segunda-feira, 24 de outubro de 2011

São Paulo na encruzilhada de nossas angústias existenciais!


São Paulo na encruzilhada de nossas angústias existenciais



Não sem muitas dificuldades, podemos reconhecer e aceitar, conforme a concepção de Flores, que Paulo de Tarso é uma das personalidades que caracterizam o ser humano de todos os tempos e de todas as culturas, porque nele convergem os fatores mais variados que constituem o homem. A trama de sua vida está constituída pelos mesmos fios de cada vida; sucessos e fracassos, solidão e vida em comunidade; esses eventos se inscrevem no eixo do tempo e do espaço. Isso significa dizer que a existência de São Paulo se cruza com a nossa vida no âmbito da tangente mais íntima e reveladora da consciência de nosso próprio “eu” (ego), aflorando à superfície de nós mesmos. De fato, as categorias supracitadas de “tempo” e “espaço” colocam-nos dentro de um mundo que não é pura fantasia ou imaginação de nossa peleja de autoafirmação diante das incongruências do existir. Ou seja: embora os traços psicológicos e espirituais sobrevivam além do que somos, quanto à temporalidade inexorável de circunstâncias passadas, eles são frutos do momento específico em que fazemos nossa história concreta ao lado de outros nossos iguais. E com São Paulo não poderia ter sido diferente.
Segundo Pietro Rossano, renomado escritor e exegeta italiano, para conhecer São Paulo, temos à disposição dois tipos de fontes. Primeiramente, temos as cartas, através das quais ele mesmo dá, a respeito de si, notícia fragmentada: sua origem, sua conversão, fadigas apostólicas, colaboradores e adversários, itinerários de sua missão. Segundo esse autor, pelo menos sete cartas são de sua autoria, isto é, escritas pessoalmente por ele: Primeira aos Tessalonicenses, Primeira e Segunda aos Coríntios, Carta aos Gálatas, aos Romanos, aos Filipenses, e a Filemon. De outras cartas, como a Segunda aos Tessalonicenses, aos Efésios, aos Colossenses, as duas a Timóteo e a carta a Tito, levantam dúvidas se elas foram escritas diretamente por São Paulo ou por um de seus próximos colaboradores. Ao lado das cartas, encontra-se como fonte de investigação o livro dos Atos dos Apóstolos, no qual Paulo sucede a Pedro do capítulo 13 em diante. Mesmo assim, convém lembrar que “a figura de Paulo esboçada em Atos só corresponde parcialmente ao conteúdo de suas cartas. Há acontecimentos mencionados por Paulo que faltam em Atos ou são apresentados de maneira diferente e, com frequência, o contrário também ocorre” (HEYER).
Fabris nos informa que a primeira notícia que temos de Saulo no horizonte do Cristianismo encontra-se em Atos 7,58, na qual ele é apresentado como perseguidor dos cristãos, no contexto do martírio de Estevão: “E arrastando-o para fora da cidade, começaram a apedrejá-lo. As testemunhas depuseram seus mantos aos pés de um jovem chamado Saulo”. Evidentemente, a figura do jovem Saulo ganhará projeção e importância dentro do Cristianismo depois de sua conversão, tornando-se, por conseguinte, o grande apóstolo missionário de Cristo. Segundo Fabris, a primeira “biografia” de Paulo está inserida nos Atos dos Apóstolos, um livro considerado sacro e canônico pelas Igrejas cristãs. Na tradição cristã, o livro é atribuído a Lucas, autor do terceiro evangelho. Neste livro escrito em grego, Lucas reconstrói a história das origens e da expansão do movimento cristão nos primeiros trinta anos. A segunda e a terceira partes dos Atos dos Apóstolos estão inteiramente ocupadas pela narração da atividade missionária de Paulo a partir de Jerusalém até a sua chegada na capital do Império, Roma. Brevemente, pode-se dizer que em vinte e oito capítulos, em que se subdivide atualmente o livro dos Atos dos Apóstolos, pelo menos dezesseis são dedicados a Paulo. Outras informações sobre os primeiros contatos de Paulo com o movimento cristão em Jerusalém, em Damasco e na cidade de Antioquia da Síria, encontram-se esparsas nos capítulos 8-9; 12 e 13-15 do livro de Lucas.
Saulo nasceu em Tarso no início da era cristã. É ele mesmo quem se apresenta em Jerusalém dizendo: “Eu sou judeu de Tarso, na Cilícia [Turquia meridional], cidadão de uma cidade insigne” (At 21,39), ou ainda: “Eu sou judeu. Nasci em Tarso da Cilícia, mas criei-me nesta cidade, educado aos pés de Gamaliel, na observância exata da Lei de nossos pais, cheio de zelo por Deus, como vós todos no dia de hoje” (At 22,3). A data de seu nascimento se deduz aproximativamente do quanto escreveu o autor dos Atos dos Apóstolos, ao apresentar Saulo pela primeira vez no momento da morte de Estevão por volta do ano 30 d.C. Essa é a concepção de Fabris, de modo que, o apelativo grego neanías, ‘jovem’, nos escritores gregos e helenistas da época, está reservado a uma pessoa de idade que vai dos vinte e quatro até os quarenta anos. Assim, conclui Fabris, numa breve carta escrita ao seu amigo Filemon na metade dos anos 50 d.C., Paulo apresenta-se com presbýtes, “velho”, (Fm 9). E na visão de Hipocrates, um presbýtes pode ter dos cinquenta aos sessenta anos. Ou seja, se Paulo, nos anos 30 d.C. tem 25/30 anos – 55/60 por volta da metade dos anos cinquenta d.C. – pode-se fazer a hipótese de que tenha nascido na primeira década da era cristã, entre os anos 5 e 10. São Paulo era cidadão romano (At 22,25-29), de pais judeus e descendentes da tribo de Benjamin (Fl 3,5). Em muitas ocasiões, ele é constrangido a se apresentar, sobretudo, diante de autoridades. É um homem de saber bastante refinado e seu espírito penetrado por amplo universo cultural. Pelos menos três culturas se sobressaem na manifestação de seu patrimônio intelectual. Foi considerado um verdadeiro “cosmopolita”. Hebreu por nascimento e pela religião, exprime-se na língua e nas formas do helenismo – o mundo cultural grego – e é um cidadão romano que se enquadra lealmente na conjuntura política e administrativa do Império. Ele é “judeu da diáspora, integrado ao Império, cujos valores de ordem e de justiça ele admira” (COTHENET).
Enquanto mais a figura de São Paulo cresce no horizonte de nosso conhecimento, mais temos a certeza de que Deus tem caminhos misteriosos para chamar os seus escolhidos. Todavia, é preciso espírito de abandono, sensibilidade e abertura interior para intuir as moções do chamado do Senhor.