domingo, 28 de agosto de 2011

A vida que não vale nada


A vida que não vale nada!! 



Há alguns dias, eu ouvi numa rádio de Aracaju, um cidadão falando, profundamente indignado e consternado, aflito, sobre o fato de terem encontrado o corpo de uma criança recém-nascida, totalmente comida pelos urubus, num lixão a céu aberto. Além da brutalidade do fato em si, parece que a criança fora devorada viva pelas necrofágicas aves negras. Uma vida inocente jogada no lixo, sem a mínima possibilidade de defesa, de autodefesa. Sem condições de defender-se de seus irracionais agressores. Na sociedade moderna, cheia de autossuficiência e senhorio de si mesma, a vida humana não vale nada, não vale mais do que nada.
Que culpa tem uma criança de ser gerada, mesmo se em situações violentas de estupro, a fim de que, quando nascida, seja precipitada, irresponsavelmente, no monturo?. Dentro dos limites de nossa diabólica racionalidade, haveria alguma legitimação válida para tamanha barbárie?. Como o alucinógeno estado de espírito de uma mãe permite que ela se comporte pior do que um animal?. Quanto realmente vale a vida humana nesse joguete perverso e satânico da falsa liberdade que as pessoas julgam ter?. “O filho é meu, e eu faço dele o que bem quiser ou entender!”. Não é verdade. Nenhuma mãe é proprietária de seu filho para chegar às raias de tamanha loucura, de tão abstrusa insanidade. O fato é que a preciosidade do dom da vida é um dom de Deus, o único capaz de levar a sério o seu projeto criador. Mesmo os que foram e são abortados antes de nascerem nas oficinas de satanás, clandestinas ou não, são frutos do poder criador divino. Portanto, não podem ser manipulados pela delinquência covarde de quem não lhes deu corpo, alma, vida.
A sociedade do descartável joga crianças e velhos no lixo. Ambos indefesos, são atirados no lixo da indiferença, do desprezo, da inutilidade, da não funcionalidade. Crimes aberrantes fazem com que seres humanos tenham a sua dignidade triturada pela ganância de uns poucos. Um apelo à vida é necessário em conjunturas tão degradantes quanto assustadoras e deprimentes. Tomado pela irracionalidade – uma característica que denigre e contraria a essência do “homo sapiens” – o bicho homem torna-se o pior dos animais. Precisamos considerar mais o valor da vida humana. A Constituição Federal que, logo no início, assegura o direito de todos à vida – “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se [...] a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, e à propriedade [...]” (Art. 5º) – não chega à consciência educativa de não poucos cidadãos. Se negamos a vida a quem quer que seja, esperado ou não, planejado ou não, favorecendo ou permitindo assassinados crudelíssimos de quem se aproxima da porta da existência, o que mais poderíamos garantir-lhe?. Sem vida, sem nada!. Não somos senhores da vida nem da morte. Não somos donos de ninguém. Nem o Estado, com toda a sua super-proteção interesseira e arrogante, é dono de ninguém. Que segurança, de fato, o Estado concede aos indefesos, em todas as classes do desprestígio que envolve e acoberta a degradação das pessoas?. Que patrocina a indecência e a espoliação brutal de seus mais sublimes direitos?.
Depois, ainda queremos abrir as portas do diálogo para liberação da maconha, do crack, do oxi e de tantas outras liberações desmoralizantes, como se não bastasse o vulcão de imoralidade e corrupção política ou de violência que todos os dias agridem a vulnerabilidade dos pequenos. E ainda reclamamos dos jovens delinquentes, incontroláveis, que derramam sua ira e sua raiva nos quebra-quebras de tudo o que veem pela frente, tentando externar a carência do que a vida mergulhada no caos lhes roubou sem nenhum direito. Esse é o homem, o animal irracional, que não consegue mais levantar-se do chão, como poderia sugerir-lhe o espírito aberto aos altos páramos de sua própria transcendência. Limitado pelo inferno de suas escolhas, às vezes, malignas e sem tino, ele permanecerá o cão impiedosamente raivoso que devora o seu semelhante na inconsciência absurda do que deveria ser a sua lúcida responsabilidade. A cultura de morte deve ser contida, detida. Cada vida humana é valiosa aos olhos de Deus, e precisa ser respeitada na sua integral dimensão existencial, do início ao fim do tempo, cuja duração foi determinada pelo criador, único Senhor de tudo e de todos. Portanto, nossa realidade humana não pode prender-se aos mitos da antiguidade grega ou egípcia, em que o deus Úrano devolvia seus filhos ao seio materno, de onde haviam saído, trucidando-os, com medo de ser destronado pela geração sucessora. A vida humana não é um mito desvairado de nossa demente fantasia demagógica de caráter fabuloso.
A voz é do Papa Bento XVI: “O homem não é um átomo perdido num universo causal, mas é uma criatura de Deus, à qual quis dar uma alma imortal e que desde sempre amou. Se o homem fosse fruto apenas do acaso ou da necessidade, se as suas aspirações tivessem de reduzir-se ao horizonte restrito das situações em que vive, se tudo fosse somente história e cultura e o homem não tivesse uma natureza destinada a transcender-se numa vida sobrenatural, então, poder-se-ia falar de incremento ou de evolução, mas não de desenvolvimento. Quando o Estado promove, ensina ou até impõe formas de ateísmo prático, tira aos seus cidadãos a força moral e espiritual indispensável para se empenharem no desenvolvimento integral e impede-os de avançarem com renovado dinamismo no próprio compromisso de uma resposta humana mais generosa ao amor divino”. Destarte, convém que redescubramos o “Evangelho da Vida”, como também intuía o Beato Joao Paulo II: “A Igreja sabe que o Evangelho da vida, recebido do seu Senhor, encontra um eco profundo e persuasivo no coração de cada pessoa, crente e até não-crente, porque, se ele supera infinitamente as suas aspirações, também lhes corresponde de maneira admirável. Mesmo por entre dificuldades e incertezas, todo homem sinceramente aberto à verdade e ao bem pode, pela luz da razão e com o secreto influxo da graça, chegar a reconhecer, na lei natural inscrita no coração (cf. Rm 12,14-15), o valor sagrado da vida humana desde o seu início até o seu término, e afirmar o direito que todo ser humano tem de ver plenamente respeitado esse bem primário. Sobre o reconhecimento de tal direito é que se funda a convivência humana e a própria comunidade política”.
A vida precisa ser resgatada pelo milagre do amor, da generosidade, da doação de si à edificação do outro. Como diria o Cardeal Van Thuan, servo de Deus, quando o amor abandona o coração humano, quando nele se levanta o mar do egoísmo e da vingança [assassina], é que está próximo o momento da exterminação. Assim, nada mais terá sentido no horizonte de nossa humanidade destruída, falida, deteriorada e consumida pela ferrugem da morte. Sim, uma centelha de amor pode incendiar o mundo inteiro e proteger a sacralidade da vida onde ela se encontra mais frágil e ameaçada. Faça sua parte onde você vive dentro de sua própria casa, junto aos seus, no trabalho, na escola, na oficina, na rua, enfim, em qualquer lugar aonde possa chegar a certeza de que a nossa humanidade será melhorada pela concretude do amor generoso, desinteresseiro, gratuito, que salva a todos do destino da breve morte que solapa o futuro dos pequenos.
Coloque-se à prova. Não seja mesquinho, hesitante nem colaborador do mal. Provoque em seu derredor o incêndio do amor, e o mundo iluminar-se-á pela esperança da vida, na força do abraço de todos nós. Com efeito, a vida em abundância que Cristo prometeu a todos (Jo 10,10), também, depende da generosidade do acolhimento com que nos abrimos à benemerência de sua infinita e operosa gratuidade.