terça-feira, 20 de setembro de 2011

Planta verde!


Planta Verde



Embora o título pareça ecológico, não quero apresentar, aqui, um discurso de apologia relacionada à beleza natural, que deve ser preservada por todos nós. Mesmo assim, não podemos esquecer-nos de que a Campanha da Fraternidade desse ano levou em consideração o tema da “fraternidade e da vida no planeta”. Trata-se, pois, de um esforço de reflexão no sentido de termos de levar mais a sério a urgente necessidade da preservação do “planeta azul” dentro do qual a própria sobrevivência humana corre graves riscos. E o lema “a criação inteira geme e sofre as dores do parto até o presente” (Rm 8,22), tenta despertar a consciência e a responsabilidade de todos para a circunspecção de tudo o que envolve a natureza, a fim de evitarmos a deterioração crescente, que agride a harmonia da vida no habitat original de sobrevivência de todas as espécies.
Sem querer desmerecer a preciosidade da natureza, que também é uma fonte borbulhante de inspiração, a verdade é que, por meio do vislumbre da oportuna reflexão, eu gostaria de entreter-me com um pensamento que ouvi pela Rádio Cultura, no programa do Pe. Aélio, “Cristo [está] Vivo”, que vai ao ar todas as manhãs de domingo. Ainda no mês da Bíblia, o Pe. Aélio perguntava aos seus ouvintes qual o tipo de relacionamento que as pessoas tinham com a Bíblia. Então, uma senhora respondeu, com muita simplicidade e convicção, esta jóia de ponto de vista: “A gente com a Bíblia é como uma planta verde!”. Certamente, uma demonstração de que as pessoas simples também são capazes de traduzir seus sentimentos em expressões claras e objetivas, qual surpreendentes pérolas de sabedoria. Não sei, ao certo, em que ela inspirou-se para dar a sua resposta. Todavia, como na criatividade do escritor tudo pode ser motivo de estímulo à elaboração de novas ideias, pensei que seria a ocasião de trazer a lume um tema tão pertinente quanto à meditação da palavra de Deus na vida dos cristãos, dos seguidores de Jesus, ou de todos os homens de boa vontade que se servem da iluminação do pensamento bíblico para aprofundar o conhecimento da vontade divina e, de modo consequente, firmar os seus passos na elevação interior do espírito diante de Deus.
Quem tem o hábito de ler as páginas sagradas sabe, muito bem, que uma das substâncias essenciais da literatura poética sapiencial bíblia está fundamentada na vida bucólica, isto é, na inspiração dos dons da natureza, com que o escritor sagrado atualiza seus ensinamentos, mostrando comparações belíssimas, cotejos de raro esplendor e coincidência intuitiva. Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, encontramos exemplos sobejos nesse contexto de confrontos entre a vida humana e natural. Cito apenas alguns exemplos crus, sem recorrer à explicação teológica, para aperitivo de meus amados leitores. Se pegarmos o profeta Isaías, leremos: “Cantarei a meu amado o cântico do meu amigo para a sua vinha. Meu amado tinha uma vinha numa encosta estéril. Ele cavou-a, removeu a pedra e plantou nela uma vinha de uvas vermelhas. No meio dela construiu uma torre e cavou um lagar. Com isto, esperava que ela produzisse uvas boas, mas só produziram uvas azedas” (Is 5,1-2); “O justo brota como a palmeira, cresce como o cedro do Líbano. Plantados na casa de Iahweh, brotam nos átrios do nosso Deus” (Sl 92,13-13); “Como a corça bramindo por águas correntes, assim minha alma brame por ti, ó meus Deus!” (Sl 42,1); “Eis que virão dias – oráculo do Senhor Iahweh – em que enviarei fome à terra, não fome de pão, nem sede de água, mas de ouvir a palavra de Iahweh” (Am 8,11).
No NT, Jesus também recorreu a parábolas tiradas do convívio agrícola, com a intenção de transmitir seu ensinamento aos discípulos. O clima do Oriente Médio está profundamente evidenciado pela vida no campo onde encontramos pastores de ovelhas cuidando de seu rebanho. Com vistas para essa realidade pastoril, influenciada pela necessidade de mudança de lugares, como estabelecendo contato com território onde as fontes de água sejam mais abundantes, Jesus vê o povo disperso e desiludido, perdido e desorientado, “como ovelhas sem pastor”. Assim, tendo consciência do papel do verdadeiro Pastor, ele apresenta-se como o “bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas” (Jo 10), diferentemente dos maus pastores, duramente criticado por ele e pelos profetas do Antigo Testamento (Ez 34). Portanto, para deter-nos mais naquilo a que estamos referindo-nos, vejamos com que bela metáfora Jesus demonstra-se relacionado com o seu povo eleito, o seu “pequenino rebanho” (Lc 12, 32), ao pensar na agricultura: “Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor. Todo ramo em mim que não produz fruto, ele o corta, e todo o que produz fruto ele o poda, para que produza mais fruto ainda. [...] Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanece na videira, assim também vós, se não permanecerdes em mim” (Jo 15,1-4).
Voltando à expressão inicial, “a gente com a Bíblia é como uma planta verde”, eis a tradução perfeita do que podemos ir buscar no Salmo primeiro: “Feliz o homem que não vai ao conselho dos ímpios, não para no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos zombadores. Pelo contrário: seu prazer está na lei de Iahweh, e medita sua lei, dia e noite. Ele é como árvore plantada junto a riachos: dá seu fruto no tempo devido e suas folhas nunca murcham; tudo o que ele faz é bem sucedido” (Sl 1,1-3). Dito de outra maneira, poderíamos, inclusive, afirmar com o Eclesiastes que “nada há de novo debaixo do sol” (cf. 1,9), embora existam muitas coisas velhas que não as conhecemos ainda. Mas, o que será que a expressão do salmista significa diante da mente e do coração reflexivo que para diante da Palavra de Deus? Na verdade, a vida do homem que procura levar em consideração os desígnios divinos para sua felicidade, mormente, tentando pautar a sua vida pela vontade de Deus, caminha numa direção totalmente bem-aventurada, feliz, por que distante de seus projetos pessoais.
A verdade é que nem sempre a caduquice humana encontra a devida lucidez quanto à atitude interior que a Palavra do Senhor inspira-lhe. Todavia, há intuições luminosas que podem ajudar-nos no redirecionamento da existência, na mudança da rota dos vícios, ou ainda, da conversão exigida pela consciência serena de que Deus sabe o que é melhor para nós, mesmo quando seus pensamentos estão muito acima dos nossos (Is 55). Tudo isso podemos ir buscar na Bíblia, na Palavra de Deus, que está ao alcance de nossa mão e ao nível da compreensão de nossa inteligência. De fato, assim fala o Senhor Deus: “Porque este mandamento que hoje te ordeno não é excessivo para ti, nem está fora do teu alcance. Ele não está no céu, para que fiques dizendo: ‘Quem subiria por nós até o céu, para trazê-lo a nós, para que possamos ouvi-lo e pô-lo em prática?’ E não está no além-mar, para que fiques dizendo: ‘quem atravessaria o mar por nós, para trazê-lo a nós, para que possamos ouvi-lo e pô-lo em prática?’ Sim, porque a palavra está muito perto de ti: está na tua boca e no teu coração, para que a ponhas em prática” (Dt 30,11-14). Mais claro do que isso, somente fazendo uma entrevista direta com Deus, de modo que ele transmita, mais pessoalmente, suas devidas explicações aos de espírito fechado e obtuso.
A “planta verde” a que a senhora se referiu pela Rádio Cultura, é a mesma plantada à beira dos regatos como o demonstra o salmista. Sempre verdejante por que alimentada pela seiva que lhe robustece o caule, os ramos e as folhas e, assim, todo o seu organismo, ela é comparável a quem se deixa conduzir pela palavra da revelação bíblica. Por meio dela, é Deus mesmo quem fala aos seus filhos. Por conseguinte, “meditá-la dia e noite” (Sl 1,2) nada mais significa do que permitir que toda a nossa existência seja iluminada pela lei divina, a fim de que tudo seja bem sucedido e não se perca como acontece na vida dos ímpios, na vida daqueles que fazem de Deus e de sua palavra os apelos convenientes apenas aos caprichos de suas vontades e pretextos. A vida humana embebida pela sabedoria da palavra divina, sobretudo, pela palavra divina encarnada, isto é, Jesus Cristo, a única palavra de Deus apresentada à nossa humanidade, com certeza encontrará a plenitude pela qual ele mesmo se fez o rio de Deus, concretamente presente na terra, saciando toda a sede de nossas insuficiências e dilacerações espirituais.