segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Amém!


Amém



O “amém” apresenta-se no contexto de todas as orações litúrgicas ou não, no sentido de uma confirmação final da aceitação de todas as verdades nelas contidas. Ele manifesta a serenidade de quem, mesmo sem entender o alcance teológico e espiritual de sua oração, dispõe-se a ver, nas entrelinhas de suas preces, o conteúdo perene das verdades que nossos lábios pronunciam em concordância à nossa inteligência, vontade e, sobretudo, em sintonia com os louvores sinceros e verdadeiros que brotam do fundo no nosso coração ou do coração da Igreja de Jesus Cristo que, também, ensina-nos a rezar.
A origem da palavra “amém” encontra-se enraizada na dinâmica vocabular do Antigo Testamento. Etimologicamente de ordem hebraica, segundo Schlier, ela pode ser usada tanto de modo singular quanto coletivo, e serve para confirmar a aceitação de um cargo confiado por homens, pela execução do qual se tem a necessidade da positiva vontade de Deus (1Rs 1,36). Entre outros significados, também, apresenta-se como atestação de louvor a Deus na resposta de uma doxologia (1Cr 16,36, Ne 8,6), e, igualmente, no final da doxologia nos primeiros quatro livros do saltério (Sl 41,14; 72,19; 89,53; 106,48). Em todos esses casos, o ’āmēn constitui, portanto, o reconhecimento de determinadas palavras como “certas”, enquanto vinculadas à força do reconhecimento por quem as pronuncia e por todos. Logo, o vocábulo “amém” significa que o que foi dito é considerado como certo e válido, conforme a concepção de Gerhard. Sem dúvida, estamos diante de seu significado mais remoto, mais antigo, enquanto outras atribuições foram aparecendo no contexto literário da cultura bíblico-hebraica. E o mesmo autor acima referido, encarrega-se de ampliar o leque de posteriores desdobramentos de seu conteúdo. Por exemplo, ele afirma que o uso de ’āmēn no judaísmo é muito difuso e disciplinado em seus particulares, possuindo um valor extraordinário. No culto da sinagoga, o “amém” é encontrado como resposta da comunidade, “depois de cada palavra pronunciada pelo presidente da assembleia, junto às orações ou em outras ocasiões” e “depois de cada uma das três partes da bênção aarônica de Nm 6,24-26, concedida pelos sacerdotes”. Era, pois, a profissão de fé a Deus, que era proposta à comunidade que a assumia como própria em sua resposta. Também, era o reconhecimento da bênção divina oferecida à comunidade, que a tornava eficaz em relação ao seu “amém”. Tanto diante da bênção quanto da maldição, quem respondia a elas com o “amém”, ficava à mercê das disposições que elas encerravam.
No que concerne à ideia do “amém” no NT e no cristianismo primitivo, esse termo não foi traduzido, mas transcrito, de maneira que as letras hebraicas pudessem ser codificadas no alfabeto grego, no latino e assim por diante. Nesse novo contexto, ela vem usada de três modos. Inicialmente, como aclamação litúrgica no culto cristão, conforme 1Cor 14,16; ou como em Ap 5,14, no culto celeste em que as quatro bestas respondem com o “amém” ao louvor elevado por todas as criaturas. Depois, as orações e doxologias cristãs, amiúde, terminam com “amém” (Rm 12,25; 9,5; 11,36; 16,27; Gl 1,5; Ef 3,21; Fl 4,20; 1Tm 1, 17; 6,16; 2Tm 4,18; Hb 13,21; 1Pd 4,11). Todavia, isso não significa que aquele que ora confirme suas próprias palavras, mas somente que a oração e a doxologia possuem o seu lugar no culto diante do povo, cuja resposta elas acolhem ou antecipam. Portanto, é nesse sentido que se pode interpretar, também, o “amém” colocado como conclusão de uma palavra profética (Ap 1,7; Rm 15,33; Gl 6,8 no final das cartas, no final do livro como em Ap 22,20). Em síntese, a constatação de que o “amém” cristão tenha mantido o seu íntimo sentido originário pode-se deduzir de três passos do NT: em Ap 1,7, o “amém” aparece ao lado de um “sim”; mas Ap 22,20, chama a atenção sobre o fato de que o “amém” é a resposta da “assembleia” a um “sim” divino. Esse “sim” não introduz a oração escatológica, mas é o reconhecimento da promessa divina, graças à qual é possível dizer a oração. Logo, o “amém” da comunidade torna o “sim” divino válido em sua relação com Ele. De maneira analógica, podemos compreender o “amém” de 1Cor 1,20. Com efeito, como Cristo é o “sim” de Deus, o cumprimento de suas promessas, pois através da promessa dele manifesta-se o “amém”, a resposta da comunidade ao “sim” de Deus, que o torna certo e firme em seus membros. Assim, o próprio Cristo, em reminiscência a Isaías 65,16, pode ser chamado o “Amém” (Ap 3,14), e o sentido desse apelativo pode ser explicado com as palavras: “Assim fala o Amém, a Testemunha fiel e verdadeira, o Princípio da criação de Deus” (Ap 3,14). Ou seja, a resposta que ele dá ao “sim” de Deus, é ele mesmo. Consequentemente, segundo a visão de Gerhard, enquanto ele dá reconhecimento e obediência ao “sim” divino, com o qual ele se identifica, ele se torna, então, o seguro e autêntico testemunho de Deus.
Logicamente, conforme as proposições desse autor, podemos perceber na vida prática de Cristo, na sua incondicional submissão a Deus, a largura e o comprimento dessa disposição interior para se tornar o “Amém” do Criador em seu projeto salvífico. Com certeza, o “amém” de Jesus traduz a verdade total com que ele se entregou à concretude definitiva das promessas de Deus, o seu Pai celestial. “Por isso, ao entrar no mundo, ele afirmou: Tu não quiseste sacrifício e oferenda. Tu, porém, formaste-me um corpo. Holocaustos e sacrifícios pelo pecado não foram do teu agrado. Por isso eu digo: Eis-me aqui, – no rolo do livro está escrito a meu respeito – eu vim, ó Deus, para fazer tua vontade” (Hb 10,5-7). Nesse contexto de fidelidade ao Pai, é como se ele dissesse: “Eis que venho, ó Pai, para fazer a tua vontade, isto é, para dizer-lhe o ‘amém’ radical com que me submeto à tua vontade santíssima”. Eis a plenitude do “amém” de Cristo, dado ao Pai em favor da humanidade pecadora.
O último e terceiro aspecto do “amém” apresentado por Schlier, no âmbito do NT e do cristianismo primitivo, é aquele que perpassou os séculos fazendo parte e subsistindo na comunidade cristã, e que foi preservado, mais do que nunca por Jesus Cristo, sendo colocado antes de suas palavras nos evangelhos sinóticos. Sob esse prisma, ele aparece 30 vezes em Mateus, 13 em Marcos, e 6 em Lucas, e, no evangelho de João, 25 vezes, “liturgicamente redobrado”. Mas, em todo o NT, aparece 128 vezes. Inserida nas entrelinhas, a intenção pedagógica e espiritual de Jesus ao colocar o “amém” antes de vários seus discursos, enfatiza, de modo especial, a qualificação de que suas palavras são certas, confiantes e válidas, no sentido de que Jesus declara no “amém” a própria fé depositada nelas. Evidentemente, vez por outra, tais palavras podem ter significados diversos, embora sempre façam referência ao Reino de Deus e à relação de Jesus com ele. Para concluir, Schlier alude à conotação do “amém” diante de “vos digo” – “em verdade [amém] vos digo” (Mt 5,18.26; 6,2.5.16, somente para citar alguns exemplos) –, contém, in nuce, isto é, como numa semente que esconde sua potencialidade inteira, toda a sua cristologia, qual seja: aquele que pronuncia a própria palavra como verdadeira e, consequentemente, certa é, ao mesmo tempo, aquele que declara a própria fé nela, inserindo-a na vida e tornando-a, enquanto realizada, imperativa em relação aos outros.
Inspirados no “amém” de Jesus, dito de maneira incondicional e consciente ao Pai – não como uma expressão vazia do empobrecimento da compreensão da nossa fé, mas como uma adesão sincera de confiança e abandono à vontade divina –, que estejamos sempre cônscios de que a verdade de Deus proclamada, livremente, pelos nossos lábios assume uma incidência concreta na nossa vida cristã, abrindo-nos, assim, à riqueza inaudita do louvor e da gratidão pelo mistério redentor da nossa bendita salvação. Amém!