quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Pequenino Rebanho!

Pequenino rebanho 



Houve um tempo em que os cristãos viviam escondidos nas catacumbas porque não podiam professar a sua fé publicamente. Eram perseguidos pelos poderosos, pelos imperadores, apenas pelo fato de recusarem, obtusamente, a se prostrarem diante deles. Reconhecendo o Deus de Jesus Cristo e o Jesus Cristo de Deus, não podiam adorar os deuses nem os ídolos desse mundo. Por isso foram terrivelmente maltratados e sofreram muito por causa do “Caminho” (At 9). Isso aconteceu no início da Igreja nascente. Então, aconteceu a conversão de Constantino, um dos Imperadores de Roma, que um dia, teve um sonho e se converteu declarando a religião cristã como a religião oficial do Estado. Como ficou conhecido na História, ele concedeu liberdade aos cristãos com o “Edito de Milão”, em 313.
Qual foi o sonho de Constantino? Inicialmente, não podemos esquecer-nos de que os três primeiros séculos da era cristã foram marcados por dez perseguições sangrentas em relação aos cristãos. Um imperador depois de outro fez com que muitos pudessem testemunhar sua fé no Filho de Deus por meio do martírio, do testemunho da vida derramada junto com o sangue precioso de não poucos soldados da milícia de Cristo. Passados ao fio da espada ou entregues às feras famélicas, ou também pressionados por torturas atrozes e desumanas, muitos tombaram por amor ao Mestre de Nazaré. No entanto, as perseguições nunca conseguiram destruir a fé dos cristãos, como não o conseguirão pelos séculos afora, também, em nossos tempos modernos e até o fim dos séculos. Foi o próprio Constantino quem disse que o sangue dos mártires é semente de novos cristãos. Motivados pelo testemunho desses heróis do cristianismo nascente, muitos outros surgiram com a mesma audácia e determinação corajosa de amor a Cristo. Na verdade, foi nessa direção que o próprio Cristo orientou seus fiéis discípulos, quando disse: “Meus amigos, eu vos digo: Não tenhais medo dos que matam o corpo e depois disso nada mais podem fazer. Mostrarei a quem deveis temer: Temei Aquele que depois de matar o corpo tem o poder de lançar na Geena; sim, eu vos digo, a Este temei” (Lc 12,4-5).
Naquele tempo, já decorridos muitos decênios depois da morte e ressurreição de Cristo, Constantino encontrou-se em guerra com Maxêncio. Daniel-Rops conta o seguinte: “Uma noite – diz Lactâncio –, pouco antes da batalha, Constantino teve um êxtase durante o qual recebeu de Cristo a ordem de colocar sobre o escudo de suas tropas um sinal formando pelas duas letras CH e R ligadas; é este, com efeito, o monograma que se encontra nas moedas e inscrições constantinianas. Quanto a Eusébio, informado –, segundo diz – pelo seu herói imperial, que no fim da vida lhe teria contado todos os pormenores do episódio, eis sua versão: momentos antes de entrar em luta contra Maxêncio, Constantino apelou para o Deus dos cristãos e então, em pleno dia, viu no céu, para os lados do poente, uma cruz luminosa com estas palavras em grego: ‘Com este sinal vencerás’ [En toi nika]. Na noite seguinte, Cristo apareceu-lhe e mostrou-lhe a cruz, convidando-o a mandar fazer uma insígnia que a representasse. Essa insígnia é o Labarum, estandarte em forma de cruz que, a partir daí, acompanhou sempre os exércitos de Constantino”. Eis, pois, onde surgiu, no horizonte do Cristianismo, o sinal que ainda hoje encontramos nos bancos de algumas igrejas, e até, por ignorância linguística e histórica, imaginamos ser um P encima de um X. As duas letras sobrepostas na gravura, na verdade, são as iniciais no nome de Cristo em grego. As letras são: o “csi” [parecido com o nosso X] e o “rô” [semelhante ao nosso P]. Deixo, então, o esclarecimento histórico desse sinal cristão que atravessou os séculos e permanece presente nos dias hodiernos.
A verdade é que devorados pelo ódio do mundo que os persegue e os vitima de morte, nenhum cristão julga sua vida melhor ou superior a de Cristo que foi expulso do mundo aos 33 anos de idade, de modo violento e cruel. Portanto, os verdadeiros seguidores de Cristo também devem pagar o preço do discipulado. Assim, ao ritmo da zombaria e do escárnio, do desprezo radical e da ridicularização, os cristãos não se intimidam diante dos desafios de sua profissão de fé. Pelo contrário, arriscam tudo em favor de seu Senhor e Mestre, Jesus de Nazaré. Mesmo por que Cristo nunca regateou o preço do evangelho com quem quer que seja. Como diria Dom Henrique Soares da Costa, mesmo quando seus apóstolos e discípulos mais próximos não compreendem o alcance de sua entrega generosa e firme, oferecendo seu corpo como comida e seu sangue como bebida, ele “não baixa o preço” da boa-nova que ele veio transmitir a todos.
Realmente, Cristo nunca teve a pretensão de arrebanhar atrás de si um número desqualificado de seguidores. Todavia, sempre teve grande consideração e estima pelo seu “pequenino rebanho” (Lc 12,32), fiel e generoso, totalmente comprometido com as exigências de sua palavra libertadora. Portanto, não importa se, no mundo, seus seguidores verdadeiros são poucos. Ele nunca se preocupou com quantidade, mas com qualidade. Tanto isso é verdade que, num dado momento de frustração e decepção por parte de seus discípulos, ele voltou-se para os seus apóstolos e lhes disse, com toda a franqueza de sua alma, perguntando: “Vós também não quereis ir embora?”. Ao que Pedro, o chefe da comunidade dos doze apóstolos, respondeu-lhe: “Senhor, a quem iremos. Somente tu tens palavra de vida eterna!” (Jo 6,68). O fato é que nunca deve surpreender-nos se, progressivamente, as estatísticas indicam diminuição no número de seus seguidores. O fundamento da verdade de Cristo e de sua Igreja não se baseia em categorias numéricas frias, mas, no entusiasmo da fé com que, homens e mulheres, convictos da certeza de sua religião, não se deixam enganar nem arrastar por fábulas mentirosas que falsificam o evangelho de Cristo. De fato, os que pertencem à Igreja de Cristo e são fiéis ao seu Senhor não se vendem por nada nem negociam a conveniência de suas aptidões morais segundo os interesses momentâneos de sua comodidade. O laxismo moral das consciências modernas, mal fundamentado, não pode corresponder às exigências da fidelidade a Cristo.
Não por acaso os ventos da modernidade têm soprado tão fortemente contra o que seria a legitimidade da vida humana diante de Deus. Uma vida iluminada pela sabedoria divina que se manifestou plenamente no Filho encarnado. Quando, por exemplo, não queremos ouvir a voz da Igreja, que não deve ser uma voz dissonante em relação à vontade de Cristo para santificação dos homens, preferimos encontrar as vozes que possam satisfazer os nossos desejos, mesmo que sejam vozes mentirosas e enganadoras, coma as falácias de tantos falsos profetas que anunciam a felicidade segundo o gosto frívolo do cliente. Isso jamais acontecerá na Igreja de Cristo, cuja verdade anunciada é uma só. É Cristo mesmo o centro do anúncio de sua Igreja, a fim de que todos os que se abrem à correnteza de sua salvação eterna possam retomar o caminho da intimidade com o Pai, o Deus bendito e Criador, que age sempre de novo no milagre amoroso de sua constante recriação. Por isso que São Paulo afirma: “Com efeito, eu vos faço saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado, não é segundo o homem, pois eu não o recebi nem aprendi de algum homem, mas por revelação de Jesus Cristo” (Gl 1,11-12).
Por conseguinte, enquanto houver no mundo falsos mensageiros de doutrinas enganadoras e levianas, tentando atrair, a preço de banana, pessoas desorientadas e aflitas para o alívio imediato de suas dilacerações, com certeza o número dos cristãos diminuirá progressivamente. Contudo, não penso que isso seja um problema para o catolicismo da Igreja de Roma, pois, na verdade, o fato é que a fisionomia da Igreja de Cristo vai se solidificando e se evidenciando no próprio rosto de Cristo, que, não obstante todo o desprezo do mundo pela sua mensagem salvadora e pela sua própria pessoa, sabe que os seus fiéis seguidores serão cada vez menos. De estatística em estatística, vamos descobrindo quem são, concretamente, os que fazem parte do “pequenino rebanho” do Senhor por quem ele fechou os olhos na cruz e entregou o espírito ao Pai com incondicional e generosa imolação. Não vai demorar muito tempo, o "pequenino rebanho" do Senhor voltará às catacumbas para viver, na liberdade opressora, a concretude martiriológica do testemuno autêntico ao seu Senhor, Salvador e Mestre, Jesus de Nazaré. Cristãos católicos, preparemo-nos para o testemunho do sangue, deixando que nossas vestes sejam tingidas no sangue do Cordeiro imaculado, que tira os pecados do mundo!