domingo, 22 de janeiro de 2012

Na direção da África...


Na Direção da África

 


Relembrando uma viagem à África, na Capital do Benin... Uma das muitas vantagens de morar na Europa é o fato de, durante o período de férias, podermos escolher um país não muito distante para visitar. Em 2003, passei três meses de férias na Alemanha. Depois de dois meses em Bonn, terra de Beethoven, estudando a língua alemã, como bolsista, transferi-me para Solingen, e, durante um mês, fiquei prestando serviço pastoral à Arquidiocese de Colônia, junto à Missão Católica Italiana. Em 2004, voltei ao Brasil para visitar minha família. Então, em 2005, não querendo permanecer na Europa, resolvi colocar o Boing na direção da África, de cujo Continente Negro sempre tive a curiosidade para um primeiro contato.

No dia 27 de junho, às 20h05min, horário local, o avião foi aterrissando no Aeroporto Internacional de Cotonou, a capital do Benin, do outro lado do Brasil, e, do mesmo modo, banhado pelas águas salgadas do Oceano Atlântico. Enquanto o aéreo avançava, baixando por sobre as casas próximas do Aeroporto, a impressão era a de que, ali, encontraríamos uma forte evidência no impacto do contraste entre os Continentes ricos e a pobre e quase esquecida África. Tudo pareceu muito simples e despojado da opulência provocante que entedia as grandes cidades do mundo, enquanto um Continente, desprezado e fora do centro da atenção da ganância dos Impérios Modernos, passa fome e sofre de muitas doenças. Há muitos anos, questionando um amigo que vivia e conhecia a dura realidade da vida ali, ele me respondeu: “A África está no último andar do inferno”. Curiosamente, a pobreza – ou melhor, a miséria, que é a completa falta de condições para viver dignamente como seres humanos – que machuca o homem e fere a sensibilidade de sua alma, torna-o mais alegre e feliz, e sorridente, e altruísta, desprendido e abnegado, enfim, aberto à presença de seus irmãos, de seus iguais. Ao contrário, a opulência parece provocar reações completamente inversas, conduzindo o homem ao fechamento, e à indiferença, e à autossuficiência, e ao autismo, como se, por uma doença, talvez inconsciente, ele tentasse se desligar da realidade exterior para viver no mundo da criação mental de seu isolamento; uma espécie de autodefesa que torna a solidariedade um gesto dificultoso e cansativo demais para que ele perceba a presença dos demais. 

A Europa, opulenta e rica, copiosa e avantajada em seus domínios de riqueza, debate-se no “mundo oco” e sem sentido de seu insaciável materialismo que paralisa a excitabilidade dos sentimentos para as coisas grandes e simples do quotidiano, como a própria beleza da existência e da convivência da vida. E, nesse sentido, o materialismo pesa, gravemente, sobre a incômoda solidão dos homens... Concomitantemente, a religião parece transformar-se, de modo cada vez mais intenso, na “consolação interior de um pequeno grupo de fiéis”, como queriam os profetas, nada iluministas nem iluminados, que prognosticavam o fim próximo do cristianismo, no final do século XIX. Tais “fiéis” ainda conseguem elevar os olhos e perceber que a vida humana é efêmera e passageira; que os dias na terra são como a sombra das nuvens que passam e se precipitam no esquecimento de quem conseguiu vislumbrar, no passadouro do tempo, as suas formas ligeiras e indefinidas. Paulatinamente, o materialismo fechou o coração do homem para a realidade do transcendente, do divino, do eterno; obnubilou e escureceu a sua consciência para as verdades intrínsecas ao seu próprio destino. Ninguém mais se pergunta quem somos, de onde viemos nem para onde vamos. O materialismo assumiu o lugar de Deus na roupagem provisória da autossuficiência. Como sentir falta de Deus quem não sente falta material de nada? Jesus tinha razão quando dizia: “Bem-aventurados os pobres de espírito porque deles é o reino dos céus”. Somente quem se sente pobre pode estar aberto à grandeza e à transcendência de Deus. Só em Deus, o homem encontra a satisfação plena de sua dignidade, pois, se nos deixarmos levar pela arrogância intelectual do nosso exagerado racionalismo, acabamos por perder a fé no Deus de Jesus Cristo, cuja revelação e mistério a nossa razão não consegue explicar suficientemente. 

Em Cotonou, fui acolhido pelo Núncio Apostólico Pierre Nguyên Van Tot, um arcebispo vietnamita, que tive a oportunidade de conhecer na Catedral de Brasília, na Quinta-feira Santa do ano de 1992, quando, ali, ele trabalhava como secretário da Nunciatura Apostólica do Brasil. Tendo deixando o seu país para estudar em Roma, não pôde mais regressar à sua pátria por causa do Comunismo que tinha assumido o comando da Nação, o Vietnã. Retornou pela primeira vez, 25 anos depois de ter saído, e, somente, em 2005, dez anos depois de sua primeira estada, voltou a fazer uma segunda visita. Assim, longe de sua terra natal, vive o seu exílio pelas estradas do mundo como mensageiro do Evangelho, prestando seu serviço diplomático à Santa Sé Apostólica. No dia 6 de janeiro de 2003, eu tive a graça de participar de sua ordenação episcopal na Basílica Vaticana, cuja celebração foi presidida pelo grande Papa João Paulo II, no dia da Epifania do Senhor, como acontece todos os anos. “Docete Omnes Gentes” – “Ensinai a todos os Povos” – é o lema de seu brasão episcopal que, certamente, inspira e ilumina a generosidade interior e espiritual de seu apostolado. Depois de ter prestado serviço em vários países, como o Panamá, o Brasil, a República do Congo, Ruanda, França, Benin e Togo – hoje, sendo Núncio Apostólico na Costa Rica, onde eu tive a alegria de reencontrá-lo em 2010 – vive uma vida de completo despojamento de si mesmo, abandonado nas mãos de Deus que o conduz pelos caminhos da doação ao serviço da Igreja de Cristo dispersa pelo mundo inteiro.
Estando hospedado na Nunciatura Apostólica do Benin, onde fui acolhido, não poderia deixar de seguir os passos do Núncio Apostólico. Os compromissos se sobrepõem uns aos outros: missas, administração de sacramentos, encontros, viagens pelo interior da pequena Nação, viagem ao exterior, ao Togo, na proximidade de terras contíguas...

Final de ano escolar, mais ou menos como na Europa, o Núncio é convidado para presidir à missa em muitas escolas da capital e do interior, como também em algumas paróquias. É o momento mais sublime da “Ação de Graças” pelos trabalhos realizados e pelo oportuno repouso, embora alguns alunos devam, ainda, prestar exames para superação de nível escolar.
A liturgia da Igreja Católica é uma só no mundo inteiro: mesmo rito, mesma liturgia, mesmas leituras. Sábia e milenar Igreja de Jesus Cristo!!! Única e unida no essencial, diversa e dispersa no acidental! Os acidentes, revestidos da cultura própria de cada lugar, dão mais vida e dinamismo à animação litúrgica. Cânticos, às vezes, demorados, gestos e muita dança, ao embalo de muitas palmas. É uma Igreja pobre, mas a liturgia é viva, alegre, feliz. A participação é muito acentuada, e cada um se esforça para dar a sua contribuição. A liturgia é preparada em francês e em “fon”, a língua local. O evangelho é lido em ambas, e a homilia sintetizada no final da pregação. O fato é que, segundo informações, nem todos tiveram a oportunidade de irem à escola e serem alfabetizados em francês, língua aprendida na escola. Como muitos não frequentaram a escola, não entendem o francês. Na liturgia, uma curiosidade é que há duas coletas: uma no ofertório e, outra, no final da missa. A segunda parece mais um festival de danças, e todos trazem sua oferta, dançando. 

A África é um campo aberto para muitas aventuras, inclusive, para se experimentar a terrível doença denominada “ma-lá-ria”. Lá, disseram-me que alguém só pode ser considerado bem-vindo à África, depois de ser acometido por ela. Recentemente, soubemos da jovem do corpo diplomático brasileiro que morrera infectada por esse letal tipo de perturbação da saúde. O descuido como tratamento é morte na certa. Mas, não é o medo quem deve deter os nossos passos ao encontro de nossos irmãos que tanto precisam de ajuda e de tudo.