domingo, 24 de julho de 2011

Big Bang

Big bang



A aventura humana começa com a explosão do “big bang” do amor de Deus que não conseguia mais se conter em si mesmo. O amor de Deus esquentou de mais no interior de seu coração, e ele pensou em nós. Mas, antes de sua carreira inicial no estopim da existência, Deus realiza a criação de uma obra maravilhosa. Ele é o Senhor do céu e da terra! Ele é o Senhor criador de tudo! O caos inicial da experiência do cosmos ganha harmonia, cores e iluminação. As cortinas do palco do mundo são abertas pelo Todo-poderoso. Tudo acontece pelo poder de sua Palavra: “Faça-se a luz”; “Haja a luz”; “Seja a luz!” (Gn 1,3). Basta o imperativo divino para que tudo passe da inexistência ao ser. É o mundo encantado onde a Palavra se fez evento nos acontecimentos. A História toma fôlego no “A”, “B”, “C” das criaturas. Olhando a beleza de sua criação, ele percebe que tudo é bom (Gn 1,10). Árvores, plantas, seres vivos de todas as espécies no céu, na terra e no mar; astros incandescentes de luminosidade, contrastando com a escuridão da noite primeira, embelezam e provocam o estupor divino. Todavia, parece faltar algo na completude de sua originalidade. A inconsciência da criação precisa despertar pela consciência de um ser superior a ela, ainda que, mesmo pela condição de superioridade diante das coisas criadas, ele não deva se excluir da situação de criatura. “Deus disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança” (Gn 1,24). Dotado de inteligência, vontade e liberdade, a obra-prima da criação precisa dormir para que dele seja feita uma auxiliar para a sua solidão: “Iahweh Deus disse: ‘Não é bom que o homem esteja só. Vou fazer uma auxiliar que lhe corresponda” (Gn 2,18). Aparece a mulher, tirada de sua costela: “Então, Iahweh Deus fez cair um torpor sobre o homem, e ele dormiu. Tomou uma de suas costelas e fez crescer carne em seu lugar” (Gn 2,21). O criador faz o homem dormir a fim de que acorde mais feliz e completo, satisfeito com a companheira que é “osso de seus ossos e carne de sua carne” (Gn 2,23). Agora, sim, a obra da criação que antes parecia “boa” (Gn 1,10), é “muito boa” (Gn 1,31). O criador contempla o criado e se extasia. Tudo saiu de suas mãos, de seu poder criativo, infinitamente criador. Que maravilhas aos seus olhos, aos nossos olhos! Os Salmos transbordam de referências às suas maravilhas: “Eu te celebro, Iahweh, de todo o coração, enumero todas as tuas maravilhas” (Sl 9,1); “Quantas maravilhas realizaste, Iahweh meu Deus, quantos projetos em nosso favor: ninguém se compara a ti. Quero anunciá-los, falar deles, mas são muitos para enumerá-los” (Sl 40,5); “Cantai a Iahweh um cântico novo, pois ele fez maravilhas, a salvação lhe veio de sua direita, de seu braço santíssimo” (Sl 98,1); “Cantai para ele, tocai, recitai suas maravilhas todas!” (Sl 10,2); “Ele deixou um memorial de suas maravilhas, Iahweh é piedade e compaixão” (Sl 111,4). São maravilhas, não apenas no que concerne os seres criados, mas, também, quanto aos prodígios de seu poder que traz a salvação de seu povo. Enfim, a beleza do criador se derrama para seu deleito nas criaturas. Mas, até quando? Até onde?
Uma lenda dos hebreus conta que quando Deus intencionou criar o homem, resolveu consultar os anjos, seus conselheiros, para saber sua opinião. Numa intuição quase profética, de quem é capaz de perceber de longe a arrogância da inteligência humana, muitas legiões de anjos tentaram dissuadir Deus de seu propósito criacional, porquanto o homem, sentindo-se senhor de si mesmo e dominado por pretensões inconsequentes, rebelar-se-ia contra Deus. Todas as legiões contrárias ao referido projeto divino foram fulminantemente dizimadas pelo Senhor Deus. Mais tarde, desconfiados de que também seriam destruídos, uma legião se reuniu em conselho para decidir, não apenas apoiar a intenção divina, mas, também, colocar-se de acordo, no intento de colaborar para que o homem não se insurgisse contra Deus, mesmo prevendo sua rebeldia. Uma vez consultados, eles não somente concordaram, como ainda, de igual maneira, dispuseram-se a ajudar no desejo de que o homem fosse temente a Deus e, consequentemente, obediente ao seu criador. A história avançou na dinâmica dos fatos, e o homem, desobediente, resolveu afastar-se do seu Criador como que lhe devolvendo a imagem e a semelhança que Deus tinha depositado em seu coração. A partir de então, deu-se início à trágica trajetória humana em que o homem, presunçoso, tenta colocar-se no lugar de Deus, seu Criador. Uma batalha sem precedentes que se estenderá até o final dos tempos. Se foi por inveja do diabo que a morte entrou no mundo, será por inveja dele que o homem perderá o sossego aconchegante do colo do Pai, do qual ele sempre se sentirá saudoso e distante. Na verdade, a sabedoria de Salomão afirma: “Deus criou o homem para a incorruptibilidade e o fez imagem de sua própria natureza; foi por inveja do diabo que a morte entrou no mundo: experimentam-na aqueles que lhe pertencem” (Sb 2,23-24). Mesmo tendo-se arrependido de ter criado o homem (Gn 6,6), Deus não o abandonou à sua apropria sorte. Esse é, pois, o vislumbre apaixonante do Deus-amor que nunca, jamais, se cansará de favorecer o retorno do homem rebelde à sua intimidade. Expulso do Paraíso e, portanto, da proximidade com Deus, ele terá a oportunidade de se reaproximar dele através do trono da graça: “Aproximemo-nos, então, com segurança do trono da graça para conseguirmos misericórdia e alcançarmos graça como ajuda oportuna” (Hb 4,16). Mas, até lá, o palco da história amorosa de Deus vai se ampliando, escandalosamente, de esforço em esforço, até que sua intenção pedagógico-salvífica seja plenamente realizada. De fato, na encruzilhada da História, Deus se arrepende de ter criado o homem porque “a maldade do homem era grande sobre a terra, e que era continuamente mau todo desígnio de seu coração” (Gn 6,5). São as páginas sagradas da Bíblia – Palavra Revelada – que vão guiando nossos passos na compreensão da trama que envolve a disposição amorosa de Deus em direção à criatura. Aos olhos divinos, a humanidade está completamente desorientada, quase perdida, de modo que já não há mais quem faça o bem (Sl 14,1).
Essa desorientação é o reflexo do abandono de Deus pela criatura. Então, acontece uma catástrofe sem precedentes, de maneira que seja revelado ao próprio homem o desgosto divino quanto à sua pessoa: “Farei desaparecer da superfície do solo os homens que criei – e com os homens, os animais, os répteis e as aves do céu – porque me arrependo de tê-los feito” (Gn 6,7). Todavia, conforme o longo percurso da História da Salvação, Deus mesmo, o Criador do céu e da terra, encontrará o caminho do resgate de sua rebelde criatura.