quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A Epifania do Senhor


A Epifania do Senhor



Dentro do contexto das celebrações natalinas, está presente a Solenidade da “Epifania do Senhor”, celebrada na Igreja no dia 6 de janeiro. Aqui, no Brasil, por determinação da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – ela é celebrada no Domingo entre os dias 2 e 8 do primeiro mês do ano novo. De fato, a oração da Igreja traduz a profundidade e a riqueza dessa solenidade quando reza: “Ó Deus, que hoje revelastes o vosso Filho às nações, concedei aos vossos servos e servas que já vos conhecem pela fé, contemplar-vos um dia no céu” (Missal Romano, Oração da Coleta). E o Prefácio da Oração Eucarística assevera: “Revelastes, hoje, o mistério de vosso Filho como luz para iluminar todos os povos no caminho da salvação”.
Todas as leituras dessa Solenidade apontam para a realidade da manifestação do Filho de Deus a todos os povos, a todas as nações, representados pelos magos que viajam de terras longínquas a fim de prestarem a sua homenagem ao Salvador, que fora anunciado pelos profetas antigos e, agora, é apresentado no meio dos homens (Mt 2,1-12): “Convocando os magos do Oriente, Jesus começa a reunir todos os povos, a dar a unidade à grade família humana, que se realizará plenamente quando a fé em Jesus Cristo fizer cair as barreiras existentes entre os homens, e na unidade da fé todos se sentirão filhos de Deus, igualmente redimidos e irmãos” (Missal Dominical). A própria palavra “Epifania” significa “manifestação”, isto é, Deus mesmo presente no meio do seu povo, o Emanuel, conforme a profecia de Isaías (7,14).
O fato é que Deus, que sempre se manteve presente no meio do seu povo, como vemos em muitas teofanias do Antigo Testamento, onde ele começou a se revelar, agora, faz-se mais próximo do que nunca, e sua missão não é outra senão a de levar todos os seus filhos ao conhecimento da verdade, cuja plenitude se concentra na apresentação de seu divino Filho, consoante a afirmação de São Paulo: “Certamente sabeis da dispensação da graça de Deus que me foi dada a vosso respeito. Por revelação me foi dado a conhecer o mistério, como atrás vos expus sumariamente: lendo-me, podeis compreender a percepção que tenho do mistério de Cristo. Às gerações e aos homens do passado este Mistério não foi dado a conhecer, como foi agora revelado aos seus santos apóstolos e profetas, no Espírito: os gentios são co-herdeiros, membros do mesmo Corpo e co-participantes da Promessa em Cristo Jesus, por meio do evangelho” (Ef 3,2-6). É a revelação divina que vai se tornando cada vez mais nítida e categórica, a ponto de Deus enviar o seu próprio Filho para realizar, de modo definitivo, o resgate de sua criatura, o homem, decaído pela escravidão do pecado e da desobediência. A vida da graça divina manifestada em Cristo vence na integridade de sua pessoa – o Homem perfeito – todas as resistências humanas contrapostas à vontade divina.
Apresentando-se como o evangelizador dos gentios, São Paulo escancara sua teologia na pregação do evangelho da salvação oferecido a todos os povos. Aqueles que não se sentiam pertencentes à herança espiritual de Israel, simbolizados pelos estrangeiros, também são admitidos à vida nova da graça de Cristo. Segundo Maggioni, a revelação sempre procede da iniciativa divina, mas nem sempre ela acontece de modo vertical. Assim, a revelação divina também pode acontecer por meio da reflexão e da meditação do homem, que é capaz de reler sua própria história à luz da fé. Todavia, na “plenitude do tempo” (Gl 4,4), a presença de Cristo chama todos os homens a fazerem a experiência do encontro com ele, abraçando sua pessoa divina e aceitando a salvação que o mistério redentor de sua entrega generosa, por amor aos homens, seus irmãos na carne, faz tornar-se realidade no coração sofrido e angustiado de todos. Não é a um grupo especial e reservado a quem ele se manifesta como salvador. Todos os homens e mulheres de boa vontade, todas as pessoas são convidadas ao acolhimento humilde de sua proposta de conversão. No entanto, sem verdadeira e autêntica conversão não é possível aderir a Cristo e ao oferecimento de seu amor para com todos os povos, coletivamente, e a cada pessoa individualmente. Por isso que todo o Novo Testamento, mesmo se com vozes diferentes, conforme a observação de Maggioni, leva-nos a crer que em Cristo se revela a verdade de Deus, a verdade do homem e o sentido da história; em Cristo foi revelado quem é Deus para nós e quem somos nós para Deus. Ou seja, continua o referido autor, Jesus de Nazaré é a transcrição humana, histórica, de Deus. Ele é a Palavra última de Deus dirigida aos homens na plenitude de sua revelação.
Essa Palavra divina deve ser ouvida por todos os povos, por todas as nações da terra, enfim, por cada um de nós, filhos de Deus no Filho. Nesse sentido, a Palavra do Papa Bento XVI é muito oportuna e comprometedora, enquanto exige nosso esforço de mudança de mentalidade no intento de nos voltar para Cristo: “Como recordaram os Padres durante o Sínodo, ‘a especificidade do cristianismo manifesta-se no acontecimento que é Jesus Cristo, ápice da Revelação, cumprimento das promessas de Deus e mediador do encontro entre o homem e Deus. Ele, ‘que nos deu a conhecer a Deus’ (Jo 1,18), é a Palavra única e definitiva confiada à humanidade’” (Exortação Apostólica pós-sinodal Verbum Domini, n. 14).
O pensamento do Papa traduz o sentido profundo a Epifania do Senhor. Deus se manifestou totalmente na pessoa do Filho, o Salvador de todos os homens. Ao afirmar que “os gentios são co-herdeiros, membros do mesmo Corpo e co-participantes da Promessa em Cristo Jesus, por meio do evangelho” (Ef 3,2-6), São Paulo declara o alcance inaudito do mistério da revelação de Cristo. Com efeito, se por um lado, Israel se fecha a graça de Cristo, embora se sinta o protagonista das promessas, por outro, os “gentios”, com frequência referidos por São Paulo em contraste com o próprio Israel, abrem-se à sua graça e pessoa.
Na verdade, isso é o que caracteriza a diferença entre aceitação e recusa dos dons sobrenaturais e espirituais do cumprimento pleno das promessas realizadas em Cristo.