segunda-feira, 24 de outubro de 2011

São Paulo: O último inimigo a ser vencido!


O último inimigo a ser vencido



Pensando no dia de Finados... Foi São Paulo quem disse que “o último inimigo a ser vencido será a morte porque todas as coisas foram sobpostas aos seus pés” (1Cor 15,26). Sua derrota chegará, oportunamente, quando todos forem passados ao fio de sua inevitável espada. Ou seja, que a morte será vencida e derrotada, definitivamente, quando todos formos, como diz São Paulo, “transformados”. Eis, pois, o conceito, fundamentalmente teológico, na realidade da consciência dos cristãos. A morte é um transformar-se, ou, mais categoricamente, é um ser transformado: “Num instante, num abrir e fechar de olhos, ao som da trombeta final; sim, a trombeta tocará, e os mortos ressurgirão incorruptíveis e nós seremos transformados. Com efeito, é necessário que este ser corruptível revista a incorruptibilidade e que este ser mortal revista a imortalidade. Quando, pois, este ser corruptível tiver revestido a incorruptibilidade e este ser mortal tiver revestido a imortalidade, então, cumprir-se-á a palavra da Escritura: A morte foi absorvida pela vitória” (1Cor 15,52-54). Porém, a plenitude deste mistério será conhecida, totalmente, no final dos tempos, pois, por ora, apenas Cristo e sua Mãe, Maria Santíssima, que Assunta ao céu em corpo e alma, pelos méritos do próprio Filho, participam desta realidade escatológica que diz respeito a todos os homens: “Como primícias Cristo; depois, aqueles que pertencem a Cristo por ocasião da sua vinda” (1Cor 15,23).
Agora, discorramos a respeito do problema filosófico da “escolha” diante do como morrer. Podemos, concretamente, escolher “como morrer”? Não seria essa uma pretensão inatingível que escapa ao controle do como viver? Penso que não, ainda se “a morte e os seus sinais, como a doença e o sofrimento, mostram o limite intrínseco à liberdade de escolha do homem”, como nos lembra o número 35 do Instrumentum Laboris do Sínodo dos Bispos em preparação da sua décima primeira Assembleia Geral Ordinária, acontecida em outubro de 2005, na cidade de Roma. A Sagrada Escritura tem uma frase que diz: “Quem persevera no mal, no mal perecerá”. Dessa maneira, o como morrer seria uma consequência da escolha do como viver. Como, por exemplo, morrem os santos? Os santos morrem santamente porque santa foi a sua vida. Por outro lado, como morrem os que vivem mergulhados na irresistível espiral da maldade mortífera de que, às vezes, não por vontade própria, mas, por incapacidade de desvencilhar-se dela, tornaram-se prisioneiros? Não julgo necessária a resposta. Cada um poderá intuí-la, sem grandes dificuldades. Mas precisamos resgatar o rifão francês que diz: “A árvore cai para cujo lado se inclina”. E a inclinação da árvore da nossa vida depende, muito, ou quase exclusivamente, da direção demente ou lúcida, favorável ou desfavorável, que lhe damos. Num certo sentido, como pensamos a vida podemos pensar a morte, sobretudo, na qualidade de cristãos. Se a nossa vida cristã é inspirada em Cristo, também sê-lo-á a nossa morte, pois “quer vivamos, quer morramos, é para o Senhor que o fazemos” (Rm 14,8). Por isso é que o tema incômodo da morte não pode sair ou desaparecer do horizonte das expectativas da fé dos cristãos. Na consciência insofrida dessa realidade da nossa existência, não podemos nos comportar como se a morte fosse uma questão secundária ou mesmo banal. Há muitos anos, o Cardeal Ratzinger, hoje o Papa Bento XVI, numa entrevista, dizia o seguinte sobre o assunto: “A questão da morte é tão somente tocada de leve e, na maior parte das vezes, é apenas para se interrogar sobre como retardar a sua chegada, ou para lhe tornar menos penosas as condições. Desaparecido em tantos cristãos o sentido escatológico, a morte foi envolvida pelo silêncio, pelo medo ou pela tentativa de banalizá-la. Durante séculos, a Igreja ensinou-nos a rezar para que a morte não nos surpreenda repentinamente, dando-nos tempo de nos preparar; agora, é exatamente a morte repentina que é considerada uma graça. Mas não aceitar e não respeitar a morte significa não aceitar e não respeitar a vida”. Aqui, mais uma vez, parece que o discurso cai numa aparente contradição dialética. E, no entanto, não é verdade! Com efeito, o que significa “respeitar a vida”? Significa saber que ela não é dom pessoal, do qual podemos usar e abusar a nosso bel-prazer ou segundo os critérios de quem se julga dono de algo que não lhe pertence. Subsequentemente, se soubermos cuidar bem deste tesouro que nos foi depositado nas mãos, ou no corpo inteiro, por certo, estaremos respeitando a morte na serenidade da futura prestação de contas da vida, o que poderia acontecer hoje mesmo. Que faremos, então? Acolheremos e abraçaremos a nossa irmã, a morte, esperando Cristo como Salvador, “que transformará nosso corpo humilhado, conformando-o ao seu corpo glorioso, pela força que lhe dá poder de submeter a si todas as coisas” (Fl 3,20). Lembro-me de um sacerdote que, no campo de concentração de extermínio do nazismo, confortava seus iguais dizendo que não tivessem medo, mas que aceitassem a morte que, de uma forma ou de outra, chegaria para todos. Depois, perguntava-se ele, e se não morrêssemos, o que faríamos da vida?!! Interessante como cada um encontra uma maneira diversa de enfrentar as situações limites na congruência serena da esperança que lhe bate à porta com dissabores emergenciais da sufocação do momento. Sim, acolhamos a morte! Porém, que seu acolhimento seja marcado pela esperança, teologicamente escatológica, de quem não morre, mas reveste-se de perene imortalidade, pois “embora em nós o homem exterior vá caminhando para a sua ruína, o homem interior se renova dia-a-dia. Pois nossas tribulações momentâneas são leves em relação ao peso eterno de glória que elas nos preparam até o excesso. Não olhamos para as coisas que se vêem, mas para as que não se vêem; pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno” (2Cor 4,16-18).
Que bom seria se conseguíssemos aprofundar, o mais ricamente possível, o sentido extraordinário desse mistério com o qual deveríamos ter o coração e a mente mais ocupados ou menos distraídos! Na verdade, depois de termos percorrido todos os caminhos da terra e contemplado todos os seus horizontes; depois da canseira pesada dos dias vividos, seremos precipitados na contemplação do horizonte de Deus, que nos criou e para o qual estamos sendo encaminhados. Destarte, os olhos se fecharão, oprimidos e pisados pelo pó da terra, e abrir-se-ão, livres, para o clarão intenso do resplendor incansável da visão do mistério.