segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Sob os escombros da frieza humana!

Sob os escombros da frieza humana 


Essa semana, na estampa de tanta brutalidade sempre evidenciada pelos meios de comunicação, eu fiquei profundamente reflexivo sobre uma notícia que apareceu nos jornais de Aracaju. Um jovem de 18 anos matou uma mulher quando tentava defender seu marido do tiro assassino. Preso, ele confessou friamente que apenas se arrependia de não ter acertado o alvo. Saindo da prisão, ele já decidiu: “Ou ele me mata ou eu o mato. Ou ele ou eu!”. Vivendo sob os escombros de sua frieza, o que será que lhe aconteceu ao longo de seus breves dezoitos anos?
Certamente, seu comportamento demonstra uma atitude, no mínimo, assustadora. Dezoito anos parecem ter sido suficientes para destruir completamente o sentido de sua vida, de sua existência, de seus sonhos e desejos de conquistas, de suas motivações, a ponto de descobrir que tanto faz viver quanto morrer. Confissões desse tipo deveriam fazer pensar e refletir a sociedade em que vivemos. Que qualidades de experiências foram capazes de tolher-lhe a sublimidade da existência? Por onde será que andam os nossos jovens, nossos filhos? Quais são suas companhias, corrompedoras dos bons costumes? Que tipo de selvageria eles sofrem debaixo de seu próprio teto, sob a cortina do desespero sufocante de seus agressores? Sim, porque uma cortina de silêncio e indiferença acoberta o sofrimento de não poucos de nossas crianças abusadas, de nossos adolescentes indefesos. De fato, sempre pipocam nos telejornais situações de abuso de crianças e jovens, sexual e psicologicamente torturados, por espancadores até nomináveis, pessoas de dentro do circuito familiar, enquanto muitas vidas são levadas, de maneira forçosa e constrangedora, aos porões da sobrevivência, à escuridão de sua própria dignidade.
Um jovem de dezoito anos – para não falar de outros delinquentes de plantão que assustam familiares e mesmo a sociedade, na faixa etária abaixo dos dezesseis anos – é alguém que acabou de completar dezessete, dezesseis, quinze, quatorze anos. O tempo é uma medida injusta e incoerente, porque nem todos nós tivemos as mesmas chances nem as mesmas oportunidades. O caminho torto de nossa juventude é o reflexo perverso da sociedade doentia. É muito triste ver as cadeias cheias de tantos jovens criminosos, infratores, monstros gerados no seio da comunidade desorientada, sem rumo certo nem direção segura. Como afirma um rifão francês, a árvore tomba para cujo lado se inclina. Jamais poderá vislumbrar um horizonte luminoso quem encontrou todas as portas de sua vida abertas para a escuridão. Não poderá, nunca, saborear o doce do bom ou bem viver, quem teve a vida mergulhada no mar salgado, azedo, amargo, da existência.
Cantar a vitória quando capturamos os assassinos, os bandidos ou os terroristas – e tantas outras figuras que precipitam a dignidade humana no lixo – não basta, quando acabamos por esquecer-nos de que a humanidade de todos nós é feita da mesma textura de corrupção e delinquência que a deles, pois na vida perdida dos faltosos está também um pouco da nossa desorientação pessoal, de nossos “cinco minutos de loucura”, da bestialidade gigantesca do nosso animal interior, que desata dentro do espírito do homem o bicho incontrolável de sua irascível bestialização. Isso tudo, sem falar do submundo que devem ser os cárceres, com os quais o Estado gasta tanto dinheiro, sem conseguir devolver ao indivíduo a dignidade ferida e estraçalhada pela grosseria do que a vida lhe ofereceu como oportunidade de sobrevivência. Não são somente as grandes catástrofes que devem indignar-nos, provocando horror, como o que aconteceu no dia 11 de setembro de 2001, há dez anos, chocando o mundo inteiro; não são somente as guerras sangrentas, destruindo as pessoas por dentro e por fora, como no Iraque e no Afeganistão, que devem afligir-nos. Também as pequenas violências que se repercutem durante toda a vida de uma pessoa, devem ser levadas em consideração. Independentemente das proporções, o caos que nos cerca é fruto da podridão do coração humano que, indiferente, não vê mais o outro como seu igual.
Na verdade, todos somos vítimas das violências próximas ou distantes. Antropologicamente pensando, todos somos iguais. Os sentimentos humanos não são diferentes para os chineses ou brasileiros, africanos ou japoneses, orientais ou ocidentais, franceses ou ingleses, americanos ou etíopes. A desgraça alheia não se detém no limite das fronteiras geográficas que separam os homens de um país para o outro, de um continente para o outro. O mal da perversidade humana entra em bairros ricos e pobres, em favelas e viveiros humanos mais civilizados, mais sofisticados pela elegância material da arquitetura de suas construções. Ninguém está mais inume às intempéries desastrosas da agressividade humana. O fato é que vendo o outro sempre como um rival, como alguém que quer se sobrepor aos demais, a desconfiança gera conflitos que vão além do controle civilizatório da comunidade humana. A guerra vivida dentro do coração humano se derrama no chão angustiante da não reciprocidade fraterna. A luta pela paz, pela justiça, pela igualdade, pela não indiferença diante das carências do outro, pela passividade exigida pela não guerra, deve ser pautada pelo esforço conjunto de todos, no sentido de que cada cidadão colabore lá mesmo onde vive, em seu ambiente familiar ou social.
Voltando ao jovem assassino que me inspirou tal reflexão, que tragédias desse tipo sejam erradicadas do meio social com projetos sérios de educação e formação do indivíduo como um todo, na sua dimensão integral de pessoa e, portanto, também, merecedora de dignidade e respeito, proteção e condições necessárias que o distancie do abismo corruptor do desequilíbrio total. Nisso, todos nós temos responsabilidade, evitando as pequenas violências domésticas que abalam psicologicamente a frágil estrutura mental das crianças, dos jovens, dos adolescentes. São cuidados importantes porque o ser humano não é apenas bom, reto ou cheio de boas intenções. Assim, como afirma um autor moderno, “a interpretação cristã da realidade humana não fica prisioneira de ilusões a respeito da bondade do ser humano. O homem é profundamente ambíguo, capaz das maiores atrocidades e dos maiores heroísmos. É ambíguo e tem forte tendência ao mascaramento e à mentira a respeito de sua realidade interior e da realidade do coletivo a que pertence” (Alfonso G. Rubio). Portanto, nessa dimensão imprecisa e equivocada do ser humano, estamos todos incluídos, sem distinção de raça, cor ou condição social. Com efeito, no lamaçal do atoleiro humano, onde qualquer um ficar enleado, todos nós estaremos enrascados nele, com ele.
Conforme a ideia de Blaise Pascal, filósofo cristão francês, embora o homem seja a obra-prima da criação, no meio do imenso cosmos sempre em expansão, ele continua sendo o “roseau pensant” – o “caniço pensante” – tão frágil que pode ser derrubado por qualquer vento um pouco mais impetuoso, jogando-o fora da efêmera civilidade terrena. Por isso, atenção: quem estiver de pé, tenha cuidado para não cair, porquanto as tentações que se acometem, são de medida humana (1Cor 10,12). De fato, “a medida humana” é sempre igual para todos nos meandros do terror, da incivilidade, da agressão, do azedume déspota do destempero humano, da morte, enfim, da vulnerabilidade do próprio existir.