segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A Pior parte do corpo!!


A pior parte do corpo



Alguém já disse que a pior parte do corpo é a língua. Sim, são não muitos centímetros de carne, mas, que podem levar uma pessoa à perdição. Talvez, o assunto não seja muito interessante, mas, como me é reservado o espaço nesse distinto jornal, eu posso escrever sobre qualquer coisa que me espezinhe a mente, pois, se eu tiver vida, tempo, graça e saúde, meus queridos leitores ainda poderão aprovar, ou não, muitas de minhas tempestivas reflexões. A verdade é que os temas são frutos do acaso ou de alguma provocante e oportuna situação que me favoreça a possibilidade da cogitação das ideias. Portanto, sábado passado, eu vivi uma experiência que me fez pensar, e pensar muito, sobre o poder destruidor de um comentário infeliz feito sobre as pessoas que não as conhecemos, porque não convivemos com elas. Por exemplo, eu não tenho obrigação nenhuma de gostar de quem quer que seja, como, de igual maneira, e em contra partida, ninguém tem o dever de gostar de mim. No entanto, dessa não simpatia recíproca à atitude difamatória, que leve alguém a falar mal de outrem ou a envenenar uns contra os outros, simplesmente, pelo azedume da insatisfação pessoal com algum comportamento não muito agradável, porquanto as pessoas gostam de aplausos e bajulação, isso é outra coisa.
Então, caro leitor, você tem mania de falar mal das pessoas, apenas por que elas não foram “com a sua cara”, como diz o rifão que, cotidianamente, circula em nosso meio? Quando alguém manifesta maledicência contra outra pessoa, qual é a sua reação? Você concorda, discorda, ou aproveita a circunstância para “meter a ripa”? Pior ainda! Ou será que você inventa, com toda a pujança criativa de sua fantasia, outros aspectos que possam denegrir ainda mais a imagem da pessoa falada e, de modo consequente, leva a diminuir a luminosidade projetada sobre ela? Não sei qual é a sua resposta, mas, tenha cuidado, porque, quem enlameia o outro, é porque está querendo tirar vantagem diante de suas próprias colocações. De fato, quem diminui o outro quer engrandecer-se à custa dele. Portanto, comportamento desse tipo deve gerar desconfiança, vontade e intenção de conhecer o outro lado da moeda da vida vitimada pelo mexeriqueiro.
Geralmente, o sacerdote é uma pessoa pública, pois ele lida com um grupo variado e diferenciado de pessoas, que, nem sempre, fazem parte do seu quotidiano. Quer dizer: há pessoas que vão ao seu encontro, uma vez ou outra, e, no entanto, não estão na normalidade da vida nem no circuito de sua convivência diária. Num caso mais concreto, isso tem a ver com as várias conjunturas da vida eclesial, sobretudo, em determinadas circunstâncias da paróquia, tais como: missas de formatura, casamentos com requintes de roupas, deselegantemente, extravagantes, missas de aniversários, comemorações de centenários, missas de sétimo dia e, assim, por diante. Se, por acaso, o padre recusar-se a permitir na liturgia músicas do tipo: “Amigos para sempre é o que nós iremos ser na primavera ou em qualquer das estações...”: ou: “Além do horizonte deve ter algum lugar bonito pra viver em paz...”; ou ainda: “Naquela mesa está faltando ele, e a saudade dele está doendo em mim...”; isso tudo, sem falar de outros abusos inconvenientes de gente que nunca vai à igreja nem entende de liturgia – e quando lá aparecem, querem mandar em tudo – de modo que se o padre for mais exigente ou intransigente quanto a essas “adições inoportunas”, como diria o Papa Bento XVI, ele é taxado de “mal educado”, “ignorante” e “cavalo”. Numa palavra, “a besta do apocalipse”! Quantos traumas! Quanta gente hipócrita! Quantos cristãos do pau oco! E ainda há aqueles que se dizem ou se afirmam “maduros na fé”, mas, por qualquer besteira do comportamento do padre que contrarie seu desejo de auto-afirmação, mudam até de igreja, quando não, de religião. Trata-se de pessoas de mentalidade mesquinha, que não acrescentam nada à vida da comunidade. Demonstram-se ainda infantis na sua fé, e não estão prontas para receber alimento sólido, como diria a Carta aos Hebreus: “Pois, uma vez que com o tempo vós deveríeis ter-vos tornado mestres, necessitais novamente que se vos ensinem os primeiros rudimentos dos oráculos de Deus, e precisais de leite, e não de alimento sólido. De fato, aquele que ainda se amamenta não pode degustar a doutrina da justiça, pois é criancinha. Os adultos, porém, que pelo hábito possuem o senso moral exercitado para discernir o bem e o mal [como alguns dos cristãos hodiernos deveriam possuir], recebem alimento sólido” (Hb 5,12-14).
O fato é que a raiz do problema da imaturidade de fé, amiúde, está na ausência de convicções mais profundas pelas quais estamos na Igreja e, portanto, consideramo-nos discípulos de Jesus Cristo, e, não, dos padres. Do mesmo modo como o padre deve ter a consciência tranquila e serena de que sua missão evangelizadora está centrada no Cristo, vivo e ressuscitado, e em mais ninguém. Às vezes, por conta da falta de clareza quanto à certeza dessa verdade, não conseguimos distinguir a prioridade dos fundamentos da nossa fé, e nos perdemos nas repercussões de situações acidentais, não essenciais, desviando-nos da legitimidade do seguimento fiel ao Senhor que nos chama.
Agora, convém retomar ao que me aconteceu, recentemente, como acenei no início do discurso. Eu fui convidado para fazer uma palestra, uma meditação, para um grupo de pessoas que estavam reunidas no Congresso Bíblico-catequético da Arquidiocese. No final, uma senhora puxou a revista “Igreja em Notícia”, o boletim jornalístico informativo da Arquidiocese, e conferiu se a fotografia ali contida, encabeçando um artigo, seria realmente a minha. Ou seja, ela queria saber se o que estava falando, correspondia ao da foto. E era eu mesmo. Com muita liberdade, ela confidenciou ao grupo que há mais de dez anos ouvia “falar mal de mim”, e, um dia, tinha a esperança de constatar se, ao vivo, o padre Gilvan Rodrigues seria, realmente, conforme ela ouvira dizer ao longo de tantos anos. Convencida de ter sido enganada tanto tempo, viu evaporarem-se no horizonte de sua consciência anos a fio de preconceitos e mitos desnecessários à imaginação de alguém desconhecido para ela.
Não podemos permitir que outros construam, por nós, pré-conceitos sobre as pessoas. Infelizmente, há pessoas que passam a vida toda sem saber nada sobre os circundantes por conta própria, conhecendo-os apenas pelas fofocas inimigas dos invejosos e incompetentes, dissimulados, fingidos, hipócritas, disfarçados de boa gente, mas encobertos de mediocridade e vazio interior. Não é possível conhecer alguém sem o dom precioso da convivência, o que, inclusive – e ninguém é ingênuo nesse sentido – pode revelar características inesperadas e sombrias sobre os que habitam no círculo do convívio entre os iguais. Como aquela senhora, eu imagino quantas outras pessoas ainda se deixam levar pela inconveniência maldita de discursos difamatórios e levianos, de pessoas que preferem a primeira impressão à proximidade da convivência que dissipa os preconceitos e possibilita à pessoa o direito de provar quem ela é de verdade. Línguas malditas! Nem o câncer é capaz de conseguir detê-las! Lá no sertão do Carira, aprendemos que há pessoas que possuem uma língua tão grande que, quando morrerem, terão de ser levadas ao cemitério em dois caixões: um para o corpo e outro para a língua.
A língua é a mãe da maledicência, embora, às vezes, ela comece nos olhos. São Tiago não dispensou seu comentário sobre esse pequeno órgão do corpo humano: “Se alguém pensa ser religioso, nas não refreia a língua, antes se engana a si mesmo, saiba que sua religião é vã” (Tg 1,26); “Aquele que não peca no falar é realmente um homem perfeito, capaz de refrear todo o corpo. Quando pomos freio na boca dos cavalos, a fim de que nos obedeçam, conseguimos dirigir todo o corpo. Notai que também os navios, por maiores que sejam, são, entretanto, conduzidos por um pequeno leme para onde quer que a vontade do timoneiro dirija. Assim também a língua, embora seja pequeno membro do corpo, se jacta de grandes feitos! Notai como pequeno fogo incendeia floresta imensa. Ora, também a língua é fogo. Como o mundo do mal, a língua é posta entre os nossos membros maculando o corpo inteiro e pondo em chamas o ciclo da criação, inflamada como é pela Geena. [...] Mas, a língua ninguém consegue domá-la: é mal irrequieto e está cheia de veneno mortífero. Com ela bendizemos ao Senhor, nosso Pai, e com ela maldizemos os homens feitos à semelhança de Deus” (Tg 3,2-9).
É verdade que todos somos vítimas desse hábito perverso da difamação barata, gratuita. Todavia, seria muito bom que pudéssemos rever as motivações e os critérios que nos impulsionam a proceder, de modo irrefletido e apressado, na hora de julgar as pessoas pela aparência. Refletir sobre essa realidade corriqueira da vida, que provoca estragos e destruição sobre a imagem das pessoas alheias, especialmente, se não nos são simpáticas, nunca será demais, e poderá melhorar a convivência entre todos, pois ninguém é melhor do que ninguém. Cada um possui o seu “calcanhar de Aquiles”. Quem pensar que não, cuidado para não ser destruído por suas próprias certezas e convicções traiçoeiras.