Deus.