domingo, 28 de agosto de 2011

Gladium Spiritus Verbum Dei

Gladium Spiritus Verbum Dei 



A frase encontra-se na Carta de São Paulo aos Efésios: “E tomai o capacete da salvação e espada do Espírito, que é a Palavra de Deus” – gladium Spiritus quod est verbum Dei (Ef 6,17). A palavra de São Paulo aparece no contexto em que os cristãos são exortados e motivados pelo Apóstolo a se prepararem, com a devida armadura, para o combate espiritual: “Fortalecei-vos no Senhor e na força de seu poder. Revesti a armadura de Deus, para poderdes resistir às insidias do diabo” (Ef 6,10).
A literatura paulina aborda dois termos que traduzem a mesma realidade da importância da palavra de Deus na vida dos cristãos: “Capacete da salvação e espada do Espírito”. Antes, porém, de sua compreensão mais imediata, convém recordar a grandeza desses vocábulos em língua grega, como no texto original da Sagrada Escritura. Na verdade, trata-se de termos de guerra, usados em sentido militar. O capacete, todo mundo sabe, deve ser colocado sobre a cabeça. Falam os historiadores, por exemplo, que a luta dos gladiadores era considerada um esporte danoso por causa da grande pressão que fazia o capacete sobre a cabeça do indivíduo. A palavra grega usada é “perikephalaia”, isto é, “em derredor da cabeça”, e aparece, em todo o Novo Testamento, somente duas vezes, assumindo uma acepção teologicamente metafórica. Segundo os estudiosos, tanto em 1Ts 5,8 quanto em Ef 6,17, faz referência a Is 59,17, em que Deus é apresentado como o sujeito da construção literária, determinando sua própria ação salvífica. Na consideração do exegeta Oepke, a salvação final assegurada aos crentes pela obra salvífica de Deus deve envolver e proteger a cabeça tal e qual um capacete. Portanto, colocar o capacete significa que se pode enfrentar a luta iniciada contra as potências tenebrosas do mal, que querem impedir a libertação, tendo plena confiança na salvação oferecida.
Ao lado da couraça, temos também a espada, que o grego traduz por “machaira”, e aparece 29 vezes no NT. Raramente, assume o significado de “faca”, como em Js 5,1, quando Deus pede a Josué que faça “facas de pedra” para circuncidar o povo que conquistara a terra prometida, ou em Gn 22,6, quando Deus pede que Abraão sacrifique o seu filho Isaac. Fora desses contextos, refere-se a uma arma de guerra, a espada propriamente dita, sobretudo, em situações concretas do NT, como no caso dos inimigos de Jesus que o vão procurar acompanhados de Judas “com espadas e paus” (Mt 26,47). São Paulo dilata o horizonte de sua percepção e atribui um valor alegórico e, portanto, figurado à “espada do Espírito” para aludir à Palavra de Deus. Não por acaso, a Carta aos Hebreus fala que “a palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes” (Hb 4,12). Nessa linha de raciocínio, a preocupação de São Paulo é a de que os cristãos, empunhando o escudo da fé e da palavra divina, possam extinguir os dados inflamados do Maligno (Ef 6,16).
Na tentação de Jesus, narrada pelos evangelistas, sabemos que ele enfrentou as armadilhas do tentador, também, recorrendo à Palavra de Deus, que ele as tinha gravado na sua inteligência. Da mesma maneira, é muito importante que os seus seguidores também possam, conhecendo e aprofundando cada vez mais as Sagradas Escrituras, servir-se delas para vencer a luta no campo da espiritualidade, em que forças contrárias à vontade divina tentam precipitar os filhos de Deus longe de sua presença. Assim, lendo com calma e serenidade a “Carta Magna” de Deus para a humanidade – a Bíblia –, estaremos reforçando as armas do espírito para vencer, nos limites vulneráveis da vontade, as inspirações maléficas do que não é justo, bom e agradável aos olhos de Deus. Às vezes, perdemos tanto tempo na apreciação de leituras banais, sem fontes autênticas de verdadeiras moções que nos apontem a direção do alto, das coisas sublimes de nossa plena realização. Mas, a palavra de Deus nos indica o endereço do céu. Ela contém as leis do trânsito espiritual de nossa peregrinação terrestre.
O salmista não se cansa de nos advertir: “As palavras de Iahweh são palavras sinceras, prata pura saindo da terra, sete vezes refinada” (Sl 12,7); “Que te agradem as palavras de minha boca e o meditar do meu coração, sem treva em tua presença, Iahweh, meu rochedo, redentor meu!” (Sl 19,15); “Pois a palavra de Iahweh é reta, e sua obra toda é verdade; ele ama a justiça e o direito, a terra está cheia do amor de Iahweh” (Sl 33,4); “Lembrando-se de sua palavra sagrada ao servo Abraão, fez seu povo sair com alegria, seus eleitos com gritos jubilosos” (Sl 105,42); “E gritaram a Iahweh na sua aflição: ele os livrou de suas angústias. Enviou sua palavra para curá-los, e da cova arrancar a sua vida” (Sl 107,20); “Como um jovem conservará puro o seu caminho? Observando a tua palavra. Eu te busco de todo o coração, não me deixes afastar dos teus mandamentos” (Sl 119,9-10); “Iahweh, tua palavra é para sempre, ela está firme no céu; tua verdade continua, de geração em geração: fixaste a terra, e ela permanece” (Sl 119,89-90); “Tua palavra é lâmpada para os meus pés, e luz para o meu caminho” (Sl 119,105); “O princípio de tua palavra é verdade, tuas normas são justiça para sempre” (Sl 119,160). São expressões ricas do valor e da importância da palavra de Deus na vida de homens e mulheres de boa vontade que se deixam iluminar por ela.
No caso específico da pregação de São Paulo, durante momentos difíceis de perseguição e ódio, ele sabia que não estava apenas lutando contra as resistências de pessoas singulares ou de grupos ideológicos da época, que tentavam refrear o anúncio do evangelho, inclusive, com a prisão dos seguidores de Cristo. Mais radicalmente ainda, São Paulo tinha consciência de que o combate não era somente “contra o sangue nem contra a carne, mas contra os Principados, contra as Autoridades, contra os Dominadores deste mundo de trevas, contra os Espíritos do Mal, que povoam as regiões celestiais” (Ef 6,12). Consequentemente, quanto maior for a consciência da influência dessas realidades sobrenaturais na vivência cristã, mais se deve estar munido do conhecimento da palavra de Deus a fim de superar os conflitos do quotidiano.
A bem da verdade, se quisermos treinar a intimidade com Deus na reflexão silenciosa sobre o sentido de sua suprema vontade em nossa vida, não podemos dispensar o mérito da leitura diária de sua palavra, que nos orienta o querer e o agir em profunda sintonia com o anseio da liberdade interior que nos faz progredir no caminho da perfeição querida por Deus para todos os seus filhos.